Ciência

Quem já pegou covid-19 deve seguir usando máscara e álcool gel?

Se as pesquisas confirmarem a reincidência da doença, caso não deve mudar medidas de segurança para toda a população

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Porto Alegre só deve ver as internações por covid-19 reduzirem consideravelmente em 2021 - Luiza Castro/ Sul21

A Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP), está investigando uma possível reinfecção por covid-19 de uma técnica de enfermagem de 24 anos após 50 dias do primeiro diagnóstico. Segundo a pesquisa, a mulher tem histórico de cefaleia e sobrepeso, mas não apresenta atualmente comorbidades crônicas relacionadas diretamente ao agravamento da doença, como obesidade e problemas cardíacos. 

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Especialistas alertam para o fato de que os estudos ainda não confirmaram que se trata realmente de um caso de reinfecção. Se o resultado for positivo, será considerado raro, com apenas um precedente, nos Estados Unidos. 

O que se sabe é que é possível que pacientes com histórico de covid-19 voltem a apresentar os sintomas depois de semanas ou até meses. 

Como identificar uma reinfecção?

Para comprovar um caso de reinfecção é necessário realizar o exame conhecido como “análise filogenética” do vírus em dois momentos. Primeiro, no início da doença. Depois, em um segundo momento, para observar se há algum vírus diferente do constatado inicialmente, visto que alguns pacientes podem testar positivo por muitas semanas e, alguns poucos, até por alguns meses. 

Mesmo que da mesma família, os vírus não são idênticos. Não chega a ser uma mutação, mas são pequenas diferenças. Se houver tais discrepâncias entre os vírus encontrados nos dois momentos do exame, pode se tratar, então, de um caso de reinfecção. 

Evaldo Stanislau de Araújo, infectologista do Hospital das Clínicas da USP e membro da diretoria da Sociedade Paulista de Infectologia (SPI), afirma que, para comprovar a reinfecção, é necessário descartar as possibilidades de infecção respiratória por outros vírus  “porque as doenças respiratórias são muito parecidas entre si. Então, para que a gente afirme com certeza que aquilo é um recidiva por covid-19, a primeira coisa é pesquisar profundamente outros vírus respiratórios e descartá-los”.

Mas, então, quem contraiu covid-19 está imune à doença?

Não é bem assim. Araújo reforça que a doença causada pelo novo coronavírus é conhecida apenas há cerca de oito sete meses em território brasileiro e somente um pouco a mais em outros países. Até o momento, as infecções por novo coronavírus induzem a uma imunidade, cuja duração é de aproximadamente um ano. Ainda assim, mesmo a duração da imunidade não é unanimidade entre os pesquisadores, que chegaram a esse período de um ano após comparações com outros tipos de coronavírus. 

“O que a gente acredita é que todos vão ter imunidade”, mas a duração ainda não é certa. “Agora, como a doença é nova e nós não temos todas as respostas, as medidas de precaução devem continuar mesmo para quem já teve a infecção pelo coronavírus atual, o SARS-CoV-2”, alerta Araújo.

Raquel Stucchi, integrante da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e professora da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), também alerta para o ineditismo da doença.  “A gente conhece essa doença há sete meses. A gente não sabe quanto tempo dura a proteção. O que a gente sabe é que, neste período de sete meses, nós não tivemos nenhum caso de reinfecção. Agora, nós não temos certeza que a reinfecção não possa ocorrer porque a gente ainda não conhece tudo sobre a proteção que a doença confere para as pessoas que tiveram”. 

Diante do cenário ainda pouco conhecido, as recomendações seguem sendo as mesmas para todos, inclusive os que já foram infectados: máscara, higienização das mãos e uso de álcool em gel, além da implementação das medidas de distanciamento social. “O vírus está circulando, a gente não tem uma vacina, então nós temos que tomar essas medidas para evitar a transmissão”, afirma Stucchi. 

Então a chamada teoria "imunidade de rebanho” faz sentido?

Também não é bem assim: contaminar o maior número de pessoas para elevar a imunidade da população e barrar o vírus. O Brasil tem uma população de aproximadamente 211 milhões de pessoas, segundo projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dessa população, a covid-19 já deixou mais de 3 milhões de infectados e 103 mil mortos, de acordo com o O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS).

Para barrar o avanço do vírus, a imunidade de rebanho, defendida pelo presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), mostra que entre 40% e 70% precisa ter sido infectada. Isso significa aproximadamente entre 80 e 140 milhões de brasileiros infectados. A uma letalidade de 3,3%, isso poderia representar entre 2,4 e 4,6 milhões de óbitos.

 “Agora, mesmo que tenha imunidade de rebanho, nós temos ainda um número que se mantém alto, tanto de casos novos quanto de óbitos. Nós estamos em um platô, mas em um platô muito alto”, afirma Stucchi, o que invalida a aplicação da imunidade de rebanho para a pandemia de covid-19.

Segundo Evaldo Stanislau de Araújo, a imunidade de rebanho está bem estabelecida para outras doenças infecciosas. Mas “atingir a imunidade de rebanho em uma doença como a covid-19 custa um preço em vidas inaceitável. No Brasil, já morreram mais de 100 mil pessoas. Isso é completamente inaceitável”, afirma Araújo.

“Eu insisto: imunidade de rebanho em termos de covid-19 não é desejável”, conclui o médico.

Edição: Rodrigo Durão Coelho