Abaixo-assinado

Apoiadora da ditadura, Volkswagen se recusa a criar espaço de memória sobre o período

Abaixo-assinado com mais de 90 apoiadores cobra da montadora a construção de um lugar de memória 

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |

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O caso Volkswagen é apontado como o primeiro que trata da responsabilização de uma empresa por grandes violações de direitos humanos nos chamados “anos de chumbo" - Nelson Almeida / AFP

Personalidades, juristas e entidades relacionadas à luta pelos direitos humanos lançaram, na sexta-feira (28), um abaixo-assinado com mais de 90 apoiadores para cobrar da montadora Volkswagen a construção de um lugar de memória para lembrar a luta dos trabalhadores da empresa que combateram a ditadura militar no Brasil.

Alvo de um inquérito civil público que apura sua participação em violações de direitos humanos no período, a empresa tem se recusado a criar o espaço.

Segundo os signatários, a reivindicação pela inauguração de um espaço dessa natureza no Brasil vinha sendo colocada no âmbito das tratativas extrajudiciais que envolvem o caso da Volks, mas a montadora, nos últimos meses, teria voltado atrás.

“Nós nunca nos reunimos com a Volkswagen. Ela se reúne com o Ministério Público, que se reúne com a gente, então, vai e volta, vai e volta pra fazer um acordo sobre isso. De repente, a Volks parou de tocar na historia do memorial. Ela não quer dar dinheiro pra isso”, conta o coordenador da entidade de Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas (IIEP), Sebastião Neto.

O caso da Volkswagen é apontado como o primeiro que trata da responsabilização de uma empresa por grandes violações de direitos humanos nos chamados “anos de chumbo”, que compreendem o período entre 1964 e 1988.

“A Volks se tornou um símbolo porque ela conseguiu ligar a questão da exploração violenta dos seus trabalhadores, operários, assalariados com uma repressão histórica, que era o nazismo. Então, fazia essa ligação infeliz”, sublinha o historiador e presidente do Instituto Astrojildo Pereira, José Luis Del Roio, articulador do abaixo-assinado.

Lugares de memória

Espécies de memoriais, os “lugares de memória” são construções onde se tenta resgatar e manter viva a história de pessoas que tiveram seus direitos humanos violados por regimes autoritários. Esse tipo de local é comum em países como Argentina, Chile, África do Sul e Alemanha, sendo esse último o berço do nazismo no mundo.   

O inquérito que trata do caso conta com a participação do Ministério Público Federal (MPF), do Ministério Público do Estado de São Paulo e do Ministério Público do Trabalho (MPT). Os signatários do abaixo-assinado afirmam que irão protocolar formalmente o documento no MPF.

A denúncia inicial foi apresentada pelo Fórum de Trabalhadores por Verdade, Justiça e Reparação, em setembro de 2015, e o trabalho envolve também entidades como o IIEP, além de ter apoio das diferentes centrais sindicais, de juristas e outros atores.  

Durante os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (2012-2014), o caso passou por análise do Grupo de Trabalho Ditadura e Repressão aos Trabalhadores, às Trabalhadores e ao Movimento Sindical (GT-13), que foi secretariado pelo IIEP e reuniu vasta documentação relacionada às denúncias. Segundo a comissão, os relatos dão conta de uma parceria da Volskwagen com o aparelho repressivo do Estado na ditadura.  

Relatório

Em um relatório produzido pela própria empresa em 2017, a montadora reconheceu que apoiou o regime militar e que houve repressão a trabalhadores seus na fábrica de São Bernardo do Campo, no ABC Paulista. O trabalho de investigação interna foi conduzido pelo historiador Christopher Kopper, da Universidade de Bielefeld, na Alemanha.  


Christopher Kopper, historiador que responde pela autoria de relatório interno que mostra relação da Volkswagem com a ditadura / Rovena Rosa/Agência Brasil

O que diz a empresa

A reportagem do Brasil de Fato procurou a Volkswagen para tratar do abaixo-assinado. Em nota enviada à redação, a empresa respondeu que tem dado sequência às tratativas junto ao MPF, ao MP de São Paulo e ao MPT.

A montadora disse ainda que tem “compromisso de longo prazo com o Brasil”, em alinhamento com o que chama de “visão de transparência”, e que mantém “diálogo ativo, desde 2015, com todos os envolvidos neste processo”.

Edição: Leandro Melito e Rodrigo Durão Coelho