Imunização

Vacina contra a covid vira pauta central no debate político global

Nações em desenvolvimento se unem para tentar quebra de patente; Brasil fica de fora da discussão

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E agora? A grande questão global que permeia o debate da vacina contra o coronavírus, grafitada em muros da Califórnia (EUA). - Tim Mossholder/ Unsplash
O Brasil, que em outras épocas protagonizou, agora faz questão de ficar longe disso.

A possibilidade de disponibilização da vacina contra o coronavírus ainda este ano intensificou o debate político global em torno da distribuição igualitária do imunizante nesta semana. Enquanto China dialoga com a Organização Mundial da Saúde (OMS) para conseguir aprovação emergencial, nações emergentes iniciam um movimento de quebra de patentes. Liderada por África do Sul e Índia, a ação não conta com participação do Brasil, que no passado protagonizou iniciativas semelhantes.

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::Artigo | A guerra das vacinas::

Na terça-feira (13), declarações do diretor-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, surpreenderam o mundo. Antes reticente e cauteloso, ele admitiu que há esperança de distribuição da vacina até o fim de 2020. A mudança consistente no tom do discurso oficial da instituição ocorreu dias depois da China declarar que a OMS deu apoio ao início da administração de vacinas experimentais, mesmo com testes clínicos ainda em curso.

"Vamos precisar de vacinas e há esperanças que possamos ter uma vacina até o final deste ano. Há esperança", disse Tedros, para uma plateia de autoridades no encerramento das reuniões do Conselho Executivo OMS. Ainda assim, Tedros manteve a defesas de medidas como isolamento social e testagem em massa, "Investir em vacinas, enquanto implementamos as ferramentas que temos em mãos seria muito importante e vai nos trazer melhores resultados."

Em paralelo à corrida para garantir a vacina com agilidade, nasce a preocupação sobre acesso ao imunizante para os países mais pobres. Índia e África do Sul se uniram em uma iniciativa que pede quebra de patente na Organização Mundial do Comércio. O assunto deve ser debatido na semana que vem. A suspensão da propriedade intelectual abre caminho para produção do imunizante fora dos laboratórios onde ele foi criado e a um custo mais baixo.

Não são acordos que vão quebrar a indústria.

Em participação no podcast A Covid-19 na Semana, o médico de família Aristóteles Cardona, da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares, afirma que esforços coletivos para distribuição da vacina são essenciais para conter o coronavírus, "Se a gente está falando de uma pandemia, não adianta ela ser combatida em apenas alguns locais e em outros não", ressalta.

"É preciso realmente uma grande aliança. Vários países têm se recusado a participar dessa aliança. Os Estados Unidos encabeçam essa frente. Eles se afastaram da OMS e passaram a firmar parcerias próprias", explica o médico.

Brasil de fora

O Brasil, que liderou diálogo semelhante na ampliação do tratamento de HIV, está alienado da iniciativa.

Parece que não interessa falar em quebrar o lucro gigantesco das indústrias farmacêuticas.

O governo federal anunciou na quinta-feira (8) que estima 140 milhões de doses da vacina disponíveis no primeiro semestre do ano que vem, fruto da participação do país no programa global Covax Facility e das negociações com a farmacêutica britânica AstraZeneca. Não houve nenhuma sinalização de apoio às iniciativas que tentam garantir o imunizante para outras nações pobres. 

"Não é a primeira vez que esse assunto surge no mundo. Muito já se foi debatido e poucas vezes a queda de patente chega a ser necessária. Normalmente, isso surge no debate político e aí começa-se as negociações para que as empresas baixem os preços, reduzam, façam parcerias. Porque não é todo país que tem a capacidade financeira grande e em momentos como esse, se faz necessário. Não são acordos que vão quebrar a indústria", ressalta Cardona.

O médico vai além, afirma que o Brasil se retira de discussões em um momento que pede por solução global, "o discurso está permeado pela solidariedade, de considerar os países mais pobres". "O Brasil, que em outras épocas protagonizou, agora faz questão de ficar longe disso. Parece que não interessa falar em quebrar o lucro gigantesco das indústrias farmacêuticas, como se a gente não estivesse passando por um terrível momento no nosso país e no mundo"

Segundo informações divulgadas nesta semana pelo jornalista e colunista Jamil Chade, do UOL, o contrato com a AstraZeneca traz uma séries de restrições, que determinam pagamento de royalties, manutenção da patente e até definição sobre a data final do fim da pandemia. As condições expostas na reportagem de Chade parecem reafirmar a escolha brasileira de não protagonizar esforços globais para distribuição igualitária. 

Edição: Rodrigo Chagas