São Paulo

Juca Kfouri: "Pensar em abrir mão do Complexo do Ibirapuera é um absurdo"

Equipamento público esportivo, inaugurado há 64 anos durante aniversário de São Paulo, pode ser privatizado

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Inaugurado em 25 de janeiro de 1957, dia do aniversário de São Paulo, o Complexo possui 91 mil m2. Dois ginásios, estádio de atletismo e parque aquático com piscina olímpica - Reprodução

São Paulo, a cidade mais populosa e uma das mais antigas do Brasil, comemora hoje (25), seu 467º aniversário. Porém, apesar de importante legado histórico e centralidade econômica no país, o que conta sua história recente é a acelerada desvalorização da sua memória e dos seus bens públicos.

Depois do Vale do Anhangabaú ser concedido à iniciativa privada e perder sua arquitetura original, agora é o o Conjunto Desportivo Constâncio Vaz Guimarães, conhecido como Complexo Esportivo do Ibirapuera, que pode ser totalmente remodelado. 

A proposta faz parte de um edital de concessão à iniciativa privada - que está suspenso - formulado pelo governador João Doria (PSDB), com prazo para ser finalizado em fevereiro deste ano. O projeto prevê a concessão do equipamento público por 35 anos à empresas que se comprometam a investirem R$ 962 milhões em reformas do lugar.

Inaugurado em 1957, no dia do aniversário de São Paulo, o Complexo possui 91 mil m². Dois ginásios, estádio de atletismo e parque aquático com piscina olímpica. 



Como proposta anexa, o projeto também propõe à concessionária a demolição de grande parte do projeto original e a instalação de um centro comercial, de entretenimento e gastronomia no lugar. Onde hoje funcionam o alojamento, o centro aquático e o estádio Ícaro de Castro Melo, o edital sugere a construção de um apart hotel, um hotel comercial e shopping. O Ginásio Geraldo José de Almeida, se transformaria em uma área multiuso.

Atletas, usuários do equipamento, arquitetos e moradores do entorno tem criticado o projeto. Para Juca Kfouri, jornalista esportivo, a iniciativa é um ataque ao direito de esporte e lazer, que já é bastante negligenciado na capital paulista. 

“Numa cidade de tão poucas ferramentas esportivas para a população, pensar em abrir mão do complexo do Ibirapuera é um absurdo, até porque não há motivo algum para se acreditar nas promessas que são feitas por aqueles que têm esta sanha privatista”, afirma o jornalista.

Uma das justificativas do governo Doria para o projeto é de que a região carece de centros comerciais que atendam a população. Porém, conforme lembra Kfouri, na área já existe grande variedades de espaços de compras e lazer. “O que se procura na verdade é usar aquele espaço num dos bairros nobres de São Paulo, para fazer mais um shopping, para fazer mais hotéis” avalia.

Processo judicial

Com pouco detalhamento sobre monitoramento e formas de participação da sociedade, o edital já foi parar na justiça. A pedido de ação popular, uma medida cautelar assinada pela juíza Liliane Keyko Hioki, decidiu pela paralisação do edital, argumentando que o processo licitatório é precipitado e feito sem análise. Até agora o governo do Estado não entrou com recurso.

Segundo a administração estatal, "o que existem são estudos preliminares de viabilidade do processo de concessão, que não necessariamente serão integralmente seguidos quando da publicação do edital e elaboração de propostas de interessados".

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) também abriu processo pelo tombamento do Complexo Esportivo, a pedido de mobilizações populares. A requisição ainda precisa ser submetida à deliberação das unidades técnicas responsáveis pela proteção aos bens culturais brasileiros.

Nesta semana, a União Internacional de Arquitetos e a Associação dos Amigos das Praças também reforçaram o pedido.

Renato Janine, cientista político e ex-ministro da educação durante do governo de Dilma Rousseff (PT), foi um dos signatários da ação pública judicial.

“As empresas que adquirirem esse lugar, elas vão precisar ter lucro, é da natureza delas, isso não está errado, errado é estar dar a elas uma situação em que elas vão encher o parque Ibirapuera, de lojas, fast food, etc. Então, a questão fundamental é saúde, esporte, lazer, isso tudo vai dividir espaço, vai ser relegado a segundo plano porque não necessariamente dá lucro, aliás, não dá lucro, vai ser relegado a segundo plano”, conclui Janine.

Outro argumento defendido pelo governo paulista é de que a reforma do local é necessária devido ao sucateamento do equipamento público.

“Se fala que está sucateado. Está sucateado por política deliberada, desta sanha privativista. Nada que se fez nessas áreas do Brasil deu certo. A privatização do Maracanã não deu certo, do Mineirão ao centro e por aí afora. Então é preciso recolocar a sua discussão nos termos em que essa discussão possa ser feita de maneira honesta”, afirma Kfouri.

Outras privatizações

Débora Iacono é advogada e conselheira do Parque Ibirapuera, que foi privatizado em 2019. Ela conta que, no período, todo poder deliberativo do conselho foi retirado por decreto. Ela avalia que a exclusão da população é marca do projeto de concessões. 

“A população não é ouvida. Eu tenho a possibilidade de ver isso pela minha participação nesse grupo grande onde tem pessoas de vários parques. Dizem que eles estão ouvindo a população que está tudo sendo feito, que foi criado uma lei, um decreto, porque daí pra frente vai correr pela regra do poder público”, alerta Iacono.

Em nota enviada à reportagem do Brasil de Fato, o governo do Estado afirma que o "processo de concessão do Complexo Desportivo Constâncio Vaz Guimarães mantém a função principal do espaço, que é esportiva".  Ainda segundo a nota, "a Lei Estadual 17.009/19, aprovada pela Assembleia Legislativa e que autoriza a concessão, garante também espaços gratuitos para a prática de esportes e lazer da população em geral - hoje as atividades são restritas a uma pequena parcela de pessoas". 

O governo do Estado afirma também que o Projeto Futuro, hoje chamado Centro de Excelência Esportiva, seguiria sob a gestão da Secretaria de Esportes.

Edição: Marina Duarte de Souza