MERCADO DE TRABALHO

Desigualdade nas regiões metropolitanas do país cresce durante a pandemia

Estudo focado na desigualdade de renda do trabalho destaca perdas proporcionalmente maiores para os mais pobres

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Em 2018, o Brasil passou a ocupar a nona pior posição em termos de desigualdade de renda, em um conjunto de 189 países
Em 2018, o Brasil passou a ocupar a nona pior posição em termos de desigualdade de renda, em um conjunto de 189 países - (Foto: Nelson Almeida/AFP)

Historicamente desigual, o Brasil, teve um aumento significativo dessa disparidade social em suas metrópoles durante a pandemia. Enquanto os que estão no topo da pirâmide tiveram uma perda de renda de menos 3.2%, os mais pobres (base) tiveram uma redução de menos 32.1% em seu rendimento. O diagnóstico integra o primeiro boletim de Desigualdade nas Metrópoles, com base no estudo desenvolvido pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), pelo Observatório das Metrópoles e pelo Observatório da Dívida Social na América Latina (RedODSAL).

A pesquisa é focada na desigualdade de renda do trabalho, exclusivamente. Os dados mostram que a região Metropolitana de Porto Alegre é a mais desigual da região Sul do Brasil. O estudo tomou como base os microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADc), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em especial de sua divulgação trimestral.

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O levantamento abarca 22 regiões metropolitanas: Manaus, Belém, Macapá, Grande São Luís, Fortaleza, Natal, João Pessoa, Recife, Maceió, Aracaju, Salvador, Belo Horizonte, Grande Vitória, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre, Vale do Rio Cuiabá e Goiânia; além do Distrito Federal e da Região Administrativa Integrada de Desenvolvimento da Grande Teresina. A pesquisa utiliza, entre outras medidas, o coeficiente de Gini, que mede o grau de distribuição de rendimentos entre os indivíduos de uma população, variando de zero a um.

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Conforme explica um dos coordenadores da pesquisa, Marcelo Gomes Ribeiro, professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ) e pesquisador do Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT - Observatório das Metrópoles), o estudo se baseou apenas na medição da desigualdade de renda do trabalho, seja formal ou informal. “Não entra aqui bolsa família, auxílio emergencial, aplicação financeira, aluguel. Não entra um conjunto de fontes de rendimento”, destaca. 

Na pesquisa, são analisados três estratos sociais: os 40% mais pobres, os 10% mais ricos e 50% que são considerados níveis intermediários. De acordo com o estudo, os 40% mais pobres perderam 32,1% da renda, os 50% intermediários perderam 5,6% e os 10% mais ricos perderam 3,2%.

Todas a regiões metropolitanas registraram perda de rendimentos para o estrato mais pobre, sendo as maiores perdas em Salvador (-57,4%), João Pessoa (-50,6%) e Rio de Janeiro (-47,6%). Já as menores menores foram registradas em Natal (-8,6%), Curitiba (-9,8%) e Florianópolis (-14,4%). A região metropolitana de Porto Alegre, em comparação com as demais regiões do país, se encontra no nível intermediário. 

Pandemia acirra a desigualdade


De acordo com pesquisa todas as regiões apresentaram perda no rendimento / Observatório das Metrópoles

No 1º trimestre de 2020, de acordo com o estudo, o rendimento médio no conjunto das metrópoles era de R$1.350,12, caindo para 1.253,51 no 2º trimestre do mesmo ano.

Segundo Marcelo, até 2015 o país tinha níveis de desigualdades menores, mas com a crise econômica, entre 2015 e 2016, começou a se acentuar as diferenças em relação à renda do trabalho: “Nós já estamos vindo de uma trajetória de aumento das desigualdades no país. Esse aumento estava configurando desde o momento em que o Brasil entrou em um processo de crise econômica, como foi o ano de 2015/2016. De de lá para, o que temos observado é que tem aumentado, em termos gerais, as desigualdades de renda. E foram ainda mais aprofundadas nessa pandemia, nesse primeiro semestre de 2020.”

Aumento da desigualdade

Apesar de todos os estratos registrarem perda no rendimento, o mais significativo foi para os mais pobres, os da base da pirâmide. “Quem está no topo da distribuição de renda, as pessoas de maior rendimento (10%), elas perdem, mas perdem pouco. Quem de fato perde em nível de rendimento na sociedade brasileira é o grupo de menor rendimento, os que estão na base da pirâmide social (40%). Como a perda é muito grande nesse grupo de menor rendimento, as distâncias se intensificam ainda mais entre esses dois grupos”, salienta o coordenador. 

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Para se ter uma ideia do tamanho da desigualdade, na cidade de São Paulo, por exemplo, enquanto as pessoas que estão no estrato superior têm rendimento R$ 8.305,12, o inferior tem média de R$ 202,92. No Rio de Janeiro, onde os 10% mais ricos têm renda média per capita de R$7.032,01, os 40% mais pobres têm renda média de apenas R$ 102,08. 

