Disputa

STF tenta frear autoritarismo, mas não deve impedir perda de direitos, afirma jurista

Para Tânia de Oliveira, atuação da Corte na prisão de Daniel Silveira é uma tentativa tardia de frear autoritarismo

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
A aprovação pelo STF não retira a obrigação de nenhum chefe de governo atuar no combate à pandemia - Nelson Jr./STF

O tensionamento dessa semana entre os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e o deputado federal extremista Daniel Silveira (PSL-RJ), que levou à prisão do parlamentar por incitar ódio e violência contra os magistrados, marca a tentativa da cúpula do Judiciário em impor limites ao discurso violento do bolsonarismo contra a democracia e as instituições.

Trata-se, na opinião de Tânia Oliveira, integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), de um movimento que revela, de um lado, o espírito de corpo do Judiciário e, do outro, uma tentativa tardia de frear arroubos autoritários mais explícitos.  

"O Supremo, quando atacado, reage. O que vimos nesse episódio tem esse aspecto de reação corporativista dos magistrados frente aos ataques", afirma.

"Mas eles também se deram conta agora de que efetivamente ajudaram, num passado recente, a produzir esse monstro do fascismo e estão percebendo que se a coisa não tiver um freio de arrumação, a fragilidade das instituições vai se aprofundada", acrescenta.

A expectativa em torno do papel do STF na atual conjuntura cresceu principalmente depois da eleição de Arthur Lira (PP-AL) para a presidência da Câmara dos Deputados, resultado que firmou uma aproximação sem precedentes do centrão com o governo Bolsonaro na tentativa de construção de uma base sólida no Congresso Nacional.

Nessa nova composição de forças, o Supremo pode atuar na contenção de pautas que atentem contra garantias e direitos individuais, a chamada pauta de costumes defendida pelo bolsonarismo. 

"A posição do Supremo é sempre muito garantista, em rever qualquer medida que configure uma violação de direitos individuais", aponta Tânia Oliveira.

"Nessa questão, eu acho que o STF pode servir de anteparo para o governo e o Congresso, se esse tipo de pauta prosperar. Mas a tendência é que o foco seja o avanço da agenda econômica e nesse caso não há contradição entre os poderes."

Pauta de Fux

Seguindo essa tendência de temas da agenda liberal tanto na economia quanto nos direitos individuais, o presidente do STF, ministro Luiz Fux, responsável por definir a pauta do colegiado, divulgou uma agenda de julgamentos para todas as 37 sessões plenárias do primeiro semestre de 2021, assim como costumava fazer seu antecessor na presidência, Dias Toffoli.

A pauta, no entanto, está sujeita a modificações de acordo com os acontecimentos. Questões relativas à pandemia de covid-19, por exemplo, têm prioridade e podem atropelar a agenda inicial.

A pauta de julgamentos de Fux "privilegiou a concretização das liberdades civis e econômicas", como definiu o próprio STF em publicação sobre o assunto.

Destacam-se, por exemplo, temas como direito ao esquecimento, já julgado no último dia 11 de fevereiro, o direito de resposta em periódicos jornalísticos, a comercialização de bebidas alcóolicas em rodovias e estádios, a regulamentação de jogos de azar, as restrições resultantes da propriedade intelectual e as cotas de produções nacionais nos empreendimentos audiovisuais.

Direitos Humanos

Em relação aos direitos humanos, a Corte anunciou que deve julgar casos sobre os limites da publicidade infantil e sobre o cabimento de indenização por condições sub-humanas em presídios.

Temas polêmicos, como a descriminalização das drogas, que há anos aguarda julgamento, e ações relacionadas ao aborto ficaram de fora.

Economia

Na parte econômica, o STF prevê julgar temas tributários de grande impacto. No dia 24 de fevereiro, está marcada a conclusão do julgamento sobre a tributação de softwares, assim como a análise sobre a cobrança de diferencial do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em operações interestaduais que, segundo os estados, pode resultar em perdas de até R$ 9,8 bilhões anuais em arrecadação.

Em 7 de abril, está marcado o julgamento de ações sobre a cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em operações voltadas para o consumidor final e do imposto incidente sobre mercadorias importadas.

Para junho, estão marcados os julgamentos de diversas ações sobre acordos coletivos de trabalho e dispositivos da reforma trabalhista de 2017.

No que se refere à gestão pública, o Supremo deve julgar casos relacionados à terceirização nas contratações de pessoal, de bens e de serviços, o que deve reduzir ainda mais as ações do estado.

Também deve entrar em discussão o julgamento sobre o processo de demissão de empregados públicos em empresas estatais, com o objetivo de facilitar o desligamento desses funcionários.

Na visão da juíza da trabalho Valdete Souto Severo, presidente da Associação Juízes para Democracia (AJD), há muito mais alinhamento entre os três poderes, no que é essencial, do que eventuais embates e contradições.

"Claro, não é um alinhamento de ser negacionista, de não querer a vacina ou dizer bobagens racistas e misóginas. Mas é um alinhamento que sustenta esse discurso mais profundo sobre o papel do Estado. A destruição do Estado está sendo feita com o auxílio do Parlamento e do STF", aponta.

Severo enumera, por exemplo, todas as medidas econômicas adotadas pelo governo durante a pandemia que penalizaram os trabalhadores, a exemplo da Medida Provisória 936, que autorizou redução de salários.

"Argumentaram que seria para salvar empresas e impedir demissões, mas não se impediu demissões. Quer dizer, as empresas reduziram o salário, mantiveram por mais um tempo e depois mandaram embora igual, com salário reduzido", observa. 

* Com informações da Agência Brasil

Edição: Leandro Melito