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Instituições não estão funcionando e Bolsonaro não se cansa de desafiar o STF

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Supremo Tribunal Federal permitiu que atores políticos, como o deputado Eduardo Cunha, continuassem atuando durante golpe de 2016 - Agência Brasil
Infelizmente, as instituições ainda hesitam diante da tempestade que se anuncia

Por Martonio Mont'Alverne Barreto Lima*

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No dia 17 de abril de 2016, o então deputado federal Jair Bolsonaro homenageou a tortura e o torturador, em votação que foi transmitida ao vivo, para todo o país e para o mundo. Que ali havia inequívocas autoria e materialidade de delito, contra a Constituição e as leis, todos sabiam.

Até hoje, não se deu nenhuma punição contra o deputado que se elegeu presidente, por meio da mesma democracia que desrespeita quase todos os dias. Quase dois anos depois, em 3 de abril de 2018, um general ameaçou pelas redes sociais o Supremo Tribunal Federal (STF), às vésperas do julgamento de habeas corpus do ex-presidente Lula. Em fevereiro de 2021 um ministro do STF reage ao que general havia publicado. E recebe a ironia do general: quase três anos depois?

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Da campanha eleitoral de 2018 até os dias atuais, o presidente Bolsonaro e seus aliados não cansam de desafiar o STF. As ameaças vão desde as jocosidades de que bastariam dois soldados de baixa patente para fechar o Tribunal, até o estímulo aberto a atores políticos e sociais contra o Tribunal.

Nos últimos dias, nova ameaça: o STF não deverá ousar invalidar ato normativo do presidente que eventualmente venha a limitar a competência de governadores e prefeitos para medidas de combate à pandemia da Covid-19.

O STF já reconheceu a competência concorrente das autoridades estaduais e municipais em decisão de controle concentrado de constitucionalidade, a qual que possui efeito vinculante contra todos os órgãos da administração pública federal, estadual e municipal.

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Na hipótese de o presidente desobedecer a este entendimento derivado da Constituição e proferido por seu guardião, é a mesma Constituição quem prevê a pena a ser aplicada: impedimento do presidente.

Até o momento, com exceção de intelectuais juristas, não se viu nenhuma manifestação dos poderes constituídos contra as ameaças cotidianas do presidente. O professor Lenio Streck adverte-nos de que já não há mais rubicão a ser atravessado, de tantas travessias violadoras da Constituição e das leis que já contamos.

Há algum tempo que se insiste que as “instituições estão funcionando”. Isto não é verdade! Pararam de funcionar quando não impediram o golpe de 2016.

Se o STF entendeu que não poderia se imiscuir nas decisões políticas do Poder Legislativo, em nome de uma chamada autocontenção, estão diante de nossos olhos as intervenções do Judiciário no Legislativo e no Executivo, durante o processo de impeachment, permitindo que atores políticos a favor do governo de Dilma Rousseff fossem neutralizados, e outros, contra a presidenta, continuassem atuando, como Eduardo Cunha.

Seria positivo que o STF fortalecesse sua disposição atual de enfrentar tanto a si próprio, quanto à operação Lava Jato. Como se sabe, há significativa parte do tribunal que relativiza os desmandos desta operação, e procura preservá-la até onde puder, como se não houvesse Constituição, leis e regimentos internos do tribunal.

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Como se os fatos processuais não falassem, ou não deixassem evidente que espertezas e manobras judiciais não podem prosperar no estado democrático de direito.

Esta nova disposição terá que incluir medidas a respeito das ameaças do presidente contra o STF e contra a democracia brasileira. Bolsonaro e seu apoio mostraram nos últimos dias sua disposição de violar a Constituição.

Se se aceita que as manifestações recentes, a pedirem que o STF seja fechado, não foram significativas, por outro lado não há como negar sua clara direção contra a democracia.

Incentivadas pelo presidente, revelam para todos, infelizmente, que as instituições ainda hesitam diante da tempestade que se anuncia.

Não se trata de perseguição: trata-se de aplicar o devido processo legal a quem não tem o menor respeito por qualquer garantia constitucional, antes que não haja mais Tribunal com poderes para se contrapor a um cenário nada alvissareiro.

 

*Martonio Mont'Alverne Barreto Lima é professor titular da Universidade de Fortaleza, procurador do Município de Fortaleza e membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Vivian Virissimo