Entrevista

Petrobras privilegia acionistas em relação a interesse da população, diz especialista

Para pesquisador, demissão de Castello Branco não garante que interesse público se sobreponha ao mercado financeiro

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Nova gasolina já é vendida em postos da Petrobras - Foto: Petrobrás

A mudança da diretoria da Petrobras, anunciada na última sexta-feira (19), de Roberto Castello Branco para o general Joaquim Silva e Luna, foi vista pelos movimentos de trabalhadores ligados à empresa como uma brecha para derrubar uma série de políticas implementadas durante as últimas gestões, como a política de preços paritários de importação (PPI), a privatização de ativos rentáveis e a redução dos investimentos. 

Com o fim do monopólio estatal em relação à Petrobras, ainda em 1997, que levou à repartição da estatal em ações na Bolsa de Valores, os interesses do mercado financeiro se sobrepuseram ao caráter público e social da companhia, construída inicialmente com o objetivo de atender ao mercado interno praticando os menores valores possíveis. 

::Gasolina tem alta de 34% no ano; o que a privatização da Petrobras tem a ver com isso::

O entendimento é de Paulo César Ribeiro Lima, especialista em petróleo que trabalhou por 16 anos no Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes), no desenvolvimento de tecnologias para exploração e produção de petróleo em águas profundas, e, posteriormente, como consultor legislativo do Congresso Nacional, participando ativamente da construção dos marcos legais do Pré-Sal.

Em suas palavras, “houve uma distorção enorme com relação à ação da Petrobras".

"A Petrobras não tem como atender a dois senhores: atende ao povo brasileiro ou ao mercado e ao acionista. Mas o foco é o acionista privado, que tem 60% do capital”. 

Com a nomeação de Joaquim Silva e Luna, Lima prefere não ditar previsões para o futuro, mas destaca que as últimas gestões da Petrobras, tanto do governo de Jair Bolsonaro quanto de Michel Temer, vêm sedimentando a privatização da estatal em detrimento de seu caráter público e social. 

Leia a entrevista na íntegra abaixo:

Brasil de Fato: Como o senhor vê a troca da gestão da Petrobras de Roberto Castello Branco para o general Joaquim Silva e Luna? Era algo esperado?

Paulo César Ribeiro Lima: Eu particularmente não esperava, mas o que acontecia na Petrobras na gestão de Roberto Castello Branco é o maior absurdo que eu já vi na empresa. Eu tenho 40 anos de petróleo e nunca vi uma aberração tão grande como a gestão de Castello Branco. 

Vou dar alguns exemplos. A Petrobras pratica uma política que se chama Preço de Paridade de Importação (PPI), que faz com que o povo brasileiro e as distribuidoras paguem mais aqui no Brasil do que no mercado internacional. É como se o diesel e a gasolina fossem importados. A Petrobras vende GLT pelo dobro do mercado internacional.

Quando se importa diesel e gasolina, tem custos, tem de haver lucro nessa operação. Então, quando importa, tem que pagar frete, tarifas portuárias, margem de lucro, seguro, uma série de adicionais.

Então se soma isso ao preço internacional. Mas a Petrobras não tinha esses custos e não precisa ter esses custos, porque se as refinarias estiverem a plena carga, com o baixo consumo que temos hoje no Brasil e a adição de biodiesel, a Petrobras é autossuficiente em diesel e em gasolina. 

Agora, o senhor afirmou que defende uma Petrobras pública, monopolista e voltada para o atender ao mercado interno com os menores preços possíveis, delineando uma função social da estatal. Pelo o que o senhor está dizendo, esse caráter público e social da Petrobras está longe de ser uma realidade, seja com Castello Branco ou Joaquim Silva e Luna à frente da companhia?

Nós temos tudo, petróleo, a Petrobras, competência técnica, e o povo não recebe nenhum benefício. A Petrobras não tem como atender a dois senhores: atende ao povo brasileiro ou ao mercado e ao acionista. O mercado quer atender os acionistas, não quer atender ao povo brasileiro. O mercado quer que o acionista seja remunerado, e o foco é o acionista privado, que tem 60% do capital da Petrobras. 

Não sei o que vai acontecer daqui para frente, mas existe uma mensagem de que a Petrobras precisa atender também aos interesses do povo brasileiro, não é só o mercado.

