Pernambuco

DIA DO LIVRO

“O livro não é um elemento econômico, ele é uma ferramenta de transformação"

Carlos Bellé, da editora Expressão Popular, critica projeto de taxação dos livros e elenca desafios no acesso à leitura

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Pesquisas apontam que o público leitor brasileiro é composto majoritariamente pela população de baixa renda - Comunicação MST

Nesta quinta (29), é comemorado o Dia Nacional do Livro. A data marca a fundação da Biblioteca Nacional do Brasil e levanta debates sobre acesso à leitura no país. Por isso, o episódio desta semana do programa Aqui pra Nós entrevistou Carlos Bellé, coordenador político da editora Expressão Popular para falar sobre o público leitor no Brasil, as dificuldades que o setor vem passando e a possibilidade de taxação dos livros anunciada pelo ministro Paulo Guedes. Confira os principais pontos da entrevista:

Perfil do leitor no Brasil

“Muita gente lê por interesse pessoal, por gosto, alguns leem por causa de religião, da escola. O fato é que o brasileiro lê e gosta de ter acesso a leitura. A pesquisa diz que os mais pobres são os que mais leem e esse é o elemento novo que se coloca para nós” aponta Bellé, mencionando dados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, que aponta que país tem em média 52 milhões de leitores, sendo que 54% são mulheres, grande parte se autodeclara preta ou parda e está na faixa salarial de 1 a 5 salários mínimos, o que aponta para um perfil de leitoras negras e de baixa renda, contrariando o mito de uma “elite leitora” no país.

Acesso à leitura

Bellé pontua que as pessoas não acessam o livro apenas pela compra e que é fundamental pensar em políticas de democratização do acesso à leitura “O livro, pra ser lido, precisa ser acessado e isso não necessariamente pela compra, mas por bibliotecas, em casa… O livro é um bem cultural. Tem seu custo de produção, é feito por trabalhadores, mas ele é parte da formação social humana”. 

Ele também ressalta que a Expressão Popular tem uma visão do papel dos livros que vai além de índices econômicos “Se nós o caracterizamos como mercadoria, a classe trabalhadora brasileira tem outras necessidades, que é a de sobreviver, então o livro vai caindo de prioridade, porque a prioridade das famílias é de ter condições de viver. Por isso precisamos de políticas públicas espaços que protejam e valorizem as bibliotecas públicas, e a doação de livros. Para nós o livro não é um elemento econômico, é uma ferramenta de transformação da pessoa humana. Nosso papel é facilitar o acesso ao livro.

Mercado Editorial

O leve crescimento na venda de livros nos meses iniciais de pandemia, de acordo com dados da pesquisa da Nielsen Brasil e divulgada pelo Snel, o sindicato dos editores de livros, não beneficiou as editoras de pequeno e médio porte, de acordo com Bellé “Um grupo econômico, a Amazon, por exemplo, incorporou no seu processo de capitalização a distribuição de bens simbólicos. Quem ganhou com a pandemia foram as grandes distribuidoras” aponta. 

No caso da Expressão Popular, ele pontua que a venda dos livros continuou, mas foi necessário readequar a distribuição “A Expressão passou por esse processo encontrando alternativas para que o livro fosse acessado, como os Correios, principalmente, e outras estratégias que montamos a exemplo aqui de São Paulo, que fizemos entregas com motoboys, mas com uma relação sem a precarização existente nas entregas via aplicativo” explica. 

Taxação dos livros 

A proposta de reforma tributária encaminhada pelo ministro da economia Paulo Guedes ao Congresso retira a imunidade sobre os livros da Contribuição sobre Operações com Bens e Serviços (CBS) que atualmente é de 12%, tendo como principal efeito um aumento no preço dos livros. Bellé avalia negativamente a proposta “No mercado formal do livro há um indicador de que o preço médio do livro no brasil é de R$ 50,00. No raciocínio do Guedes é ‘se o livro custa 50 reais e a população de baixa renda já não vai comprar esses livros, eu vou taxar o livro, porque livro é coisa de rico’. Essa política é segregacionista”, ressalta o coordenador. 

Ele ressalta o contraste da proposta do governo brasileiro com a de outros países em que o livro é visto como necessidade básica “Contraditoriamente, alguns governos da América Latina inseriram na cesta básica da população os livros, gratuitamente, para ampliar o acesso. A jogada dele [Guedes] é segregar e dizer que pobre não vai ter acesso ao livro e que o governo não vai distribuir”.  

Para ele, a movimentação de Guedes tem um fim ideológico “Se você tem acesso a uma literatura crítica você entende o porquê que o governo pensar assim, as contradições se tornam mais claras. Freire diz que a leitura do mundo precede a leitura da palavra. Quando você entende a realidade você busca aprofundar o entendimento daquela realidade e tentar transformá-la. O governo é inimigo da classe trabalhadora porque não quer que ela leia, estude e entenda as contradições que o capitalismo produz” explica. 

Democratização da Leitura 

Bellé explica que a editora Expressão Popular tem uma política editorial de publicar materiais ligados à conjuntura e também de fomentar ações de estímulo à leitura “Estamos com uma campanha de solidariedade para construir 100 bibliotecas comunitárias e populares e Pernambuco faz parte desse processo com uma unidade no Armazém do Campo. Nós sempre estamos nos perguntando: o que a militância social está precisando ler em relação a essa conjuntura? Temos um espectro de temas e conteúdos que vamos disponibilizando. O livro é quem pode possibilitar esse trabalho pedagógico de acúmulo de conteúdos e que pode levar a uma nova prática social” conclui.

 

Edição: Vanessa Gonzaga