Campesinato

Artigo | Os 25 anos do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)

Frei Sérgio relembra o surgimento do MPA, a evolução das pautas e os desafios atuais

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Da mobilização de camponeses e camponesas às margens das rodovias no RS, surgiu o MPA - Arquivo/MPA

Um forte grito ecoou nas beiras das estradas gaúchas 25 anos atrás, denunciando o abandono diante de uma severa estiagem e exigindo apoio governamental para sobreviver no campo.

Em 17 de janeiro de 1996 mais de 5 mil pequenos agricultores acampavam à beira da Rodovia 386, próximo à cidade de Sarandi, no Rio Grande do Sul, exigindo um Crédito Manutenção Familiar de R$ 1.500,00 para enfrentar as consequências da grave seca que assolava o estado e devastara as plantações e os animais. Reivindicavam também anistia das dívidas e crédito subsidiado para retomar a capacidade produtiva.

Semana seguinte, em Sarandi, eram mais de 17.000 pessoas com seus barracos de lona, gritando em coro: “queremos mil e quinhentos”.

Somaram-se ao levante de Sarandi outros acampamentos regionais em Encruzilhada do Sul, Erechim, Ibiraiaras, Santo Ângelo, Pelotas e Júlio de Castilhos, formando um contingente mobilizado de mais de 30 mil pessoas. 

Governos Fernando Henrique (presidente do Brasil entre 1995 e 2003) e Antônio Brito (governador do Rio Grande do Sul entre 1995 e 1999) praticavam o pior dos neoliberalismos e nada tinham a oferecer.

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A resistência nas beiras das estradas se prolongou por um mês até que o Governo Federal juntamente com o Governo estadual se comprometeram com a implementação de um Crédito Manutenção Familiar, que ficou popularmente conhecido como “Cheque Seca”, que acabou se resumindo a R$ 400,00 por família.

Mais que a pequena conquista, estava constituída aí, por força da mobilização popular, uma nova forma de organização dos pequenos agricultores, muito inspirada nas lutas do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), uma nova forma de mobilização e luta, com as massas tomando as estradas, e uma nova forma de debater pautas com a base popular, colada às necessidades reais, concisa e objetiva.

Assim nascia o Movimento dos Pequenos Agricultores, o MPA.

Ressalto que nasceu não só provocado por um problema social, mas de uma situação sócio-ambiental: uma estiagem severa. Não tínhamos consciência disto à época, mas o tempo nos demonstrou que a “questão ambiental” perpassaria as vidas camponesas dali em diante.

Em resumo, algumas conquistas:

Em 1996, o “Cheque Seca”; em 1997 com a Greve de Fome de 17 dias, conquista do Pronafinho Custeio; em 1998, o  Pronafinho Investimento; em 1998 inicia a luta por habitação com a primeira conquista de moradias no campo em 2002; em 2003 é criado o Programa de Aquisição de Alimento – PAA, com participação do MPA; também em 2003 o MPA participa da luta por eletrificação no campo que resulta no “Luz para Todos”; em 2003 o MPA inicia o estudo da História do Campesinato no Brasil e elaboração do Plano Camponês; em 2004 vem a conquista do Seguro Agrícola e de mais crédito para produção de alimentos; em 2008 os primeiros projetos públicos de aquisição e produção de sementes crioulas e de assistência técnica com foco na Agroecologia e alimentos saudáveis; em 2013, no Rio Grande do Sul os primeiros projetos do Programa Camponês, um novo conceito de política pública para o campo; em 2013 a ocupação da multinacional dos venenos, Monsanto, em Juazeiro, Bahia, enfrentando o agronegócio da comida envenenada e a defesa da terra para produção de alimentos saudáveis e proteção da natureza; em 2014 o Brasil saiu do Mapa da Fome, conquista camponesa ancorada em políticas públicas construídas com governos democráticos; em 2015 realização do I Congresso Nacional do MPA em São Bernardo do Campo (SP) com a afirmação da centralidade da organização territorial, do Plano Camponês, Soberania Alimentar e construção do Poder Popular; em 2017 Greve de Fome de 10 dias na Câmara dos Deputados que impediu a aprovação da reforma da previdência contra as famílias camponesas. Resistência contra o Golpe e contra o governo genocida e fascista de Bolsonaro.

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Uma lição da história: tudo foi conquistado com luta e muita organização. 

Mas há outras conquistas de significado e caráter estratégicos. Entre elas, a afirmação da importância dos camponeses como produtores de alimentos saudáveis para o povo brasileiro, a unidade em torno da proposta do Plano Camponês e Soberania Alimentar, alimento saudável na mesa do povo, e estratégia de construção do Poder Popular nos territórios camponeses e nos vastos espaços do Brasil interiorano como projeto estratégico revolucionário. Uma de nossa maiores conquistas é a recuperação do conceito de campesinato e a valorização e auto-estima camponesa.

Hoje, diante de novos desafios com a avalanche do agronegócio e a destruição das políticas públicas para o campesinato, o horror da crise social, ambiental e sanitária com a pandemia e a volta da fome, o MPA se põe em pé, fronte erguida, firme e decidido a lutar e encarar os próximos 25 anos disposto a transformar o campo e a sociedade brasileira para construir uma Nação para o bem do nosso próprio povo.

*Frei Franciscano, militante do MPA, autor de “O Plano Camponês”.

Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Marcos Corbari