Cobrança

Cresce coro por CPI da Covid para investigar governo, mas Pacheco trava pedido

"Postura é indevida, arbitrária e em descompasso com jurisprudência do STF", diz especialista em Poder Legislativo

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Rodrigo Pacheco (DEM-MG) tomou posse como presidente do Senado em 1º de fevereiro deste ano, após uma articulação política que teve apoio de Bolsonaro - Alan Santos/Presidência da República

Com o agravamento da pandemia e a má condução do governo Bolsonaro diante do problema, amplificou-se no país o coro em defesa da instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar as ações e omissões da gestão diante da crise do coronavírus.

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O pedido de criação do colegiado já existe formalmente desde o início de fevereiro, quando o líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), apresentou um requerimento assinado por 30 parlamentares da Casa.

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No grupo estão políticos de diferentes colorações políticas, incluindo a bancada do PT, Cid Gomes (PDT-CE), Tasso Jereissati (PSDB-CE), Fabiano Contarato, Zenaide Maia (Pros), Álvaro Dias (Podemos), Eliziane Gama (Cidadania), Major Olímpio (PSL), Omar Aziz (PSD), Tebet (MDB) e Rose de Freitas (MDB).

Líderes como o do PSDB, Izalci Lucas (DF), e o da maioria, Renan Calheiros (MDB-AL), são favoráveis à criação da CPI. Mas a solicitação esbarra no presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que sustenta falta de condições para instalação da comissão neste momento.

Aliado do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o mandatário argumenta que o atual esquema de votações remotas limita o funcionamento da instituição e que a criação da comissão seria “contraproducente”.

Pacheco vinha antecipando seu posicionamento contrário à ideia da CPI desde antes de sua eleição para o cargo, em fevereiro, quando contou com o apoio do presidente da República e da tropa governista no Senado.

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O estacionamento do pedido na gaveta da presidência vem provocando cobranças permanentes de parlamentares a Pacheco. Na segunda (8), o líder da maioria no Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), chegou a dizer que o mandatário “enfraquece o Legislativo” ao não instalar o colegiado.

O parlamentar tem sido um dos principais porta-vozes da demanda junto ao presidente da Casa.


Na blindagem do governo Bolsonaro, Pacheco tem argumentado que CPI da Covid neste momento seria "contraproducente" / Beto Barata/Agência Senado

Calheiros diz acreditar que as investigações podem fazer o Brasil dar passos adiante naquilo que se refere às vacinas contra a covid-19, tema em que o país está atrasado, com menos de 4% da população vacinada.

Na quarta-feira (10), em entrevista ao portal Jota, o emedebista afirmou que, “se o Senado não tomar a decisão, o caminho inevitável é o STF [Supremo Tribunal Federal] ordenar”.

STF

A declaração é uma referência à jurisprudência da Corte, já consolidada no sentido de entender que o chefe do Legislativo não pode fazer avaliação de mérito sobre pedidos de CPI.

Pelo regramento vigente, esse tipo de solicitação exige apoio mínimo de um terço dos parlamentares – no caso do Senado, 27 assinaturas –, além de prazo determinado e fato certo.

No requerimento que foi protocolado na Casa, Randolfe indicou vigência de 90 dias para os trabalhos do colegiado e descreveu a conduta da gestão Bolsonaro no cenário da pandemia.

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Nele, o parlamentar destaca especialmente a omissão do governo diante das mortes por falta de oxigênio em Manaus (AM), o estopim para a formalização do pedido. 

Por conta do desastre, o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, é investigado atualmente em outra esfera, no âmbito de um inquérito da Polícia Federal. A apuração foi iniciada após autorização do Supremo.

O advogado Danilo Morais, que atuou como assessor jurídico no Senado e é mestre em Poder Legislativo, explica que o Supremo entende como obrigatória a instalação de uma CPI quando se cumprem os requisitos previstos em lei.

