Crimes

Artigo | "Fora Bolsonaro" só pode se realizar pela via constitucional: o impeachment

No entanto, o próprio processo de impeachment encontra desafios para além da constitucionalidade: o apoio popular

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Movimento dos Cara-Pintadas foi uma das faces do processo que derrubou o governo de Fernando Collor de Mello em 1992 - WikiCommons

Impeachment não é mera decisão político-jurídica. Antes de tudo, compreende um movimento social poderoso, alcançando todos os segmentos da opinião nacional. No fundo, trata-se de reação da soberania popular traída pelo cometimento de crimes de responsabilidade. 

Quando, em 1992, Ibsen Pinheiro pautou o impeachment de Fernando Collor de Mello, a opinião da sociedade estava formada. A constitucionalidade, no caso, era discutível, mas o presidente já não governava, apenas aguardava a consumação do rito congressual. 

O caso de Dilma Rousseff ilustra ainda melhor o processo. A mandatária foi cassada sem crime de responsabilidade. O Congresso se dobrou à bem-sucedida campanha golpista que objetivava condenar a esquerda. O mandato de Rousseff teria sido preservado, caso não estivesse desvalida do apoio de massas. 

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Legitimação do movimento

O impeachment é viabilizado nas ruas, começa na Câmara dos Deputados e termina no julgamento do Senado. Entre os pontos de partida e de chegada, há uma travessia que se faz ao caminhar: o movimento cria sua própria legitimação. 

Hoje, o pleito do impeachment, ou o "Fora Bolsonaro", é palavra de ordem aglutinadora de uma indisposição social crescente. Crimes de responsabilidade se acumulam, mas o que conta é o fato de parcelas consideráveis da sociedade repudiarem o governo genocida e não se conformarem com sua permanência. 

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Apoiadores são minoria

Um conjunto minoritário e decrescente apoia Bolsonaro baseado em crenças desarrazoadas, promovidas pelo ativismo obscurantista, predisposto a negar a realidade. Mobilizado pelo apóstolo do caos, este conjunto opera em favor do confronto sangrento. Alguns tem como horizonte a guerra civil sonhada pelo presidente. Amparado por homens armados, o genocida não hesita em sabotar os laços da união nacional. 

A maioria dos brasileiros vive no desassossego, no medo e na incerteza desmobilizadora. Teme a peste e sofre a dor de perdas irreparáveis; sufoca em lágrimas o grito de revolta. Os mais pobres não têm como driblar a fome. Abatidos e atônitos, pais e mães de família perdem a esperança de encontrar trabalho. Os pequenos e médios empresários vivenciam o pavor do encerramento de seus negócios. Servidores públicos assistem indefesos às ameaças de cortes de salários. 

A sociedade mergulha na desesperança paralisante enquanto os pouquíssimos beneficiados com a política de desmonte do Estado, dos direitos sociais e da proteção ambiental acompanham apreensivos os rumos do país. Sabem que a fúria popular tem seu preço. Observam matreiros as propensões sociais medindo o tempo de validade do presidente.

Alguns relutam em retirá-lo partindo de um raciocínio amoral: “Deixa o governo sangrar para que seja mais facilmente derrotado!”. O repugnante desta forma de pensar é o menosprezo pela vida dos brasileiros. É raciocínio de criminoso.

Outros julgam que o impeachment seria a concretização de diabólico planejamento militar: os descalabros e as sandices do presidente teriam o efeito de provocar o caos para em seguida a ordem ser reposta pelas fileiras. Pela enésima vez os soldados salvariam a pátria. Esta é uma possibilidade que merece consideração.

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O dia depois do impeachment

É necessário pensar em impeachment imaginando tanto o processo em si quanto o dia seguinte, notadamente em virtude de o substituto constitucional do titular não merecer confiança. O atual vice não reproduziria as atitudes grosseiras e apelativas do titular, mas endossaria, assim como os seus fiéis colegas de farda, as linhas gerais do governo. A rigor, constituem o próprio governo. 

O "Fora Bolsonaro" seria inconsequente caso não apontasse mudanças de teor na condução do governo. Não basta mandar Bolsonaro para casa ou para a cadeia. Cabe derrotar politicamente as forças que o patrocinam, entre elas, militares que subvertendo a ordem, atuam como atores políticos em detrimento de suas funções institucionais.  

Substituindo Bolsonaro, Mourão terá que respeitar os desígnios de uma sociedade mobilizada pela defesa da vida e do próprio Estado. Os quartéis se dobrarão à vontade social mobilizada. Saberão que passou o tempo de salvar a pátria em nome do povo bestificado. 
 
O impeachment precisa significar o fim da curatela castrense e o estabelecimento de um acordo entre forças políticas que garanta a governabilidade segundo um programa emergencial básico. Do contrário, o ruinoso quadro brasileiro será agravado. 

No processo de impeachment, as teses sobre os rumos do país irão se firmando e se impondo. As múltiplas demandas serão explicitadas. Haverá confrontos programáticos, porém, não mais reservados ao pequeno número de dirigentes partidários e donos da riqueza.

O pleito do impeachment será o ímã que agregará as variadas aspirações de nossa sociedade. Hoje, contrapor-se ao impeachment é apostar na paralisia e no caos. Defendê-lo é lutar pela ordem democrática, pela dignidade nacional, pela defesa da sociedade e pela retomada do desenvolvimento. Sem o impeachment, afundaremos na desordem e no arbítrio. 

Edição: Camila Maciel