De acordo com o coordenador, a desigualdade de rendimento que existe no mercado de trabalho é explicada pela estrutura do próprio mercado, que tende a remunerar melhorar determinadas ocupações e remunerar de forma pior outras ocupações, conforme determinadas habilidades.

“Nesse contexto da pandemia, pela questão sanitária, de saúde pública, para que as mortes pudessem ser evitadas, as pessoas tiveram que realizar o isolamento social. Aquelas pessoas que estão em uma situação de fragilidade, de precariedade em relação ao mercado de trabalho, são as que mais sofreram, porque ao ter que abandonar seus trabalhos, muitas delas perderam também sua fonte de renda. Então elas foram as que sofreram mais os efeitos da pandemia que ocorreu esse ano", explica.

Vulnerabilidade relativa

A pesquisa analisa também o percentual de vulnerabilidade relativa (pessoas cuja renda domiciliar do trabalho não chega à metade do perfil mediano) no interior das metrópoles no período mais recente. “No primeiro trimestre de 2020, tínhamos 23.5 milhões de pessoas nesta situação, correspondendo a 28.4% da população. E no último trimestre chegávamos a 25.8 milhões de pessoas, ou 31.3% da população metropolitana”, relata o estudo. 

Também foi analisada a desigualdade racial, que de acordo com que foi observado tem se mantido em nível elevado no interior das metrópoles. “No geral, o que verificamos é uma tendência de manutenção dos rendimentos relativos dos negros, em relação ao dos brancos, no interior das metrópoles. Na média no segundo trimestre de 2020, os negros apresentam um rendimento domiciliar médio correspondente a somente 57.4% do rendimento dos brancos.”

Região Metropolitana de Porto Alegre é a mais desigual da região Sul


Região Metropolitana de Porto Alegre registrou o maior índice de desigualdade da região sul / Observatório das Metrópoles

Conforme explica Marcelo, a região metropolitana de Porto Alegre, em relação às demais do país, está em uma situação intermediária. Contudo, conforme frisa o coordenador, é um nível de desigualdade muito elevado, um patamar de desigualdade muito expressivo. “Ao compararmos as desigualdade do resultado do segundo trimestre de 2020, em relação ao segundo trimestre de 2019, houve um aumento muito substantivo da desigualdade de renda que já vinha em uma tendência de crescimento, mas que se amplia de uma forma muito aprofundada e que tem a ver com a situação da pandemia”, aponta. 

Na região metropolitana de Porto Alegre, enquanto os 10% superiores tem um rendimento de R$ 5.864,02, os 40% mais pobres tem uma renda de R$ 138,00. Já em Curitiba a relação é de R$ 6.367,41 para R$ 264,45. E em Florianópolis, de R$ 7.837,34 para R$ 319,03 - a menor desigualdade da região e a menor do país. 

Em relação à queda da renda, no segundo trimestre, na região metropolitana de Porto Alegre foi de  41,7% para os 40% mais pobres. Já para os 10% mais ricos, a queda foi de 12,9% nos ganhos, e para os 50% intermediários, foi de 11,7%.

“O quadro para 2021 não é muito animador”

Marcelo destaca que o país só não entrou em um colapso social por conta do auxílio emergencial, que acabou amortecendo essa situação dramática que se apresenta no mercado de trabalho. “Como nós temos uma economia que neste ano vai apresentar um aumento negativo, não há perspectiva do que vai ser ano que vem do ponto de vista de recuperação econômica, onde, possivelmente, pode ainda apresentar crescimento negativo ou um não crescimento. Dificilmente vamos ter crescimento positivo ano que vem”, pontua.   

Segundo o coordenador, o quadro da estrutura do mercado de trabalho não vai ainda ser suficiente para poder absorver mais mão de obra, o que permitiria a mais trabalhadores ter acesso a renda e, com isso, ir num caminho de redução de desigualdades. “Com essa situação que temos hoje e aquilo que se apresenta para o próximo ano, eu penso que sem a possibilidade de uma retomada do crescimento econômico, que pode ser que não ocorra no próximo ano, e sem o auxílio emergencial, nós vamos ter um colapso social."

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Para André Salata, também coordenador do estudo, e professor do programa de pós-graduação em Ciências Sociais da PUC-RS, as informações apuradas demonstram claramente os efeitos da crise provocada pela pandemia sobre as desigualdades na distribuição da renda do trabalho. “O que vemos é que os rendimentos do trabalho estão empurrando as desigualdades para cima. Cabe ao Estado continuar adotando políticas que façam um contrapeso a essa tendência do mercado de trabalho”, avalia.


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Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Marcelo Ferreira