Não sei o que vai acontecer com o general, mas nós tínhamos uma pessoa que não tinha nem respeito pelo povo brasileiro, cobrava PPI, destruiu a Petrobras, vendeu os campos em terra, plataformas de águas rasas, gasodutos da região Sudeste, Norte e Nordeste, praticamente metade do parque de refino, vendeu ilegalmente a BR Distribuidora. Qual empresa no mundo vende a distribuição? Eu não conheço nenhuma que vendeu a distribuição. 

Teve uma época que a gente queria transformar a Petrobras numa empresa de energia, porque o petróleo tem um ciclo. A importância do petróleo vai diminuir, como a importância do carvão diminuiu, como a importância da lenha diminuiu. Ele paralisou todos os investimentos em energias renováveis. 

Na esteira da demissão de Roberto Castello Branco está, ainda que em segundo plano, o endividamento da empresa, que chegou a R$ 373,5 bilhões no fim de setembro de 2020. Qual é a situação financeira atual da Petrobras?

Existem dois tipos de endividamento. Um é extremamente positivo que ocorreu na área de exploração e produção em razão da descoberta do pré-sal. Se você descobre uma província com os postos mais produtivos do mundo, mais produtivos do que os da Arábia Saudita, precisa fazer grandes investimentos.

A Petrobras está colhendo os frutos do pré-sal e a Petrobras tem uma criatividade enorme, só que ela some com essas relações de caixa. O balanço é vergonhoso. 

Agora tem uma parte da dívida que veio, por exemplo, do CompeRJ [Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro], onde enterraram 18 milhões de dólares. O complexo petroquímico que deixou de ser complexo e virou uma refinaria convencional.

O próprio governo do PT interrompeu as obras do CompeRJ. Então, uma parte da dívida realmente é muito negativa, vem de má gestão e que pode estar associada à corrupção, e não adianta tapar o sol com a peneira. A raiz de tudo foi realmente a corrupção. Não podiam ter dado essa oportunidade à direita. 

A situação da Petrobras sempre foi fantástica, descobriu o pré-sal, nunca esteve quebrada, falida, sempre teve ótima geração de caixa, sempre teve lucro real. É uma senhora empresa. Tinha o melhor quadro técnico do mundo. 

::Lucros altos, investimentos baixos: como o desmonte da Petrobras impacta na sua vida::

Agora realmente nós tivemos problemas sérios de gestão e corrupção, mas que jamais foram capazes de afetar a estabilidade e rentabilidade da empresa. A Petrobras é o principal projeto nacional. O único projeto que é referência no mundo. E aí o que fizeram na Petrobras é do ponto de vista técnico, isso aqui não é ideológico.

Porque se escolheu o PPI a partir da gestão de Pedro Parente? 

Eu entrei na Petrobras na década de 1980, quando era monopolista. A missão era abastecer o mercado nacional de combustíveis com os menores preços possíveis. Quando acabou o monopólio, a coisa realmente se complicou, porque aí foi para mercado vender ações.

Hoje a Petrobras tem 40% do capital social estrangeiro, mais 20% do capital privado nacional. Então, 60% do capital social é privado. Houve uma distorção enorme com relação à ação da Petrobras. O que eu defendo é uma Petrobras pública, até sem ações na Bolsa. Mas nós estamos no pior cenário. 

Aí porque o Pedro Parente adotou o PPI? Eu não tenho como responder a essa questão, porque isso é de uma estupidez tão grande. Essa interferência que o Pedro Parente defende não atende ao interesse público.

O que adianta ter concorrência em torno de um PPI? Isso só prejudica o povo brasileiro. Esse tipo de competição é estúpida. É uma competição com importadores que, para competir, vão querer um preço alto.

Mas o monopólio acabou lá em 1997 e o PPI foi adotado já no governo de Michel Temer.

No governo do PT eu não posso falar que houve também uma política pública, porque o monopólio já tinha acabado e o Brasil ainda não tinha uma regulação de preços. Tinha época que a Petrobras cobrava muito acima do mercado internacional ou abaixo. O que o PT deveria ter feito era uma política pública para o estabelecimento de preços. 

::Não basta trocar o nome, é preciso pensar a Petrobras para o povo brasileiro, diz FUP::

A gente não sabia se a Petrobras ia subir. A Graça Foster, Dilma Rousseff e Guido Mantega sentavam lá e decidiam o preço, mas não tinha transparência nenhuma, não tinha política pública. Agora, se fosse monopólio, não teria problema nenhum. Agora, o monopólio já tinha acabado e eles tratavam a Petrobras como monopolista. Não pode. Tem erros conceituais também nesse período. 

Edição: Leandro Melito