Rio Grande do Sul

Coluna

Agenda antigênero de Bolsonaro é internacional e quer destruir a sociedade plural

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"A aliança neoconservadora de extrema direita em âmbito nacional e transnacional também se associa com o militarismo autoritário e o neoliberalismo" - Reprodução
Brasil é recordista no mundo em assassinatos de pessoas LGBTQI+ e o 5º mais violento contra mulheres

No início de março, um registro jornalístico chamou a atenção. Durante um evento com organizações americanas de extrema direita, partidos políticos extremistas e xenófobos da Europa, a secretária da Família do governo Jair Bolsonaro, Ângela Gandra, informou aos parceiros internacionais, que o atual governo brasileiro está comprometido com “a expansão da agenda ultraconservadora no mundo”, comprometendo-se a levar as pautas anti-aborto e de combate ao que chamam de "ideologia de gênero" para novas organizações internacionais como a OEA, OCDE, entre outras instituições. Esse registro mostra como os ataques ao gênero não são casos isolados, mas fazem parte de uma deliberada agenda transnacional reacionária da extrema direita, na qual o governo Bolsonaro é um ator relevante. 

O compromisso público assumido por Ângela Gandra (assim como Damares Alves) com a agenda ultraconservadora mostra essas alianças reacionárias que configuram o neoconservadorismo. Um rearranjo de forças já existentes que se articulam em novas redes políticas ideologicamente associadas a grupos da direita e extrema direita, segmentos das hierarquias religiosas e laicas, principalmente por católicas e evangélicas pentecostais, segmentos do campo jurídico, setores militaristas autoritários e neoliberais defensores do fim Estado social. 

Esses grupos ocupam o poder em diversos países e reagem de forma unificada diante dos avanços e das conquistas de direitos dos grupos oprimidos em diversas partes do mundo. Sua principal característica “neo” conservadora está na defesa de uma moral sexual cristã, heteronormativa, na defesa da “família tradicional” de caráter patriarcal (a vontade do homem se sobrepõe à mulher, considerada hierarquicamente inferior) e de enfrentamento aos direitos da população LGBTQI+.

O termo neoconservador surgiu inicialmente nos anos de 1970, como reação aos movimentos da contracultura dos anos 1960-68 e também como afirmação de novas alianças, entre eles com o neoliberalismo. Essa aliança reacionária foi se consolidando e ocupando espaços de poder, como é o caso no Brasil. A igualdade de gênero, o direito ao aborto legal, a diversidade sexual e os direitos LGBTQI+ são direitos que esses grupos combatem ferozmente. O Brasil é o pais recordista no mundo em assassinatos de pessoas LGBTQI+ e o 5º mais violento contra as mulheres.

Na esfera do Executivo, podemos ver o impacto da política neoconservadora no corte profundo dos recursos públicos para políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres no Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Dos R$ 617 milhões empenhados para o Orçamento de 2020, foram efetivamente gastos R$ 2 milhões em políticas para as mulheres e apenas R$ 66 mil para a Casa da Mulher Brasileira. Este último, um importante instrumento da política pública de proteção e abrigo para vítimas da violência doméstica. Mas não fica por aí. A agenda política e jurídica desse arranjo neoconservador é nefasta para as mulheres no campo da Justiça, porque combatem o direito de decidir de forma autônoma sobre suas vidas.

No Parlamento, lutam para retirar das mulheres o controle sobre seus corpos e sua sexualidade. Rejeitam totalmente o aborto (inclusive nos casos previstos em lei como a gestação proveniente de um estupro) e querem obrigar a vítima (em muitos casos meninas e adolescentes), por constrangimento ou ameaça, a aceitar uma gestação que carrega a lembrança dessa violência.

São as mulheres pobres, periféricas, em sua maioria mulheres negras, as mais vulneráveis a essa política de controle sobre a vida reprodutiva. São as mais expostas a charlatães e religiosos inescrupulosos, sem acesso a informação ou serviços públicos para buscar o socorro. Propagam valores machistas onde a realidade da violência doméstica é naturalizada e silenciada (são milhares os relatos de mulheres que, em busca de ajuda junto a religiosos e laicos conservadores, são orientadas a silenciar e aceitar a realidade de violência a que estão submetidas).

Falar de sexualidade nas escolas ou dentro de casa é outro tabu que esses grupos tentam impor por meio de discursos retrógrados sobre a moral sexual exclusivamente relacionada à reprodução. O que impõe às jovens e aos jovens, principalmente das periferias, a falta de ensino sobre educação sexual. Em vez de incentivar uma política ampla de educação sexual e o uso de preservativos, esses setores defendem a abstinência sexual como forma de contracepção, tratando a sexualidade somente relacionado à reprodução e não como parte da vida humana plena.

Os números do Brasil mostram o desastre desse tipo de política, baseado no preconceito e na moral religiosa: o Brasil está acima da média mundial nos indicadores de gravidez na adolescência. Em 2020, para cada mil brasileiras entre 15 a 19 anos, 53 tornaram-se mães. No mundo a média é 41, conforme relatório do Fundo das Nações Unidas.

Isso nos dá uma dimensão da profundidade da destruição que vem sendo promovida pelo governo Bolsonaro por dentro do Estado brasileiro, uma vez que as políticas públicas de amparo à maternidade juvenil simplesmente não existem para a esmagadora maioria das jovens e meninas pobres que precisam parar de estudar para tentar sobreviver e criar os filhos, gerando um ciclo de desigualdade para elas que se aprofundou com a pandemia.

A aliança neoconservadora de extrema direita em âmbito nacional e transnacional também se associa com o militarismo autoritário e o neoliberalismo.

No caso brasileiro, a política econômica promovida pelo governo extremista de Bolsonaro vem destruindo o Estado social e impondo às famílias um desemprego estrutural. As famílias “têm que se virar” e o governo da necropolítica “dá de ombros” diante do fato de que esse “excedente” são seres humanos que podem morrer de fome ou pelo coronavírus. Não fará nada para salvar o povo brasileiro. Estamos à deriva enquanto sociedade. Enquanto a pandemia aprofunda as desigualdades entre os mais pobres e a classe média, os poucos bilionários ficam mais ricos e a pobreza e a fome aumentam para milhões.

A ideologia da extrema direita quer que acreditemos que só há um modelo de família, que a submissão das mulheres é algo “da natureza dos seres humanos” e a pobreza, que atinge um quarto da população brasileira (52,5 milhões de pessoas, conforme IBGE, de 2019), é “destino”. Para esses grupos no poder a violência policial e miliciana nas comunidades urbanas e rurais, que está dizimando a juventude negra no país, é parte do exercício da profissão e esses assassinatos não têm responsáveis.

Não há chances para uma agenda progressista, de inclusão social, distribuição da riqueza, de respeito à diversidade, que combata a violência contra as mulheres e lute por uma cultura antirracista e pluralista e de distribuição da riqueza enquanto Bolsonaro e sua turma miliciana continuarem no poder no Brasil.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko