Não é crime!

Entidades discutem o direito ao aborto e a luta contra o controle do corpo feminino

Dia de Luta pela Descriminalização e pela Legalização do Aborto na América Latina e Caribe debate a urgência do tema

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Data marca reflexão e debate; militantes pedem que o tema seja defendido por todos que pregam uma sociedade mais justa
Data marca reflexão e debate; militantes pedem que o tema seja defendido por todos que pregam uma sociedade mais justa - Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Nem mesmo a subnotificação consegue esconder os números alarmantes da América Latina e Caribe em relação aos direitos reprodutivos e à violência contra a mulher. O continente é considerado pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o mais perigoso do mundo para essa população. Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), as agressões sexuais são "generalizadas" em todos os países da região. A gravidez indesejada, umas das consequências mais cruéis dessa realidade, não encontra solução consistente na maioria das nações. Em tempos de crescimento do fundamentalismo, o desafio é ainda maior.

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O problema não é apenas legal. O aborto é permitido por lei em diversos países do bloco. Os empecilhos estão também diretamente ligados ao acesso, à desigualdade, à estrutura dos serviços de saúde e ao desmonte de políticas públicas. Para marcar o Dia de Luta pela Descriminalização e pela Legalização do Aborto na América Latina e Caribe, movimentos brasileiros debateram o tema em um encontro virtual nesta segunda-feira (28). 

A antropóloga, feminista e integrante da Articulação de Mulheres Brasileiras, Liliane Brum, iniciou o evento com um alerta sobre a ameaça ao estado democrático de direito explicitada nos esforços de controle do corpo feminino. "A gente vive um momento profundamente marcado pelo fundamentalismo religioso no Brasil, conjugado a outras expressões, como o fundamentalismo político e econômico", contextualiza ela.

"Essas forças escancaram um projeto de governo focado sobre o controle e a sexualidade das mulheres. Tais forças vêm se acirrando e adquirindo cada vez mais conotações medievais. Vêm provocando consequências gravíssimas para a já complexa conquista de nossa liberdade e de nossa autodeterminação reprodutiva. Esse cenário denuncia um forte elo entre política de aniquilação e controle", completou a antropóloga. 

O controle do nosso corpo é central para manutenção do sistema capitalista.

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A socióloga, Maria José Rosado Nunes, do coletivo Católicas pelo Direito de Decidir ressaltou que o avanço ultraconservador precisa ter como resposta a ampliação da luta e dos movimentos de defesa das mulheres. "Essa tragédia governamental está colocando em risco a cidadania e a soberania nacional", considerou. 

Segundo ela, a falta de autonomia sobre o próprio corpo guarda características que distanciam a humanidade do processo civilizatório. "A dignidade da maternidade está diretamente ligada à possibilidade de negá-la. Se nós não podemos negar a maternidade, se eu sou obrigada pela minha anatomia a ser mãe, eu não sou uma cidadã, eu sou na verdade uma reprodutora. Isso não é exigido dos homens. Por que nós somos obrigadas? Porque o nosso corpo nos permite? Isso é animalesco!"

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Representante da Marcha Mundial das Mulheres no evento, Maria Julia Montero, afirmou que o ataque aos direitos das mulheres no movimento fundamentalista é uma política conscientemente construída, "Não é a toa que para o governo Bolsonaro essa é uma pauta central, é tão central a ponto de eles intervirem para que não sejam realizados procedimentos previstos em lei. É central porque o controle do nosso corpo é central para manutenção do sistema capitalista."

Segundo a militante, frente ao desmonte, a legalização do aborto precisa ser uma pauta geral, defendida por todos que pregam uma sociedade mais justa.

"Isso tem a ver com a precarização do nosso trabalho, com a sobrecarga das mulheres no serviço doméstico. Quando a gente tem um momento de crise internacional, avanço do neoliberalismo e destruição das políticas públicas, o trabalho da mulheres é usado como uma variável de ajuste. Não tem hospital, não tem creche, quem vai cuidar das crianças, dos doentes e assumir postos de trabalho extremamente precarizados? São as mulheres."

Para assistir o evento na íntegra, clique aqui.

Edição: Rodrigo Chagas