Carnaval em Casa

Cariri Olindense comemora centésimo carnaval com lives e documentário

Com a pandemia, agremiação não saiu às ruas; cancelamento da festa afeta artistas e trabalhadores informais

Brasil de Fato | Recife (PE) |

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Carnaval pernambucano movimenta uma extensa cadeia negócios e garante renda para muitos trabalhadores - Reprodução/ Youtube

Ele tem a chave do carnaval de Olinda. O Cariri Olindense é um dos blocos mais tradicionais da cidade e comemora em 2021 100 anos de fundação. O marco, por si só, exige uma festa de grandes proporções.

Por causa da pandemia do coronavírus, o carnaval foi cancelado e, com isso, a agremiação vai celebrar o centésimo ano de atividade de um jeito diferente.

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Para garantir a vida e a saúde de seus integrantes e do folião, a festa será por meio de lives e com a produção de um documentário, no qual estará registrada a longa história do bloco. Está em curso uma campanha para arrecadar fundos com finalidade de apoiar as gravações do filme

A mudança no formato da edição, ainda que por uma razão sanitária, mexeu com o emocional de quem dedica a vida inteira ao carnaval e também atua na cadeia produtiva da festa. 

Foi o caso de Alexandre Gomes, 40. Ele trabalha como motorista. Nas horas livres, ele assume outra função, da qual tem muito orgulho: ele é porta-estandarte de quatro blocos de Olinda. Um deles o Cariri Olindense, onde iniciou a carreira de folião.

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Foi aos 15 anos de idade ele teve a oportunidade de conduzir os símbolos do bloco. De lá para cá, dedica-se com afinco ao carnaval. Todo ano produz com as próprias mãos a sua fantasia e os detalhes do estandarte. 

“Eu cheguei ao Cariri como ajudante de pedreiro durante a construção da sede. Aceitei a proposta, entrei no bloco e nunca mais saí”, relembra. 

Ao longo de 2020, enquanto os jornais informavam o avanço da pandemia, Alexandre conservava um otimismo em relação à realização do carnaval.

Enquanto colegas lamentavam o número de casos e mortes, ele alimentava a esperança da vacina e da volta às atividades presenciais. Mas não aconteceu.

Assim como em todo país, o carnaval de Pernambuco também foi cancelado e não tem outra data prevista até o momento. A decisão frustrou as expectativas de Alexandre. 

“Pra mim, seria um ano muito especial porque sou eu que estou produzindo o estandarte do centenário do Cariri. Não vou poder mostrá-lo ao público, nas ruas, né?”, lamenta.

“É uma tristeza, porque era o ano, na verdade, do Cariri. É uma data emblemática para qualquer agremiação, para qualquer atividade, para qualquer instituição completar 100 anos”, conta Hilton Santana, diretor de comunicação do Cariri. 


Tradição é transmitida de pai para filhos em Olinda. / Arquivo pessoal

Impacto

O Carnaval de Pernambuco movimenta uma extensa cadeia negócios e garante renda para muitos trabalhadores. O cancelamento da festa representa um triste impacto para artistas, dirigentes e trabalhadores.

Buguinha Dub, produtor cultural e engenheiro de som, revela que neste período do ano sua agenda já estaria lotada: 

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“Essa época a gente já teria uma agenda de palcos de carnaval, já estaria trabalhando com a pré-produção também de alguns eventos, palcos, agremiações, prévias. Ou seja, a essa hora, já estaríamos produzindo o carnaval”, destaca. 

O cancelamento do Carnaval apenas acentuou a crise que a pandemia gerou entre os artistas e os trabalhadores, setores diretamente afetados.

Juliana Serreti, dirigente do bloco Elefante de Olinda, outra importante agremiação da cidade, concorda com a decisão do Governo do Estado, mas revela o impacto negativo no trabalho de uma série de profissionais fundamentais para a realização da festa. 

“Tem toda uma cadeia de trabalhadores da cultura, que já são vulnerabilizados, porque via de regra são ofícios que não são reconhecidos, não tem carteira assinada, já vem de um lugar de precariedade, e esse lugar de precariedade, mesmo com o carnaval, ele já é muito difícil. E aí, sem o carnaval, as pessoas ficam sem perspectiva”, 

O Carnaval de Pernambuco movimentou, em 2020, aproximadamente R$ 2 bilhões, com a presença de mais de 2 milhões turistas.

Esta intensa circulação num curto espaço de tempo favorece a construção de uma espécie de poupança para os trabalhadores informais que, improvisando novos formatos de negócios, faturam valores que eles não alcançam fora do período da festa. 

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“É onde o comerciante informal ganha um dinheiro extra. Por que um dinheiro extra? Porque a economia dele vem além do que ele ganha no dia-a-dia durante o mês”, conta Edvaldo Gomes, presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Comércio Informal.

Poder Público

Tanto os artistas quanto os trabalhadores informais esperam que as prefeituras acionem algum tipo de incentivo para atenuar o efeito da ausência do Carnaval.

Em nota, a Prefeitura de Olinda informou que o “cancelamento do carnaval é uma perda grande para a cidade porque gera emprego e renda para milhares de pessoas, mas, seguirá todos os protocolos estabelecidos pelo Governo de Pernambuco acerca do cancelamento da Festa”.

A administração municipal disse ainda que “lançará mão de todos os esforços, no sentido de pleitear junto ao Estado suporte para os atores que fazem o Carnaval de Olinda.

Já a Prefeitura do Recife informou, também por meio de nota, que no momento está fazendo uma série de estudos e escutas com os principais segmentos envolvidos com o Carnaval.

O texto destacou que “o objetivo é amparar a extensa cadeia produtiva e criativa, de agremiações, artistas e trabalhadores e trabalhadoras da cultura diretamente envolvidos na realização do maior ciclo festivo da cidade. O segmento vem apresentando sugestões e a Prefeitura estuda os caminhos possíveis

O financiamento coletivo do documentário "100 anos do Cariri, pode ser acessado no site Benfeitoria.com/cariri100anos.

Edição: José Eduardo Bernardes e Douglas Matos