Educação básica

Novo desafio: Congresso pode regulamentar Fundeb nesta quinta

PL que discute tema seria votado na quarta (9), mas foi adiado e pode ser avaliado nesta quinta (10) pela Câmara

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Renovação do Fundeb renovação teve como principal conquista a ampliação da participação da União no financiamento, que sairá de 10% e aumentará progressivamente para 23% até 2026 - Agência Brasil

 

 

Depois de cinco anos de intensos debates e uma árdua aprovação pelo Congresso Nacional em agosto deste ano, o novo Fundo Nacional Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) enfrenta agora mais um desafio: a necessidade de regulamentação. O tema está em discussão na Câmara dos Deputados por meio do Projeto de Lei (PL) 4372/20, que seria avaliado na quarta-feira (9), mas acabou tendo a votação adiada. A proposta pode ser apreciada pelo plenário nesta quinta (10).

Parlamentares e entidades da sociedade civil se articulam e correm contra o tempo para definir as normas das quais depende a dinâmica do fundo, que é a principal fonte de recursos da educação básica, da creche ao ensino médio. Para começar a valer já em janeiro de 2021, o Fundeb precisa ser regulamentado ainda este ano.  

Tecnicamente, o processo em discussão no Congresso se refere à Emenda Constitucional (EC) 108/2020, que oficializou a conversão do fundo em uma política pública permanente. O texto surgiu da necessidade de garantir uma continuidade da manutenção da educação básica, uma vez que o Fundeb atualmente em vigor foi criado em 2006 já com prazo de término, agendado para 31 de dezembro deste ano.

Ao longo dos anos de debate no Legislativo, a proposta de renovação teve como principal conquista a ampliação da participação da União no financiamento, que sairá de 10% e aumentará progressivamente para 23% até 2026. Para 2021, por exemplo, o percentual previsto é de 12%. A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) teme que a demora na regulamentação comprometa as verbas.  

“A EC 108 definiu um prazo mais elástico, até junho do ano que vem, pra consolidar essa regulamentação. Mas ser regulamentado agora é importante pra já começar janeiro incluindo os 2% a mais de complementação da União. Se não regulamentar agora, vai adiar por seis meses a aplicação desses recursos e estados e municípios deixam de receber mais pra cuidar da educação já no inicio de 2021”, argumenta o presidente da entidade, Heleno Araújo.

O dirigente aponta que o próximo ano letivo tende a ser ainda mais exigente para instituições e trabalhadores da área por conta do efeito pandemia, que engoliu boa parte das atividades deste ano e jogou para 2021 um conjunto de desafios. “Pode ser que as escolas tenham que conciliar, por exemplo, aulas presenciais e atividades remotas ainda. Como vai ser isso sem verbas adicionais? Temos novos desafios agora”, assinala Araújo.  

Sem a regulamentação, pelo menos 1.499 municípios que têm uma situação educacional e orçamentária mais precária podem ficar sem R$ 3 bilhões em recursos adicionais. O montante atinge um total de 7 milhões de estudantes.

E se não for aprovado?

Em caso de não aprovação rápida do PL, a luz no fim do túnel para essas administrações seria a edição de uma Medida Provisória (MP) pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para garantir as verbas enquanto não se definem as regras de aplicação da emenda constitucional.

A questão, no entanto, é vista com receio por parlamentares de oposição, que não confiam no governo e receiam mudanças de perspectiva para o Fundeb na eventual MP. “Tememos a introdução de elementos estranhos”, resume o deputado Bacelar (Podemos/BA), ao mencionar as dissidências que a aprovação do fundo precisou superar. O tema é constantemente assediado por parlamentares de ideias privatistas, como é o caso da bancada do partido Novo, defensor da canalização de parte das verbas para a educação privada.

Enquanto o Congresso Nacional contabiliza seus últimos dias de atividade antes do recesso parlamentar de final de ano, o PL 4372 ainda tem um percurso pela frente. Após aprovação na Câmara, a proposta precisa receber aval do Senado. Na sequência, carece de uma homologação por parte do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

“Como o governo não é muito ligado à pauta de educação, se o Congresso não mostrar unidade nesse assunto, a gente perde muito”, diz o deputado Israel Batista (PV-DF), que acredita na possibilidade de um acordo em torno do tema para agilizar a aprovação do PL e garantir as verbas.   

Mudanças

Além da batalha contra o relógio, os parlamentares que atuam na defesa do fundo se articulam para tentar modificar trechos do parecer do relator do PL, Felipe Rigoni (PSB-ES). O relatório não agradou parte da bancada da educação em diferentes aspectos. Um deles é a possibilidade de utilização do dinheiro do Fundeb para pagamento de outros trabalhadores, como psicólogos, assistentes sociais, etc.

Em nota pública divulgada nos últimos dias, a CNTE apontou que a mudança contraria o Artigo 206 da Constituição Federal e trechos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que não consideram tais segmentos como trabalhadores da área.     

Outro aspecto considerado crítico do parecer é a previsão de transferência de recursos para entidades do Sistema S que oferecem serviços de educação profissional. Para a CNTE, a mudança “representa grave drenagem de recursos públicos”. A entidade argumenta que tais organizações já cobram mensalidades para a maior parte dos cursos que ofertam, o que não justificaria, na avaliação da confederação, o consumo de verbas do Fundeb.

“O Sistema S possui financiamento parafiscal e recolhe, anualmente, valores que superam a complementação da União ao Fundeb. As nove entidades deles arrecadaram, em 2019, R$ 17,7 bilhões, sendo que o repasse da União aos estados e municípios via Fundeb em 2020 será de R$ 13,2 bilhões”, compara a CNTE em nota.

Para Bacelar, que presidiu a Comissão Especial do Fundeb na Câmara, a proposta do texto de Rigoni é “temerária”. Ele afirma que a eventual aprovação desse trecho do parecer teria o potencial de retirar R$ 9 bilhões da rede pública.

“Que o ensino profissionalizante é necessário nós sabemos, que o ensino médio sem profissionalização não é atrativo a alguns jovens também sabemos, mas não se pode querer resolver todos os problemas da educação brasileira nem muito menos da sociedade brasileira apenas com o Fundeb”, argumenta o deputado.  

Outro lado

O Brasil de Fato não conseguiu falar diretamente com o deputado Felipe Rigoni para tratar das críticas feitas ao relatório pelas fontes ouvidas nesta reportagem. Nesta quarta-feira, ao se manifestar pelo Twitter, o pessebista afirmou que tem atuado no tema por meio do diálogo.

“Ao longo da construção do relatório da regulamentação, me reuni com diversos segmentos educacionais. Foram meses de muito estudo e trabalho”, disse, destacando que houve cinco audiências públicas e que “34 especialistas e representantes de instituições” foram ouvidos.

 “Nosso relatório em momento algum atendeu propostas que enfraquecem a educação pública”, acrescentou o parlamentar, em outro tuíte.

Edição: Rodrigo Durão Coelho