ASSEMBLEIA NACIONAL

Bloqueio é a principal causa da abstenção eleitoral na Venezuela, avalia analista

Cerca de 31% do eleitorado compareceu às urnas, uma cifra negativa para o histórico eleitoral

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |

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Apesar do clima de tranquilidade, cerca de 5,2 milhões de venezuelanos compareceram às urnas num universo de 20,7 milhões de eleitores. - Michele de Mello / Brasil de Fato

O resultado das eleições legislativas na Venezuela ainda não é definitivo, mas com 98% da apuração concluída, os números surpreendem pela alta abstenção. Foram 6,2 milhões de votos para um universo de 20,7 milhões de eleitores, equivalente a 31% de participação. Analisando as últimas eleições, o processo do último domingo só fica atrás das legislativas de 2005, que tiveram 25% de participação. Em 2010 aumentou para 65%, já em 2015 foi registrado um recorde com 73% de comparecimento. 

Para o militante do movimento Pobladores da Venezuela e representante da Alba Movimentos, Hernán Vargas, o principal motivo desse resultado é o bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos e pela União Europeia. 

"A abstenção é um efeito do bloqueio, porque sem dúvida isso teve um resultado em termos de desgaste material do país. A política do bloqueio está pensada para gerar um motim, uma sublevação, para gerar uma quebra da ordem do país que leve a uma saída de força, que o chavismo caia por um motim interno. Na prática isso não aconteceu, pelo contrário. Ainda há um terço do país que segue apostando pela via política eleitoral." 

Os observadores internacionais que acompanharam o dia de votação concordam que a escassez de combustível, assim como a perda de poder de compra dos venezuelanos, afetam as condições para ir aos centros eleitorais a votar.

"Quando falávamos com as pessoas ontem, várias mulheres com quem conversei, evidentemente mulheres trabalhadoras, pobres, diziam que estavam cansadas da crise econômica no país. E como é normal em muitos lugares, as pessoas culpam aqueles que estão no poder, por exemplo o presidente Maduro", relata Gloria La Riva, militante do partido Socialismo e Libertação dos Estados Unidos. 

Além das condições adversas geradas pela crise econômica, que diminuiu 99% dos ingressos do país nos últimos cinco anos, a pandemia da covid-19 também é outro fator que desestimula o voto. 

"Esse é o efeito das sanções, esse é o propósito do bloqueio estadunidense. Fazer o povo sofrer tanto, que não poderia aguentar. No entanto a vitória do Psuv e a coligação a que pertence é uma ferramenta muito importante para resgatar a Assembleia Nacional e poder avançar um passo mais com a estratégia da lei antibloqueio", analisa La Riva.

De acordo com a prévia oferecida pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), o Grande Polo Patriótico, chapa governista, obteve 4,2 milhões de votos, o que representa 68,4% do total até o momento. Já a Aliança Democrática, maior chapa opositora, ficou em segundo lugar com 1,095 milhão de votos, equivalente a 17,52%.

Dessa forma, o Partido Socialista Unido da Venezuela (Psuv) retoma a maioria do parlamento, depois de cinco anos de controle da oposição.

Conflito entre poderes

Depois que o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) anulou a atuação do parlamento por ter empossado deputados com candidaturas impugnadas, em 2015, parte dessa oposição de extrema-direita que presidia a Assembleia Nacional começou a assumir uma via violenta, com promoção de golpes de Estado e convocatória de boicote às eleições.

Vargas destaca que a convocatória da Assembleia Nacional Constituinte (ANC), em 2017, que marcou o fim das guarimbas - atos violentos opositores -, assim como a reeleição de Nicolás Maduro, em 2018, serviram para derrotar as táticas antidemocráticas dos grupos que hoje estão alinhados ao deputado Juan Guaidó. 

"Qual é o resultado? Que uma parte da população sente que não tem uma política na qual pode acreditar. E não só não acreditar no governo, mas em setores políticos em geral. Frente ao desgaste que gera o bloqueio, começam a pensar que o problema é a política", analisa o militante da Alba Movimentos. 

Mesmo sem ter os resultados oficiais, Brasil, Colômbia, Canadá e Estados Unidos, países que compõem o Grupo de Lima assinaram um documento não reconhecendo o processo, afirmando que foi fraudulento. O discurso já era adotado antes mesmo do início da campanha eleitoral no país.


Para liberar a urna eletrônica, primeiro o eleitor deveria identificar-se no sistema biomética com a sua digital, ao finalizar o voto poderia verficá-lo com um comprovante impresso / Michele de Mello / Brasil de Fato

Apesar da vitória contundente do partido de Maduro, Juan Guaidó mantem sua convocatória a uma consulta popular para o dia 12 de dezembro a fim de aferir se os venezuelanos pretendem continuar com o atual governo. 

Para Gloria La Riva, a postura da oposição segue o mesmo roteiro de hostilidade e da chamada guerra híbrida adotada pela Casa Branca desde a administração Obama.

"Nós, como observadores e delegação internacional, passamos por vários locais de votação e o que me pareceu foi algo muito organizado, com muita calma. O problema é que os Estados Unidos não vão reconhecer essas eleições, assim como não reconheceram as anteriores. Não importa. A questão é que é uma guerra contra a Venezuela, ainda que poucas pessoas votaram, apenas 32% da população votante saiu, parte é porque é evidente que a crise econômica afetou muito o desejo das pessoas de votar", declarou.

No entanto, o pleito parece confirmar o isolamento de Guaidó no cenário político nacional. O setor da oposição de direita que obteve o segundo lugar nessas eleições, assim como parte do próprio partido do autoproclamado presidente, insistem em que a via eleitoral é o caminho para derrotar o atual governo. 

"Um dia antes das eleições eu me reuni com líderes de partidos da oposição, como Ação Democrática e Copei, e os questionei sobre as denúncias dos Estados Unidos e da União Europeia de suposta fraude, e ambos disseram que não há fraude. E eu, como observador, também não vi qualquer fraude", assegurou o jornalista Vijay Prashad, observador internacional ligado ao Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.  

"Precisamos de uma oposição que volte a pensar o país, a pensar uma política nacional, que deixe o lobby em outros países, pedindo intervenções e recursos para eles mesmos", comenta Hernán Vargas.

Momento de renovação

Com essas vitória, o Psuv se consolida como principal força política venezuelana, controlando o Executivo, 19 governos locais, 90% das prefeituras e agora a ampla maioria do Legislativo. No entanto, logo que os primeiros resultados foram divulgados, o presidente Nicolás Maduro assegurou que este é uma momento de renovação política.

"Acredito que sim virá uma nova fase política. O próprio Psuv está anunciando como uma necessidade. Está claro que os EUA não irão cessar sua política de bloqueio. Afinal o que eles buscam é romper a capacidade geopolítica e o modo de integração que possa ser gerado dentro da Venezuela, e, claro, derrotar o socialismo. Essa é sua tarefa para tentar recompor sua hegemonia como império", afirma o militante Hernán Vargas. 

Edição: Raquel Setz