FIM DO EMBARGO

Artigo | PT ingressa no STF contra voto do Brasil favorável a bloqueio a Cuba

A ação reivindica a declaração da inconstitucionalidade do voto brasileiro contrário ao fim do bloqueio na ONU em 2019

Brasil de Fato | Rio de Janeiro |
O Brasil, desde 1992, em coerência com sua constituição, sempre votou favorável ao fim do bloqueio - Reprodução

O Partido dos Trabalhadores (PT) ingressou no último sábado (13) no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). Trata-se de uma ação que cobra um mandamento constitucional que foi descumprido.

A ação APDF/805 foi proposta contra a postura inconstitucional do governo brasileiro na votação da Resolução 74 de Cuba à ONU, que determina o fim do bloqueio econômico, comercial e financeiro imposto pelo governo dos EUA contra Cuba há quase sessenta anos.

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O voto do governo brasileiro contra a Resolução viola claramente mandamentos constitucionais, especificamente os artigos 1º e artigo 4º da Constituição Federal Brasileira de 1988 (CF/88).

A ação reivindica a declaração da inconstitucionalidade do voto brasileiro contrário ao fim do bloqueio na Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU) em novembro de 2019.

Refere que a posição diplomática do país é uma política de Estado, e não de governo, devendo observar os preceitos constitucionais em relação aos demais países. Ressalta que a CF/88 tem como seus princípios fundamentais dentre outros, em seu Art.4º:

“A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina visando a formação de uma comunidade latino-americana de nações.”

Observando-se ainda em seus respectivos parágrafos os princípios da “independência nacional, a prevalência dos Direitos Humanos, a autodeterminação dos povos, a não intervenção, a igualdade entre os Estados, a defesa da paz, cooperação entre os povos para o progresso da humanidade.”

O Brasil, desde 1992, em coerência com sua constituição, sempre votou favorável ao fim do bloqueio. Nesta primeira participação do atual governo brasileiro, que não contava sequer um ano de mandato, o Brasil foi, pela primeira vez, voto vencido e, lamentavelmente, por motivos exclusivamente ideológicos.

E segue a petição: “Em suas relações internacionais o Brasil deve observar a integralidade dos princípios constitucionais que o fundamenta, mesmo que os efeitos práticos de sua postura não recaiam necessariamente sobre nossa nação e seus cidadãos” (item 43 da referida peça).

Ir contra a resolução pelo fim do bloqueio sofrido por Cuba se afasta de seus próprios fundamentos e há de ser tratada como ilícita a atuação do Brasil favorecendo ato que subjugue um Estado sobre outro.

Os pedidos na ação ao STF são:
1 - a Declaração da inconstitucionalidade do voto do Brasil contra a revogação do bloqueio imposto à Cuba pelos EUA;
2 - a abstenção de posturas semelhantes pelo Estado brasileiro sobre a questão – atribuindo ao governo federal a obrigação de adotar postura constitucional sobre o bloqueio a Cuba;
3 - envio de informações do Ministério das Relações Exteriores e da Presidência para que se manifestem sobre o mérito – ou seja, que expliquem o fundamento de seu voto.

Consta, ainda, um pedido de liminar pela proximidade de nova votação pela AGNU, onde a questão será novamente abordada, provavelmente no mês de maio do corrente ano.

Ou seja, resumidamente, a ação proposta resgata um mínimo de coerência que a diplomacia e os diferentes governos brasileiros – independentemente de suas ideologias – praticaram em todo o período em que se votou a Resolução cubana contra o bloqueio estadunidense desde 1992, significa dizer, sempre votando contra o bloqueio.

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Desta vez, diferentemente de 187 (cento e oitenta e sete!) países dos 190 que compõem a ONU e votam/votaram sistematicamente contra o bloqueio, somente três votaram a favor desta medida: Brasil, EUA e Israel, causando constrangimento internacional.

A diplomacia brasileira, como bem ressalta a petição, é concretamente uma política de Estado, não uma política de governo, que se altera ao bel prazer de quem ocupe a presidência da República.

A presente ação é de interesse não só do Partido dos Trabalhadores, mas do próprio povo brasileiro, e por isso é preciso acompanhar o andamento do processo e seu desfecho

A diplomacia brasileira construiu sua identidade durante anos a fio. Estabeleceu vínculos com diferentes países e sempre foi respeitada pelos demais.

Respeito conquistado, não imposto e, não por acaso, os preceitos fundamentais da Carta Constitucional impõem o cuidado e bom senso que devem reger nossas relações internacionais, fruto do trabalho de muitos diplomatas que ali atuaram com sensatez, coerência, sentido de justiça e respeito às demais nações.

Dessa forma, é inconcebível que um governo tão curto não leve esses fatos em consideração ou não se dê conta que seu mandato tem prazo para terminar.

A diplomacia brasileira vai permanecer. Ou seja, sempre àquela velha máxima: os governos passam, as instituições permanecem.

Percebe-se a carga ideológica do voto brasileiro vencido de forma esmagadora e vergonhosamente alinhada (ou ajoelhada?) aos interesses de um país que pretende, com um criminoso bloqueio, asfixiar Cuba – um país que a nenhum outro ataca e que “envia médicos, e não bombas” às demais nações que necessitem independentemente de sua ‘coloração política’.

O caso é de humanidade, de justiça, e não de ideologia, de um delito contra todo um povo sem qualquer fundamento racional ou lógico. Em suma, é constrangedora a situação criada no âmbito da Assembleia Geral das Nações Unidas de forma autoritária e claramente rasgando a norma constitucional além de alterar a posição histórica da diplomacia brasileira a respeito da questão.

Com certeza tudo isso será devidamente corrigido pela justiça com o STF provando que “ainda há juízes em Berlim”. Plagiando as estultices atuais, reivindicamos junto aos autores da ação uma diplomacia sem partido.


*Carmen Diniz é Jurista, Coordenadora do Capítulo Brasil do Comitê Internacional Paz, Justiça e Dignidade aos Povos.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Poliana Dallabrida