IRRESPONSABILIDADE

CBF e federação paulista ignoram pior momento da pandemia e mantêm futebol no país

Campeonato Paulista teve duas partidas realocadas para Volta Redonda (RJ); Copa do Brasil segue com calendário previsto

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Corinthians em duelo contra o Mirassol na última terça-feira (23) - Rodrigo Coca / Agência Corinthians

Com o avanço das mortes pela covid-19 no país, 16 campeonatos estaduais de futebol foram suspensos na última semana. Em São Paulo, após a justiça proibir a realização dos jogos, a Federação Paulista de Futebol (FPF) decidiu realocar as partidas entre Corinthians e Mirassol, Palmeiras e São Bento para o município de Volta Redonda, no Rio de Janeiro.

A negociação da Prefeitura com a FPF envolveu a doação de equipamentos para a instalação de dez leitos de UTI no município, que hoje tem uma taxa de ocupação de 91%. Neste momento, o estado do Rio de Janeiro tem 16 municípios com 100% de lotação de leitos de UTI para covid-19.

A decisão gerou críticas de especialistas no combate à pandemia. Até terça-feira (23), dia em que o Corinthians derrotou o Mirassol por 1 a 0, no Estádio Municipal Sylvio Raulino de Oliveira, a Prefeitura de Volta Redonda contabilizava 506 mortes e 21.620 casos confirmados da doença.

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A infectologista Marcela Vieira, que integra a Rede Nacional de Médicos Populares, defende a paralisação imediata do futebol no país e questiona a transferência dos jogos do Campeonato Paulista para o Rio de Janeiro, em meio ao auge das internações pela doença no município.

“Comprovadamente as variantes P1 E B117 têm uma transmissibilidade bem maior. Isso impacta diretamente na quantidade de pessoas que vão adoecer em um momento concomitante, levando o sistema de saúde ao colapso. E o que a gente está vendo é a transferência de um jogo para Volta Redonda, que é uma cidade de menor porte, que provavelmente não tem o sistema de saúde capaz de dar conta de uma assistência”.

Nas últimas 24 horas, o Brasil registrou 2.244 mortes pela covid-19, totalizando 301.087 óbitos desde o início da pandemia. Já são 63 dias seguidos com a média móvel de mortes acima de mil.

No estado de São Paulo, que é recordista em casos de coronavírus, com aproximadamente 68 mil mortes, a retomada do campeonato paulista ocorreu mesmo após surtos da doença em dois clubes tradicionais. Juntos, na temporada 2021, Corinthians e Ponte Preta somaram 57 casos da doença no elenco e comissão técnica.

Além disso, cartolas, técnicos e ex-jogadores também engrossam as estatísticas de mortos pelo vírus no país. Até o momento, morreram por covid-19 o vice-presidente do Cruzeiro, Biagio Peluso; Paulo Magro, 59 anos, ex-presidente da Chapecoense; o técnico Marcelo Veiga, 56 anos; o auxiliar técnico Renê Weber, de 59 anos; Célio Taveira 79 ídolo do Vasco e do Nacional-URU; Cleber Arado, 47, artilheiro do Coritiba em 1990; e o massagista do Flamengo, Jorge Luiz Domingos, de 68 anos. 

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Protocolo ineficaz

Diante da continuidade dos campeonatos, a infectologista define a realocação de jogos feitos pela FPF como um “ato irresponsável e até negacionista” e questiona o protocolo utilizado pelos clubes para conter a propagação do vírus.

“O que a gente está vivenciando hoje são mais de 3 mil óbitos quase que diariamente. Todos os profissionais de saúde estão sobrecarregados. Os leitos de UTI estão escassos. Existe um protocolo dos clubes, mas ele está demonstrando a sua ineficácia. Provavelmente porque o teste é feito, mas se você estiver em um período de latência, por exemplo, e o teste não for capaz de flagrar a infecção da covid-19, ainda sim você pode desenvolver a doença e estar infectando inúmeras pessoas”, aponta.

Em reunião com clubes há duas semanas, o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Rogério Caboclo, deixou claro que o futebol brasileiro não vai parar. “Eu vou mandar no futebol brasileiro e vou determinar que vai ter competição. Porque vocês estão fodidos se não tiver [campeonatos]. Eu assumo o ônus de todos vocês”. 

A Copa do Brasil, que engloba 92 equipes de diversas regiões do país, é um dos torneios mantidos pela CBF com novos jogos confirmados.

Na quarta-feira (24), o Marília informou 18 casos de infecção por covid-19, 13 confirmados após o elenco viajar por três estados diferentes do país para jogar pelo torneio. As restrições impostas pelos estados forçaram a CBF a realocar a partida do clube paulista para Cariacica, no Espírito Santo, e os jogadores rodaram mais de 2 mil quilômetros – quase 40 horas de ônibus – para enfrentar o Criciúma na quinta-feira (18).

Se depender da decisão de Rogério Caboclo, o campeonato brasileiro também ocorrerá. A tabela de jogos do torneio foi publicada nesta quarta, com início marcado para 29 de maio.

O advogado e influenciador, Carter Batista, criador da página esportiva "Esse Dia Foi Louco", defendeu que as instituições do futebol precisam debater a paralisação dos campeonatos, pois o país atravessa o pior momento desde o início da pandemia.

“É um momento diferente do que aconteceu na Europa, na segunda onda da pandemia, quando eles decidiram manter o futebol. Nessas ocasiões, a diferença era que a situação estava sob controle. E hoje, no Brasil, a pandemia não está sob controle. O poder público perdeu o controle da doença, os hospitais estão em franca falência e não há leitos na UTI”.

Auxílio para atletas

Embora defenda a paralisação do futebol, Carter pondera que o atual momento é complexo. De um lado, o país enfrenta o colapso do sistema de saúde em diversos estados. Do outro, jogadores da Série B, C e D podem ficar desamparados com as paralisações do esporte.

Segundo um levantamento de 2018, realizado pela consultoria Ernst Young para Confederação Brasileira de Futebol (CBF), 55% dos jogadores profissionais do país recebiam apenas um salário mínimo por mês. Na região Norte, por exemplo, esse número alcançava a marca de 89%. 

Nesse caso, o influenciador considera imprescindível a criação de um auxílio para os atletas mais necessitados. “Essa semana eu vi um depoimento de um jogador, que é muito difícil você não se sensibilizar. Ele falou: ‘Olha, não pode parar o futebol porque o camarada que joga a Série A tem um salário de 150, 200 mil reais. E a gente que joga Série B, C e D ficou quatro meses sem receber no ano passado. Teve jogador que passou fome’. Veja como é um problema complexo".

FPF defende protocolos

Em nota oficial, a federação paulista defendeu a manutenção do campeonato estadual e apresentou uma proposta baseada em critérios médicos e científicos, que embasam a liberação parcial do futebol neste período. A proposta propõe um torneio com menos jogos, menos pessoas envolvidas, testes antes e depois de cada partida e uma "bolha de segurança" para atletas e comissões técnicas.

Além disso, a FPF conta que em reunião com representantes dos 16 clubes paulistas foi decidido, por unanimidade, a suspensão das rodadas do período de Fase Emergencial no Estado de São Paulo, especificamente das rodadas 5, 6 e 7 da competição. A princípio, os jogos seriam reagendados para outras datas, mas a decisão foi cancelada após a negociação com a prefeitura de Volta Redonda, no Rio de Janeiro.

Edição: Camila Maciel