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Quais os impactos da privatização da Eletrobras para o estado do Rio de Janeiro?

Efeitos econômicos e sociais podem ir desde o aumento da conta de luz ao agravamento da crise no estado; saiba mais

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Criada em 1962, Eletrobras atua nos ramos de geração e transmissão de energia elétrica no país - Arquivo/Agência Brasil

A Eletrobras está na mira da privatização. A Medida Provisória (MP) 103/21 enviada pelo governo federal ao Congresso Nacional em fevereiro deste ano e que prevê a redução da participação do setor público nas ações da empresa foi aprovada na última quarta-feira (19) na Câmara dos Deputados.

Os impactos econômicos e sociais causados pela medida no estado do Rio de Janeiro podem ir desde o aumento da conta de luz para o consumidor até a demissão em massa e o aumento precarização do trabalho no setor eletricitário.

De acordo com Gustavo Teixeira, economista e assessor do Coletivo Nacional dos Eletricitários, a Eletrobras possui participação importante no estado fluminense devido às sedes das empresas Eletrobras Holding, Furnas, Eletronuclear e Cepel. Juntas elas possuem mais de 5 mil empregados com uma folha bruta de pagamento de quase R$ 2 bilhões.

Além da renda gerada pela remuneração dos empregados, essas empresas contribuem com a arrecadação de impostos. Segundo o economista, a privatização pode agravar a crise econômica enfrentada pelo estado do Rio.

“Em primeiro lugar, a privatização deverá resultar em uma centralização dos contratos com fornecedores, o que pode levar ao fechamento de um grande número de empresas, agravando ainda mais os feitos da crise econômica da covid-19 no desemprego e na perda de renda para os municípios. Além disso, deve implicar em demissões nas próprias empresas Eletrobras, potencializando tais efeitos negativos sobre a economia. E, por fim, deve resultar no aumento da conta de energia elétrica”, explicou Teixeira.

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Um levantamento realizado pelo Coletivo Nacional dos Eletricitários sobre a arrecadação de impostos para o estado do Rio aponta que em 2020, Furnas arrecadou R$ 2,554 bilhões a título de impostos e contribuições e, em 2019, registrou R$ 860 milhões em contratos com 3.994 fornecedores, sendo que deste total, 99,9% fornecedores eram locais, ou seja, fornecedores da mesma região da unidade de compra.

Ainda segundo o relatório, a Eletronuclear contribuiu com R$ 630 milhões em tributos e desembolsou cerca R$ 641 milhões com serviços de terceiros.

Desemprego e precarização

Além da diminuição de arrecadação e fomento no setor de serviços locais, o processo de privatização pode impactar diretamente no número de vagas no setor e nas condições de trabalho ofertadas. De acordo com estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), o número de vínculos formais nos setor elétrico passou de 185 mil em 1994 para 97 mil em 2001.

Segundo Gustavo Teixeira, a privatização além de aumentar a demissão cria contratos precarizados que, muita das vezes, colocam em risco a segurança do trabalhador aumentando o índice de acidente e interferindo também na qualidade do serviço prestado ao consumidor. 

“Estudos recentes têm relacionado a terceirização com situações de trabalhadores em condições análogas à escravidão, inclusive no setor elétrico brasileiro. Os salários baixos, a remuneração variável, a elevada escala de serviços e as condições inadequadas de trabalho são algumas das características dessa forma de contratação que interferem na segurança do trabalho e podem ocasionar até mesmo óbitos. Quando isso não acontece, a maioria das vítimas fica com gravíssimas sequelas, como mutilações e queimaduras”, alertou Teixeira que também é diretor do Instituto Ilumina.

Mobilização

A denúncia dos riscos ocasionados pela aprovação da Medida Provisória de venda da Eletrobras tem sido feita também por sindicatos e movimentos populares a partir de atos presenciais na sede da empresa no Rio e também virtuais. Na terça-feira (18), trabalhadores acamparam na porta da sede geral da Eletrobras, no centro do Rio, para alertar a população sobre os efeitos que a medida pode causar.

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Para Cássia Liberatori, diretora do Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Energia do Rio de Janeiro e Região (Sintergia-RJ) e membro da organização dos protestos na capital fluminense, é fundamental destacar que uma possível privatização do setor elétrico brasileiro também pode impactar diretamente a infraestrutura de saneamento básico do país.


Trabalhadores acamparam na porta da sede geral da Eletrobras, no centro do Rio de Janeiro / Divulgação

“A falta de saneamento e da distribuição da energia elétrica compromete a saúde das mulheres brasileiras e de seus familiares, afetando não só a produtividade em suas atividades econômicas, como também em relação à educação, renda e bem-estar”, afirmou.

Além do Sintergia-RJ, os protestos foram organizados pela Plataforma Operária e Camponesa da Água e Energia e a Associação dos Empregados da Eletrobras (AEEL).

Sem Freio

Com a aprovação da Medida Provisória 1031/21, o caminho começa a ser pavimentado para o Ministério de Minas e Energia emitir novas ações da empresa no mercado financeiro, por meio de sua capitalização, resultando na perda de controle acionário de votos que o Estado tem atualmente.

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As tentativas para impedir a votação não foram suficientes. Na manhã da última quarta (19), os partidos de oposição na Câmara dos Deputados anunciaram que ingressaram com ações no Supremo Tribunal Federal (STF) para impedir a votação da MP que permite a venda da Eletrobras.

Ao todo, são duas petições simples e um mandado de segurança. Todas as ações são relacionadas às Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) respondidas pelo ministro Alexandre de Moraes em março do ano passado que permitiu, durante o estado de emergência em saúde e de calamidade pública, que medidas provisórias pudessem tramitar direto no plenário.

Contudo, na última quarta, o decreto que estabeleceu o estado de calamidade pública não está mais em vigor. Desta forma, os parlamentares pediram a instalação de uma comissão mista para debater a MP da Eletrobras.

“Estamos pedindo que o STF determine que todas as medidas provisórias que estão em tramitação no Congresso Nacional passem por comissões mistas. A nossa expectativa é que o Supremo determine que não haja votação hoje na Câmara dos Deputados e que determine a instalação da comissão mista para que  essa MP da Eletrobras e todas as outras passem pela comissão mista como determina a Constituição”, declarou o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ). 

A Eletrobras é considerada a maior empresa de energia da América Latina. Concentra 48 usinas hidrelétricas, 62 eólicas, 12 termelétricas, 2 termonucleares e 1 solar, totalizando 70 mil quilômetros de linha de transmissão. A empresa foi responsável pela operação do programa Luz Para Todos que levou energia elétrica para quase 17 milhões de brasileiros.

Edição: Mariana Pitasse