DESEMBARQUE TARDIO

Especialistas criticam atraso no posicionamento da elite econômica contra Bolsonaro

Mesmo sem o apoio do setor, presidente se sente confortável para fazer ameaças, como impor um "Estado de sítio" no país

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Para professor da FGV, carta dos empresários marca um descolamento do setor com Bolsonaro, além de um descontentamento com Paulo Guedes - Marcos Corrêa/PR

Centenas de economistas neoliberais, empresários e banqueiros divulgaram uma carta aberta, neste último domingo (21), em que criticam a “negligência” do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e exigem a urgência na vacinação e políticas públicas com base na ciência.

Os signatários do documento, que teria sido incentivado pelos principias banqueiros do país, defendem uma articulação nacional para implementar medidas de distanciamento social em todo o Brasil.

:: Integrantes do mercado financeiro e ex-ministros da Fazenda pedem lockdown e vacina ::

documento defende lockdown geral e critica o “falso dilema” entre salvar vidas e a economia, adotado por Bolsonaro.

A carta tem 500 assinaturas, entre eles ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central, além de pessoas ligadas ao mercado financeiro e instituições bancárias.

Carta sinaliza afastamento de ex-apoiadores 

Para o cientista político e coordenador do Mestrado Profissional em Gestão e Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Cláudio Gonçalves Couto, a carta dos empresários serviu para marcar um descolamento do setor em relação ao presidente Bolsonaro, além de um descontentamento com o ministro da Economia, Paulo Guedes.

“Setores empresarias já descolam do governo. Essa carta assinada por economistas liberais e endossada pelo mercado financeiro é intencional, mostrando que o setor mais favorável ao Bolsonaro e Paulo Guedes se afastou. Por isso, essas ameaças do Bolsonaro de golpe não são simples de serem executadas”, disse Couto ao jornalista Glauco Faria, da Rádio Brasil Atual, nesta segunda-feira (22).

Patriotas?

O empresário e ex-banqueiro Eduardo Moreira criticou o atraso no posicionamento do setor. Através das redes sociais, ele lembra que o mercado financeiro segue omisso em outras pautas importantes.

“Foi só lotar a UTI dos hospitais de luxo que pintou manifesto de banqueiro. Se quisessem ajudar o país apoiavam uma reforma tributária que taxasse heranças, fortunas e dividendos. Apoiavam o impeachment. Lembrem-se, durante o caos lucraram mais de 100 bilhões. Patriotas…”, tuitou Moreira.

Bolsonaro e ameaça de golpe

Na última semana, Bolsonaro ameaçou colocar o Brasil em “Estado de sítio”. Ele afirmou que “chegará o momento” de tomar “medidas mais duras” contra as medidas de contenção a covid-19, como lockdown e toques de recolher, adotados por governadores.

No último domingo (22), Bolsonaro comemorou seu aniversário de 66 anos com apoiadores aglomerados em frente ao Palácio da Alvorada. Ele voltou a dizer que eles podem “contar com as Forças Armadas” na defesa da democracia e da liberdade.

Para Cláudio Couto, Bolsonaro está acuado, mas confortável para fazer ameaças, pois tem os partidos do centrão em sua retaguarda.

“Ele está na pior situação, com uma piora econômica, aumento da inflação e a crise da pandemia no ápice. Também um terceiro ponto é a ameaça eleitoral, que se tornou clara após a volta de Lula ao cenário político. A soma de tudo isso leva Bolsonaro a essa ofensiva com ameaças de golpe, escorado nas suas tropas de assalto, como as milícias armadas”, avaliou o cientista político.

O especialista acredita que um possível golpe de Bolsonaro é improvável pela falta de apoio de empresários, após a carta divulgada, e dos governadores. Porém a ameaça não é descartada, já que as Forças Armadas seguem ao lado do presidente.

:: Militares deixaram de ser vistos como o lado racional do governo, diz pesquisador ::

“Os militares se metem e muito [na política nacional], como ocorreu no julgamento do Lula. Basta ver quantos militares estão no governo Bolsonaro ocupando espaços que não são os lugares deles. Nós já temos um governo militar no Brasil e são cúmplices desse governo morticida”.