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O conjunto de João Fedô

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João Fedô, quando embalava num bolerão daqueles, até fechava os olhos enquanto tocava maravilhosamente - Unsplash
Aí veio uma seleção de músicas românticas pra estragar tudo

Início dos anos 1960, em Nova Resende, Minas, chegou para morar na cidade um dos maiores pistonistas da região, João Fedô.

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Claro que teria que formar um conjunto para animar os bailes dali e das cidades mais próximas. Zé Turco na bateria, Zé Curnica no afoxê ou no bongô, Tião Péia cantando, e às vezes Zé do Berma no pandeiro ou Berto Germano no acordeão, formavam um conjunto até harmonioso, sem nome, conhecido como Conjunto do João Fedô. Mas nunca terminaram um baile. Ou melhor, terminavam sempre muito antes do horário marcado. O problema é que todos eles bebiam demais.

Um desses bailes, para citar um exemplo, foi em Nova Resende mesmo. Quase duas horas da manhã, tudo indicava que o conjunto chegaria até às quatro, horário de encerramento, atendendo ao pedido de moderarem um pouco na bebida. Zé Turco, na bateria, tocava com um copão de cerveja ao lado, e tinha enxugado só uns dois ou três desses copos, estava sóbrio.

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Aí veio uma seleção de músicas românticas pra estragar tudo. João Fedô, quando embalava num bolerão daqueles, até fechava os olhos enquanto tocava maravilhosamente. Mas se a música enchia o salão todo, imagine o ouvido do Zé Turco sentado diante da bateria, quase colado à saída do som do pistom, pois João Fedô era bem baixinho e ficava atrás dele, meio de lado. A certa altura, aconteceu o inevitável: o Zé Turco pegou o copão de cerveja e despejou na boca do pistom tocado pelo João Fedô.

Bom, claro que o baile teve que ser interrompido um pouco, para limpeza do pistom. E o conjunto aproveitou para enxugar uns copos. Voltou com uma seleção "animada", de músicas alegres, para realegrar os dançarinos. Zé Curnica se animou demais e arrebentou o cordão com aquelas contas de terço que envolvem o afochê. Correu conta de terço por boa parte do salão e quatro casais caíram por pisar nelas, sem contar os que quase caíram. Nova interrupção, para varrer as contas do salão.

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E na nova interrupção, o pessoal do conjunto se encharcou de vez. Os músicos até que conseguiam tocar, mas o cantor... bem, no meio de cada música, o Tião Péia interrompia e falava alto no microfone:

- Para... para, que essa eu num lembro mais.

Começavam nova música... paravam... começavam outra, e foi mais um baile que não chegou ao fim. Ou melhor, que chegou ao fim antes do horário previsto.

Edição: Daniel Lamir