Dentro do ninho

Doria, Huck, Leite e Aécio. Rachado e exposto, o PSDB caminha para 2022

Cientistas políticos analisam jogada do governador paulista. “Quis saber quem é seu amigo e quem é seu inimigo"

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
O poder dos paulistas dentro do PSDB deve ser o principal trunfo de Doria para disputar a presidência do partido, nas convenções que ocorrem ainda em 2021 - Montagem / Reprodução

Se pretendia testar o partido, João Doria, governador de São Paulo, recebeu um importante recado do PSDB nesta semana e agora sabe que ser o candidato à presidência pela legenda pode ser mais complicado do que imaginava.

Internamente, o jantar oferecido por Doria para lideranças paulistas do PSDB, na última segunda-feira (8), foi encarado como uma tentativa de golpe.

Durante o encontro, o governador paulista não escondeu a disposição de assumir a presidência da legenda e tentou articular a expulsação do deputado federal Aécio Neves (PSDB) do partido, que reagiu publicamente e deixou a legenda exposta.

“O destempero do governador se deve, na verdade, à sua fracassada tentativa de se apropriar do partido, como ficou explicitado no jantar promovido por ele ontem, que tinha como objetivo afastar o atual presidente Bruno Araújo, para que ele próprio assumisse a presidência do PSDB”, afirmou Neves, em nota.

O mandato de Araújo à frente do PSDB nacional acaba em maio deste ano. Porém, após o jantar promovido por Doria, diretórios tucanos estaduais e municipais estão se articulando para garantir mais um ano ao presidente.

Dessa forma, o partido garantiria que o governador de São Paulo não mantivesse total controle sobre as prévias do partido para definir o presidenciável em 2022.

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Malvisto pela bancada tucana em Brasília, Doria foi colocado contra a parede e viu crescer durante a semana o apelo no ninho tucano para que Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul, nacionalize seu nome como presidenciável do partido para 2022.

Leite não resistiu à tentação e na última quinta-feira (11), após almoçar com deputados federais do PSDB, provocou o paulista. “O governador Doria exerce uma liderança que respeitamos, assim como o PSDB de São Paulo, que também respeitamos. Mas o Brasil não se resume a São Paulo.”

Café com leite

Aécio Neves, que vive nas sombras de Brasília desde 2017, quando foi flagrado em conversas com o empresário Joesley Batista pedindo R$ 2 milhões em propina, conseguiu mostrar força interna.

Para Cláudio Couto, cientista político e coordenador do Mestrado em Gestão e Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas, o deputado não pode aspirar mais cargos no Executivo, mas internamente ainda deve dar as cartas.

“Morto, Aécio não está. Tem aliados e um grupo dentro do partido, que contam. Sabe fazer política mais que Doria, tem mais história na política e no PSDB. Agora, como candidato majoritário, parece-me que já não é mais viável. Não à toa se elegeu deputado, em vez de senador ou governador”, explica.

O sociólogo e cientista político Rudá Ricci apontou a influência de Neves na recente eleição de Arthur Lira (PP-AL) para a presidência da Câmara dos Deputados.

O tucano induziu boa parte dos votos do PSDB para o candidato bolsonarista, o que inspirou a ira de Doria, que pretende ser antagonista ao presidente no pleito de 2022.

“Não acho que o Aécio tenha saído com muita força dessa votação da Câmara. Claro que ele ganha espaço, pois ele declarou voto e apoio ao Arthur Lira. Eu diria até mais, o Aécio poderia ocupar mais espaço político se saísse do PSDB e fosse para um dos partidos da base do Lira, aponta Ricci.

"O espaço do Aécio é minúsculo dentro do PSDB, o comando do partido é paulista. Nas últimas duas eleições, o Aécio saiu triturado. O PSDB odeia o Aécio Neves”.

Nos bastidores do PSDB, Aécio Neves também trabalha por Leite em 2022. Cientista político e consultor da CAC Consultoria, Luciano Dias acredita que o governador gaúcho não terá força para chegar forte no pleito eleitoral, embora seja o nome preferido entre os tucanos.

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“Eduardo Leite é o nome do momento, ele está aproveitando o passo em falso do Doria para ser o anti-Doria. Ele é invisível para o eleitorado nacional, é difícil imaginar que ele, de fato, vá investir em uma candidatura nacional em 2022, mas está trabalhando para ganhar espaço dentro do partido”, afirma Dias, que vê o governador paulista com poucas chances de ser presidente.

Ele também desdenha a possibilidade do embarque do apresentador Luciano Huck no partido para 2022, sonho antigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, um dos caciques do partido. "Com todo respeito, não acredito nessa candidatura”, enfatiza.

“Em 2022, o PSDB tem que ter um candidato apoiado pelo Doria, mas que não seja o Doria. Um candidato do PSDB precisa de São Paulo. Existe um meme na internet que diz uma grande verdade. Bolsonaro é odiado por metade do Brasil e Lula é odiado pela outra metade. Mas o Doria é odiado pelo país inteiro. Ele não tem chance em 2022 e com todo respeito, o Huck não é nada", conclui.

Couto também não acredita que o apresentador tenha chances entre os tucanos. “Huck pode ir para o PSDB, mas ali o jogo será bruto. Se for, corre o risco de ser rifado", aponta.

"Se Doria, novato no partido, enfrenta problemas, imagine Huck, virgem na política. Depois da bolsonarização do DEM, torna-se novamente provável que opte pelo Cidadania. Eu apostaria nisso.”

O poder dos paulistas dentro do PSDB deve ser o principal trunfo de Doria para disputar a presidência do partido, nas convenções que ocorrem ainda em 2021.

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Se ganhar, mostra força e seu nome pode ser inevitável em 2022. Rudá Ricci aposta na força do diretório de São Paulo, apesar da aversão de tucanos importantes, como o senador José Serra.

“É um momento complicado do PSDB, ele vem perdendo a identidade. Mas ele não perdeu o eleitorado paulista. O PSDB é o partido de São Paulo. Então, quem comanda o governo e o município de São Paulo, fica à frente do partido. Doria deve ser o candidato, ele é a bola da vez no partido e nós ainda não sabemos a possibilidade de nacionalização do nome do Leite”, encerra.

Para Dias, Doria “quis aproveitar o momento para alterar a distribuição de forças a partir da convenção partidária e isso é considerado ato hostil".

"Foi uma tentativa de golpe, mas foi mais um recado aos pares sobre o que ele pretende realizar na próxima convenção do que propriamente um ato real. O Doria fez isso para testar o ambiente e saber, antes da hora, quem é seu amigo e quem é seu inimigo.”

Edição: Leandro Melito