A Nestlé, considerada a maior empresa de alimentos do mundo, de acordo com um levantamento da Forbes de 2020, confessou que cerca de 60% de seus produtos não são saudáveis, em uma apresentação destinada ao alto escalão da empresa, a qual o jornal britânico “Financial Times” teve acesso.
De acordo com o documento, apenas apenas 37% dos alimentos e bebidas alcançam uma nota superior a 3,5 pontos no sistema de classificação de saúde da Austrália, que vai até 5 pontos e é utilizado por empresas internacionais. Entre doces e sorvetes, 99% deles não alcançaram a pontuação desejada.
“Promovemos melhorias significativas em nossos produtos”, mas “nossa carteira ainda tem desempenho inferior se comparada a definições externas de saúde, em um panorama em que as pressões regulatórias e as exigências do consumidor disparam”, informou a empresa no documento.
Em outro trecho, diz que "algumas de nossas categorias e produtos nunca serão 'saudáveis', não importa quanto renovamos".
Para Ana Paula Bortoletto, nutricionista e pesquisadora do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), o dado não revela qualquer surpresa. “O novo é a gente ter essa constatação que a empresa reconhece que o portfólio dela é composto por produtos não saudáveis”, afirma.
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Segundo ela, a informação torna pública a constatação de que empresas como a Nestlé “sempre destacam apenas os esforços para desenvolver produtos mais saudáveis, mas internamente elas têm consciência da não adequação da maior parte dos produtos a critérios de saúde”.
Para a nutricionista, isso representa a “falta de transparência da postura da empresa, da estratégia de marketing utilizada, que mascara o que não é saudável”.
Segundo Bortoletto, o resultado poderia ser ainda pior, já que o perfil de nutrientes da Austrália, utilizado como medição pela Nestlé para os seus produtos, é mais flexível do que o Modelo de Perfil Nutricional da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).
Esse padrão, criado em outubro de 2014, atende a critérios regionais de quantidades “aceitáveis” de elementos críticos, como sal, açúcar e gorduras trans. “Se a gente fizesse essa avaliação com o perfil de nutrientes recomendado para os países das Américas, provavelmente o resultado da Nestlé seria ainda pior”, afirma Bortoletto.
Para a nutricionista, apesar de não trazer surpresas, o reconhecimento por parte da empresa do quão não saudável são seus produtos é importante para que os países estabeleçam regras mais rígidas para impedir que essas corporações participem do processo de decisão das políticas públicas em alimentação.
Como exemplo, Bortoletto cita a pressão de empresas acerca da formulação do Guia Alimentar para a População Brasileira, um dos instrumentos do ministério da Saúde para a Promoção da Alimentação Adequada e Saudável (PAAS). Empresas como a Nestlé têm “contato direto no Ministério da Saúde, na Anvisa. Por exemplo, no ano passado, houve uma pressão enorme de críticas ao Guia Alimentar, que veio do ministério da Agricultura, mas a gente sabe obviamente que tem influência das empresas de produtos ultraprocessados também”.
A especialista também aponta que, no Brasil, existem “acordos voluntários de redução de açúcar, que é uma forma de as empresas dizerem que estão fazendo a sua parte, mas a gente tem várias críticas sobre os critérios adotados, como a fiscalização e a falta de transparência.”
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Ao Financial Times, a Nestlé confirmou a análise de Ana Paula Bortoletto, ao confirmar que seus produtos não atendem a parâmetros externos de nutrição. “Acreditamos que uma dieta saudável significa encontrar um ponto de equilíbrio entre bem-estar e fruição. Isso inclui ter algum espaço para alimentos de padrões menos rigidamente controlados quando o consumidor busca prazer, com moderação. O sentido do nosso percurso não mudou, e é claro: continuamos a tornar nossa carteira mais saborosa e mais saudável.”
Edição: Leandro Melito