Chocolate amargo

Artigo | Nestlé e Mondelez processadas por escravidão de crianças na cadeia do cacau

Ação contra duas das maiores indústrias de alimentos do mundo corre em Washington (DC) e envolve diversas empresas

São Paulo (SP) |

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Processo inédito na cadeia produtiva do chocolate cobra empresas por trabalho infantil forçado em plantações de cacau na Costa do Marfim
Processo inédito na cadeia produtiva do chocolate cobra empresas por trabalho infantil forçado em plantações de cacau na Costa do Marfim - Divulgação/MPT

As duas maiores indústrias de alimentos do mundo, Nestlé e Mondelez, estão sendo processadas por escravidão de crianças na cadeia produtiva do cacau e do chocolate. A ação corre na capital dos Estados Unidos, Washington DC, e envolve também as empresas Cargill, Barry Callebaut, Mars, Olam e Hershey.

A ação foi movida pela International Rights Advocates (IRA), em nome de crianças que foram forçadas a trabalhar em plantações na Costa do Marfim, país que produz mais de 40% do cacau comercializado no mundo. O assunto foi tema de reportagem no jornal The Guardian.

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As multinacionais acima citadas são as principais beneficiárias da exploração. Caberia a elas, como controladoras da cadeia produtiva, não permitir crimes nos elos que ligam as fazendas de cacau ao produto final, o chocolate vendido em lojas ao redor do mundo.

O processo contra as empresas é inédito nesse mercado. Pode representar o rompimento de uma extensa rede de proteção e conivência, que evita a responsabilização criminal de multinacionais envolvidas em violações aos direitos humanos.

No Brasil ocorre problema idêntico ao da África. Pesquisa conduzida por este autor, em parceria com o Ministério Público do Trabalho, identificou seis multinacionais que exploram trabalho escravo e infantil na produção de cacau. As empresas são: Nestlé, Mondelez, Garoto, Cargill, Barry Callebaut e Olam. Parte dessas empresas está com ações ajuizadas pelo Ministério Público do Trabalho.

As empresas não falam publicamente sobre o assunto. Limitam-se a informar que seguem a legislação e que adotam princípios corporativos de responsabilidade social. Além de problemas no cacau, a Nestlé também está envolvida com trabalho infantil na cadeia produtiva do café, por intermédio da famosa marca Nespresso.

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A Nestlé, principal indústria mundial de alimentos, com uma capitalização de mercado de US$ 200 bilhões (mais de R$ 1 trilhão), deveria dar o exemplo, mas não dá. Recentemente, a empresa anunciou que irá plantar um milhão de árvores nativas da Mata Atlântica, sob o pretexto de estar “cuidando do planeta para o seu filho”. Só no Brasil, são oito mil crianças e adolescentes em condições desumanas em fazendas de cacau.  Parte delas trabalhando para a Nestlé e as outras multinacionais do setor de alimentos.

Se a empresa valorizasse a vida e cuidasse de sua própria cadeia produtiva, poderia fazer muito mais do que jogadas de marketing.

* Marques Casara é jornalista especializado em investigação de cadeias produtivas. Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Rogério Jordão