Coluna

10 lições do povo brasileiro para o próximo Ministro da Saúde

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Se o Ministério da Saúde de Jair Bolsonaro se mostra inapto para lidar com a crise pandêmica, o povo brasileiro apresenta dez lições que a história e a prática ensinaram - Ilustração: Marcela Nicolas / Comunicação Periferia Viva
A saída para a preservação da vida vem do próprio povo, através da solidariedade

Por Emille Sampaio*

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Após mais de um ano das primeiras mortes por covid-19 no Brasil, estamos no momento mais dramático da pandemia em nosso país.

Batemos, um dia após o outro, os trágicos recordes de maior número de mortes, maior número de casos e maior aumento de média móvel de óbitos. Uma tragédia que, infelizmente, está longe do fim.

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Na semana em que as projeções apontam que chegaremos aos doloridos 300 mil mortos pela covid, estamos com dois Ministros da Saúde, e nenhum ao mesmo tempo.

Um é investigado no Supremo Tribunal Federal (STF) por ações desastrosas e omissões na pandemia e o outro aguarda deixar a função de sócio-administrador em seu vínculo empresarial para estar apto a ser nomeado.

De cara, o que eles têm de comum, é a não tomada de decisões acertadas e que, em algumas situações, mais atrapalham o enfrentamento à pandemia.  

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Se o Ministério da Saúde de Jair Bolsonaro se mostra inapto para lidar com a crise pandêmica, o povo brasileiro apresenta dez lições que a história e a prática nos ensinou

1. Conhecer o SUS e defendê-lo. Qualquer gestor em saúde que se preze no Brasil necessita conhecer o Sistema Único de Saúde (SUS), a história de luta e organização popular para a sua fundação, sua organização e funcionamento. A tragédia brasileira com a pandemia seria ainda pior caso não tivéssemos o maior sistema universal e gratuito de saúde do planeta.

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2. Estruturação da Rede de Atenção à Saúde. Desde a abertura, credenciamento e financiamento de mais leitos de UTI e enfermaria até a garantia de equipamentos, insumos de medicações e recursos humanos para o seu funcionamento.

Este processo, requer a valorização da Atenção Primária à Saúde (APS), garantindo o diagnóstico precoce, monitoramento e coordenação do cuidado dos casos de covid-19, para além da necessidade de não interromper o acompanhamento à saúde da população que necessita, independente da pandemia. 

3. Valorização e preservação dos trabalhadores da saúde. Segundo a Anistia Internacional, cerca de 17 mil trabalhadores da saúde morreram em decorrência da covid-19 em todo o mundo, no ano de 2020.  Aos que não param de tentar salvar vidas, o mínimo é ter condições dignas de trabalho, equipamentos de proteção individual (EPIs) e vacinação.

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4. Vacinação para todos. Em situação de pandemia, todos estamos sujeitos ao adoecimento e morte pelo vírus. Para a defesa da vida do povo brasileiro, é necessário vacinação para todos, com plano nacional de vacinação ágil e resolutivo, estratégia de compra e produção de todas as vacinas com segurança, distribuição aos estados de modo célere e respeito aos grupos prioritários.

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5. Urgência de lockdown com auxílio emergencial. É urgente barrar a transmissão do vírus, por isso a necessidade de medidas rígidas de distanciamento social. Como só é possível “ficar em casa” para quem tem comida, é imperioso o auxílio emergencial em um valor que consiga pagar gás e alimentos na carestia em que estamos.

As experiências de enfrentamento à pandemia pelo mundo têm mostrado que os governos que melhor controlam a transmissão do vírus recuperam mais rapidamente sua economia, gerando, deste modo, empregos, além de salvar vidas. 

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6. Enfrentamento ao racismo no genocídio. A ausência de respostas efetivas à pandemia se apresenta enquanto um projeto de morte ao povo brasileiro, um projeto de genocídio. A morte pela pandemia no Brasil tem cor e se intensifica na população historicamente vulnerabilizada.

O projeto de extermínio da população negra se expressa, inclusive, na ausência de divulgação de dados por raça/cor/etnia nos boletins epidemiológicos do Ministério da Saúde, causando um apagão de dados que seriam importantes para melhor delinear estratégias de mitigação da pandemia.

7. Valorização da ciência e protocolos bem estabelecidos. É necessário que as medidas governamentais sejam pautadas nos estudos científicos, com orientação baseada em evidências, estabelecendo protocolos que garantam a coordenação das medidas de enfrentamento à pandemia.

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8. Comunicação popular e de massas. Precisamos combater a epidemia de informações falsas circulando. As medidas não farmacológicas, como distanciamento social e uso correto de máscaras, precisam chegar a toda a população, pelos mais diversos meios e em linguagem de fácil compreensão. Sem comunicação não se faz educação em saúde.

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9. Solidariedade como ação civilizatória. É preciso cuidar do povo para enfrentar a maior crise sanitária dos últimos séculos, talvez a maior da história do país, sendo necessário estimular as iniciativas populares, como o fortalecimento da vigilância popular em saúde através da formação de Agentes Populares de Saúde em todo o território nacional.

10. Combate a fome como estratégia de manutenção da vida. A fome bate à porta de milhares de lares brasileiros como resultado das políticas e desmontes de direitos, desemprego e ausência de políticas e proteção social. É premissa do cuidado em  saúde a preservação das vidas, colocando na ordem do dia o combate à fome.

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Na sociedade brasileira, alicerçada na desigualdade que se aprofunda cada vez mais com a pandemia, a saída para a preservação da vida do povo brasileiro vem do próprio povo, através da solidariedade, da organização popular e da teimosia em esperançar.

Um Ministro da Saúde, assim como todos os gestores públicos, têm que estar a serviço da vida do povo. O SUS e o povo salvam vidas!

 

*Emille Sampaio é da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares e Coord. Nacional Campanha Periferia Viva

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Poliana Dallabrida