ESTADOS UNIDOS

Eleições nos EUA: como Trump força a judicialização para driblar vantagem de Biden

Campanha republicana acionou Justiça em quatro estados americanos; Trump reinvindica paralisação da contagem dos votos

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Trump faz campanha para que contagens de votos sejam interrompidas e ataca, principalmente, validade das cédulas enviadas pelo correio - Foto: Mandel Ngan/AFP

Se depender de Donald Trump, os resultados das eleições presidenciais não sairão das cédulas depositadas nas urnas e sim de decisões da Justiça. O país está apenas no segundo dia da contagem de votos, mas a campanha do republicano já entrou com ações judiciais em pelo menos 4 estados.

No Michigan, Georgia e Pensilvânia, Trump solicitou que a apuração fosse interrompida até que seus observadores tenham acesso significativo a lugares nos quais os votos estão sendo apurados e que tenham a permissão de examinar as cédulas que foram processadas.

De acordo com informações do jornal Philadelphia Inquirer, o pedido foi atendido pela Justiça da Pensilvânia e a apuração na Filadélfia, maior cidade do estado, foi interrompida nesta quinta (5). 

 O mesmo argumento foi apresentado em Michigan, onde Trump liderava mas foi ultrapassado por Biden, e no estado da Geórgia, onde o republicano também viu sua vantagem diminuir.

Para que Trump seja reeleito, precisa vencer em ao menos 4 dos 5 estados que ainda estão em disputa acirrada. Isso porque, de acordo com monitoramento da Agence France-Presse (AFP) e outras mídias estadunidenses, o republicano tem, no momento, 214 delegados no Colégio Eleitoral enquanto Biden tem 253.

Pela contagem atual,  o presidente precisa vencer em Nevada, Carolina do Norte, Pensilvânia e Geórgia para alcançar os outros 56 delegados necessários, onde as cédulas ainda estão sendo contadas. Os dois últimos estados, onde o resultado deve ser decidido voto a voto, foram justamente onde Trump entrou com ações na Justiça. 

Joe Biden, por outro lado, lidera atualmente a contagem em Nevada. Porém, somente a vitória neste estado não garante a eleição democrata.

Narrativa de fraude

As ações cumprem as ameaças que o atual presidente anuncia desde o início da corrida eleitoral na qual encampou a batalha contra o voto pelo correio em meio à pandemia do novo coronavírus.

Mesmo sem provas, Trump e seus eleitores mantém a narrativa de fraude eleitoral e exigem a exclusão dos votos enviado por correio da contagem eleitoral. A palavra de ordem do republicano tem sido: "Parem a contagem!".

A movimentação coloca o sistema eleitoral dos Estados Unidos em xeque em um pleito com votação antecipada histórica. Segundo o US Elections Project, da Universidade da Califórnia, quase 100 milhões de eleitores votaram antecipadamente. 

Já em Wisconsin, onde o democrata Joe Biden venceu com pouco mais de 49,5% dos votos conforme projeções da agência de notícias Associated Press, a candidatura de Turmp pediu a recontagem de votos. No entanto, em 2016, o presidente definiu como golpe a recontagem de votos solicitada pela então candidata Hillary Clinton no mesmo estado. 


Manifestantes em Phoenix ecoam discurso de Donald Trump e denunciam suposta fraude nas eleições presidenciais / Foto: Courtney Pedroza/Getty Images via AFP

O que diz a lei?

Para entender o processo de judicialização que ocorre nas eleições americanas é preciso ter claro que cada estado do país é independente e tem sua própria lei eleitoral.

Na Pensilvânia e na Carolina do Norte, por exemplo, as cédulas por correio serão aceitas até 6 e 12 de novembro, respectivamente. 

Por outro lado, a maioria das unidades federativas preveem a recontagem de votos em suas legislações. Em alguns estados há uma regra de que, quando a diferença é muito pequena, com margem de 1 a 1,5%, a recontagem é automática.

"É um processo normal que alguns estados fazem", pontua Arnobio Rocha, integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD). 

Em outros, como é o caso de Wisconsin, não existe essa regra. "Lá, especificamente, alguma das candidaturas terá que fazer o pedido de recontagem”, explica

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Esse é justamente a regra que a candidatura de Trump aciona no momento. Outro caminho que pode ser tomado e que também já foi exaltado pelo presidente é um questionamento direto à Suprema Corte, onde os republicanos têm maioria.

Ainda que as ações possam se dar em nível local, Rocha não afasta a possilidade de Trump recorrer à instância superior. “Esses recursos se dão efetivamente nos estados mas nada impede que ele faça um questionamento geral. A possibilidade dele levar para a Suprema Corte é grande, porque ele é um personagem do tudo e nada", aponta.

Para ele, com medo de perder a eleição, o atual presidente “se utiliza de artifícios jurídicos para criar embaraços legais”.

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"A princípio o ânimo é que ele leve mesmo para a Suprema Corte e que, nos estados, o pedido essencial seja que a contagem de votos não prossiga”, analisa Rocha. 

Em entrevista à Globo News, Thiago Amparo, especialista em Direito Constitucional e professor da Fundação Getúlio Vargas, ressaltou que a Suprema Corte “decide casos concretos e não abstratos”.

“Historicamente, a Suprema Corte dos Estados Unidos tem sido muito deferente às legislações estaduais para que eles decidam para eventuais casos de controvérsia. Para que se tenha efetivamente um questionamento na Suprema Corte, é necessário algo mais concreto do que Trump está apresentando”, afirmou.


Em Washington e em outras grandes cidades americanas, protestos contra Trump também foram registrados nessa quarta (4) / Foto: Olivier Douliery/AFP

Outras experiências

Não é a primeira vez que um pedido de recontagem de votos que pode pesar no resultado final da eleição é feito nos Estados Unidos.

O mesmo aconteceu em 2000, na disputa presidencial entre George W. Bush e Al Gore. O republicano havia ganhado na Florida com vantagem apertada, o que levantou questionamento por parte dos delegados democratas. A recontagem não foi aceita localmente e a ação chegou na Suprema Corte.

"A eleição ficou em um impasse que deveria ser resolvido imediatamente e demorou 32 dias. A recontagem sofreu derrota na Suprema Corte, não foi feita. Anos depois, uma recontagem independente mostrou que Al Gore aparentemente tinha perdido por 534 votos”, relembra Arnóbio Rocha.

Edição: Leandro Melito