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 “Ou seja, não é uma liberalidade do presidente. E qual é a justificativa pro Supremo entender dessa forma? É que a CPI é um instrumento das minorias políticas para a defesa dos seus interesses, portanto, não faria sentido condicionar sua instalação a um aval do presidente do Senado”.

Por conta disso, as cobranças a Pacheco se intensificaram entre a última semana e esta. Apesar de já ter reconhecido, por exemplo, que “faltou agilidade” da gestão Bolsonaro para garantir a vacinação, o presidente segue sustentando que não pretende autorizar a CPI. 

 “É uma postura indevida, arbitrária e em descompasso com a jurisprudência do STF, sobretudo porque, com essa medida, se vulnera o direito de uma minoria. Se o presidente do Senado – que é sempre governista, no caso do modelo institucional brasileiro – pudesse examinar a admissibilidade de CPI, não teríamos CPI contra o governo nunca porque, afinal de contas, não é de interesse de um governo ser investigado”, afirma Morais.  

Sociedade civil

A defesa de instalação da comissão tem apoio também entre entidades da sociedade civil. O Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (Cebes), por exemplo, está entre os que entendem a medida como necessária.

“O Brasil tem um sistema de saúde que poderia garantir prevenção, atenção e cuidado com as pessoas contaminadas, mas o que a gente percebe – e isso está referendado por institutos internacionais – é que o país tem atuado muito mal no combate à pandemia”, afirma Rubens Bias, da entidade.

Ele cita a conduta contrária do país às orientações de cientistas e outras autoridades, como a Organização Mundial da Saúde (OMS). Também menciona um estudo australiano elaborado pelo Lowy Institute que apontou o Brasil como pior país na condução da pandemia.

A pesquisa averiguou a situação de quase 100 países segundo critérios como quantidade de óbitos, contaminações confirmadas e capacidade de detecção da doença.

 “É fundamental que se investigue isso, pra não deixar que volte a acontecer. Estamos vivendo a maior pandemia dos últimos 100 anos, e a gente precisa que o Estado brasileiro esteja à altura do desafio que está enfrentando”.

A pauta da CPI tem a simpatia ainda de segmentos sociais de direita, como é o caso do movimento Vem pra Rua, que promove atualmente um abaixo-assinado virtual para incentivar internautas a apoiarem o pedido.  

O requerimento de CPI

O texto assinado pelos 30 senadores e articulado por Randolfe aponta que a gestão Bolsonaro tem “violado sistematicamente os direitos fundamentais básicos da população brasileira à vida e à saúde”.

“Já no início da pandemia o governo federal tentou impedir que os entes federados pudessem tomar medidas para diminuir o ritmo de propagação do vírus, como o isolamento social, o uso de máscaras e álcool em gel”, resgata o documento.


Líder da oposição, Randolfe aponta que conduta do governo na pandemia fere direitos garantidos pela Constituição Federal / Moreira Mariz/Agência Senado

O grupo cita ainda o incentivo do governo a “tratamentos sem nenhuma evidência científica”, o comportamento negacionista em relação às vacinas, os embaraços criados pela gestão para a aquisição de imunizantes no exterior e o retardo na elaboração do Plano Nacional de Vacinação, que veio somente após determinação do Supremo Tribunal Federal (STF).

Como funciona uma CPI

Caso seja criada, a CPI da Covid exercerá poder de autoridades judiciais. Essa prerrogativa faz com que o colegiado possa determinar diligências, convocar e ouvir testemunhas, inclusive ministros de Estado, coletar provas, formalizar pedidos de investigação junto ao Ministério Público Federal contra pessoas suspeitas, entre outras coisas.

Um colegiado dessa natureza também pode prender em flagrante delito, quebrar sigilos bancário e fiscal, determinar ao Tribunal de Contas da União (TCU) que realize auditorias e sugerir mudanças legais, por exemplo.

 

Edição: Rebeca Cavalcante