Rio Grande do Sul

Direitos Indígenas

CEDH-RS encaminha manifestação ao STF sobre julgamento de tese do marco temporal

Sem previsão para ir a julgamento, marco temporal é oposto aos ideais democráticos, defende entidade

Brasil de Fato | Porto Alegre |
A mobilização da comunidade indígena fez com que o julgamento do marco temporal fosse adiado, sem data para uma nova votação - Fábio Nascimento /MNI

Desde sua criação, em 2009, a tese do marco temporal vem sendo utilizada para fundamentar a anulação de diversas demarcações em curso, especialmente por ruralistas. Em outubro deste ano, o presidente do STF, ministro Luís Fux, decidiu retirar da pauta de julgamento agendado para o dia 28, o Recurso Extraordinário nº 1.017.365 relativo a um processo contra uma parcela da demarcação da terra Lá Klaño, do povo Xokleng, de Santa Catarina. Sem previsão de ir a plenário novamente, a decisão prolatada, poderá comprometer a vida e o futuro de todos os povos indígenas do Brasil, aponta o Conselho Estadual de Direitos Humanos do Rio Grande do Sul (CEDH-RS), que essa semana encaminhou manifestação ao STF sobre julgamento de tese do marco temporal. 

A tese do marco temporal, criada pelo STF em 2009 no julgamento da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, diz que uma comunidade indígena apenas terá direito à demarcação se comprovar que estava fisicamente na área reivindicada na data de promulgação da Constituição Federal, ou seja, 5 de outubro de 1988, a menos que tenha sido expulsa e impossibilitada de retornar ao seu território. Desde então, a tese tem sido utilizada para fundamentar a anulação de diversas demarcações em curso, colocando em risco centenas de comunidades indígenas já especialmente vulneráveis. 

O atual processo, de acordo com o Conselho, além de decidir a disputa possessória envolvendo o povo Xokleng de Santa Catarina, o julgamento também revisará todo o estatuto jurídico-constitucional das terras indígenas, e suas interpretações serão adotadas de forma obrigatória pelo Judiciário brasileiro, inclusive eventual adoção da tese do marco temporal. Como a população indígena no estado do Rio Grande do Sul, que atualmente é estimada em quase 40 mil pessoas, subdividida em três grandes povos: os Kaingang, os Mbya Guarani e os Charrua.

“Mais de uma centena de comunidades reivindicam a demarcação de suas terras tradicionais, enfrentando obstáculos cotidianamente para garantir esse direito, sendo que às ações de retomada de terra se dão como uma reação à inércia estatal no que tange o reconhecimento de suas existências que são profundamente ligadas à terra e a natureza. Atualmente muitas dessas populações vivem em pequenos pedaços de áreas de proteção permanente, reservas ambientais, ou em porções de terras degradadas nas margens de estradas - em acampamentos - em espaços cedidos por estados ou municípios, ou em terras compradas pelos entes públicos a partir de políticas compensatórias decorrentes de empreendimentos econômicos ou duplicações de Rodovias”, aponta a entidade. 

De acordo com o texto, em 1988, ano da promulgação da Constituição Cidadã, parcela significativa dessas comunidades viviam o exílio forçado de suas terras de ocupação tradicional, uma vez que, no processo de colonização e durante as políticas de expansão agrícola do século XX, foram expulsas desses locais e não haviam condições mínimas para reivindicar a demarcação, sobretudo pela política tutelar. “A Constituição Federal de 1988, lei maior do Brasil, representa um grande avanço na relação do Estado brasileiro com os povos originários. Com ela também se reconheceu os usos, os costumes, as crenças, as línguas, as tradições e as organizações sociais e políticas dos povos foram legitimadas em nosso país. Com isso, a Constituição brasileira reconheceu o direito originário sobre as terras que estes povos ocupam”, destaca.

Conforme aponta o CEDH-RS, todos os procedimentos demarcatórios iniciados estão paralisados e inviabilizados a partir da tese do marco temporal, a ser julgada pelo STF no Recurso Extraordinário n° 1.017.365. “Entendemos ser um marco que autoriza um grave e irreversível genocídio dos povos indígenas, por conta da privação territorial que a tese proporciona. Assim, acompanhamos com atenção e muita preocupação o julgamento desta ação, pois tal julgamento decidirá o presente e o futuro dos povos indígenas”, afirma.

Para o Conselho, os povos indígenas estão, mais uma vez, sob intensos ataques, que são incentivados pelo atual governo. "Desde a posse do presidente Jair Bolsonaro ocorreram centenas de invasões de terras indígenas que as exploraram, queimaram e lotearam de forma criminosa. A situação é grave e pode levar ao extermínio desses povos”, frisam.

Diante do contexto apresentado, a entidade espera do STF a segurança jurídica necessária e a vedação de qualquer tese como a do marco temporal, que pretenda inviabilizar as normas constitucionais já consagradas. "Aguarda-se que quando for retomado o julgamento do Recurso Extraordinário n° 1.017.365 seja reafirmado o direito originário dos povos indígenas sobre as terras que reivindicam e ocupam, fazendo a esperada justiça."


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Edição: Katia Marko