fome

Alta dos alimentos atinge população desempregada: "Não tenho condições de comprar"

Com aumento do preço da cesta básica, famílias dependem mais de parentes e campanhas de doação para se alimentar

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Vivendo com apenas metade da renda, a diarista Maria Aparecida Matas depende atualmente do apoio da filha para se alimentar - Vanessa Nicolav

Alimentos básicos, como arroz, feijão e leite, mais caros e difíceis de serem adquiridos pela população de 17 capitais brasileiras. É o que mostra a Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos, realizada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), realizada em setembro, e que leva em conta os preços dos alimentos necessários para uma pessoa se alimentar durante um mês.  

No ano, o instituto só não apurou alta em Brasília. No acumulado em 12 meses, o aumento também é generalizado, de acordo com os dados divulgados na primeira semana de outubro. E bastante acima da inflação.

Continua após publicidade

Nesse cenário, muitos brasileiros estão dependentes da ajuda de familiares ou de campanhas de solidariedade para se alimentar. Uma delas é a diarista Maria Aparecida da Silva Matas, moradora da Vila Anglo, Zona Sul de São Paulo (SP). Com a renda cortada pela metade devido a pandemia, hoje ela sobrevive a base do apoio de sua filha, que tem carteira registrada e recebe cesta básica mensalmente.

Veja também: Política, e não inflação, explica a alta do arroz e outros alimentos no país da soja

“Carne tá muito caro, café, açúcar, leite, arroz, tudo. Está muito difícil hoje em dia. Para comer, eu não vou negar, mas tenho dependido da minha filha vir em casa e trazer um pouco de arroz, alguma coisa. Porque eu mesma, para comprar, não tem condição não.”

Segundo a pesquisa, as maiores altas foram observadas em Florianópolis (9,8%), Salvador (9,7%) e Aracaju (7,13%). Na cidade de São Paulo, o aumento foi de 4,33%. As menores variações foram observadas em Campo Grande (1,72%), Natal (0,68%) e Brasília (0,56%). O tempo médio necessário para adquirir os produtos da cesta, em setembro, foi de 104 horas e 14 minutos, maior do que em agosto, quando ficou em 99 horas e 24 minutos.

::Especialistas alertam para as consequências psicossociais do desemprego e da fome::

Arroz e Carne

Para Patrícia Costa, uma das economistas responsável pelo levantamento, a alta dos preços, principalmente arroz e carne, se explica pelo aumento das exportações nos últimos meses. Com o dólar em alta, os produtores preferem vender para fora, do que manter os produtos no país.

“A tabela de exportação vai mostrando o seguinte, em abril a gente exportou 79 mil toneladas e em 212 mil toneladas. Você aumenta muito o volume exportado e diminuiu a oferta. Vivemos um dilema, porque todos os alimentos básicos estão indo para fora, de forma que quem tá pagando mais são as famílias de baixa renda” afirma.

Outro motivo associado a alta dos preços é o desmonte de órgãos públicos como a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que tem por função armazenar alimentos para impedir uma crise de segurança alimentar no país

::Artigo | O desmonte da Conab e a política agrícola suicida do governo Bolsonaro::

“A Conab trabalha com estoque regulares, que nada mais é que o governo tem um montante de arroz, no poder dele. No momento em que o preço aumenta muito, ele joga arroz no mercado, de forma que o preço diminua. E no momento em que o preço cai muito, ele compra para que o produtor não deixe de vender. Isso é uma política básica agrícola, feita pela Conab, que vem se desmantelando ao longo do tempo", explica a especialista.

Durante o governo Bolsonaro, somente no último ano, foram fechadas 27 unidades armazenadoras. "Eu acho que você tem explicitamente uma política que valoriza o agronegócio e a exportação, em detrimento do consumo interno” pontua Costa.

Leia mais: Preço da comida: Brasil perdeu 30% de área de cultivo de alimentos para o agronegócio

Salário-mínimo e desemprego

Com base na cesta mais cara, que, em setembro, foi a de Florianópolis (R$ 582,40), a pesquisa também aponta que o trabalhador comprometeu, em setembro, na média, 51,2% do salário mínimo líquido para comprar os alimentos básicos para uma pessoa adulta. Em agosto, o percentual foi de 48,8%.

Porém, com o desemprego em alta, para muitos, o acesso à alimentação só tem sido possível por meio campanhas de distribuição de cestas básicas. Munique Katlin é uma delas. Mãe de duas filhas e desempregada, ela tem buscado apoio em um centro de assistência social localizado na Zona Sul de São Paulo. 

“Isso aqui ajudou pra caramba. Com o vem na cesta, a gente economiza, com arroz, feijão, e pode comprar, as vezes, uma mistura. É isso que tá me ajudando, porque a situação está difícil, estou desempregada por causa da pandemia", conta.

Atualmente o desemprego no Brasil atinge 13,1 milhões de pessoas, de acordo com o último levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O que representa quase 14% da população brasileira.

Saiba mais: Movimentos sociais se unem contra fome na abertura da Semana Nacional da Alimentação

Com base no valor da cesta básica da capital paulista, a pesquisa do Dieese estimou que o salário-mínimo necessário para o sustento de uma família de quatro pessoas (dois adultos e duas crianças) deveria ser a R$ 4.892,75, o que corresponde a quatro vezes o mínimo vigente de R$ 1.045.

“Você reduzir o auxílio emergencial e você não ter nenhuma política de valorização do salário mínimo, coloca uma questão. Porque a retomada poderia acontecer pelo aumento do consumo, pessoas com mais renda, comprariam mais e aí você entraria num ciclo virtuoso semelhante ao que a gente já viveu. Isso poderia ajudar o Brasil a sair mais rápido dessa situação” conclui a economista.

O Brasil de Fato procurou o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para comentar o aumento dos preços dos alimentos e risco de desabastecimento, mas não obteve resposta até o fechamento da reportagem.

Edição: Marina Duarte de Souza