crise da Covaxin

Acuado, Bolsonaro manda PF investigar deputado que denunciou corrupção

Ministro Onyx Lorenzoni convocou jornalistas para coletiva, mas não deixou ninguém fazer pergunta e atacou a imprensa

Vrasil de Fato | Brasília (DF) |
Onyx Lorenzoni, ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, durante coletiva no Palácio do Planalto - Marcello Casal Jr./Agência Brasil

O ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Onyx Lorenzoni, atacou o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) e seu irmão, um servidor do Ministério da Saúde, durante coletiva de imprensa convocada às pressas, no Palácio do Planalto, nesta quarta-feira (23). Os dois denunciaram irregularidades na compra de vacinas pelo governo federal.

Onyx afirmou que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ordenou a abertura de um procedimento administrativo disciplinar contra o irmão do deputado e propor à Procuradoria-Geral da República (PGR) que o parlamentar e o familiar sejam investigados por supostamente adulterar documentos.

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"Luis Miranda, Deus está vendo. Mas o senhor não vai só se entender com Deus, vai se entender com a gente também. E vem mais. O senhor vai explicar e o senhor vai pagar pela irresponsabilidade, pelo mau-caratismo, pela má-fé, pela denunciação caluniosa e pela produção de provas falsas", disse Onyx.

Durante o pronunciamento, o ministro esteve ao lado do coronel Elcio Franco, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde na gestão do general Eduardo Pazuello. Os jornalistas não foram autorizados a fazer perguntas.

Os dois negaram as acusações de fraude na compra da vacina indiana Covaxin, desenvolvida pela farmacêutica indiana Bharat Biotech. A empresa, representada no Brasil pela Precisa Medicamentos, teria vendido imunizantes contra a covid-19 com sobrepreço ao Ministério da Saúde.

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Onyx disse ainda que Luis Miranda teria falsificado provas apresentadas durante a série de entrevistas concedidas na manhã desta quarta-feira. Exaltado, iniciou seu discurso citando trecho bíblico, dizendo que luta "contra forças espirituais do mal".

"Quero começar lembrando o Efésios 6:12. 'Porque nossa luta não é contra sangue e carne, mas contra principados as potestades. Contra os dominadores, sob mundo tenebroso. Contra forças espirituais do mal'. Quanto mal tentou o deputado Luis Miranda construir hoje contra o senhor Jair Messias Bolsonaro", declarou.

"Quero lembrar aqui que este governo está no 30º mês sem nenhum caso de corrupção e assim continuará. Gostem ou não, somos diferentes, muito diferentes deles. Nosso compromisso é com o povo brasileiro. Compreendemos a pressa para se apegar a qualquer coisa dita por qualquer pessoa sem nenhum filtro, sem nenhuma análise, desde que esse qualquer ataque ao presidente da República", continuou.

Na sequência, disse que as acusações de Luis Miranda podem ser enquadradas como crime: "Quero alertar ao deputado Luís Miranda que o que ele fez é uma denunciação caluniosa e isso é crime tipificado no Código Penal. O coronel Elcio Franco vai participar para demonstrar tecnicamente com documentos e a verdade. Como sempre, ela é o farol que guia o governo presidido por Jair Bolsonaro".

Depois do pronunciamento de Onyx, Elcio Franco fez uma breve apresentação em que isentou Bolsonaro ou o próprio Ministério da Saúde de responsabilidade no caso. Ele reforçou que os pagamentos não foram feitos. A informação, no entanto, logo foi contestada pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Segundo o integrante da CPI da Pandemia, a nota de empenho do Ministério da Saúde estava pronta e o pagamento só não foi efetivado por causa das denúncias.

ENTENDA O CASO

O caso foi revelado, nesta terça-feira (22), pelo deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), irmão de Luís Ricardo Fernandes Miranda, chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde.  Os documentos que provam a fraude também teriam sido levados pessoalmente ao próprio presidente Jair Bolsonaro, no dia 20 de março, pelos irmãos. O encontro não consta na agenda do presidente, mas Miranda, em seu perfil no Twitter, publicou uma foto ao lado de Bolsonaro e afirmou que ambos trataram de “assuntos que são importantes para o Brasil”.

Antes de encontrar com o presidente, Luis Miranda enviou mensagens a um assessor do presidente falando sobre um “esquema de corrupção pesado” dentro do Ministério da Saúde para a aquisição das vacinas. “Tenho provas e testemunhas. (...) Não esquece de avisar o PR [presidente]. Depois não quero ninguém dizendo que implodi a República. Já tem PF e o c****** no caso. Ele precisa se antecipar”, afirmou o parlamentar nas mensagens. Logo depois, afirmou que “estava a caminho”.

Ainda de acordo com o deputado, Bolsonaro teria prometido acionar a Polícia Federal para investigar o caso. Tanto o capitão reformado quanto a PF, no entanto, não deram um retorno ao parlamentar, como alegou o próprio. Na manhã desta quarta-feira (23), Luis Miranda falou à CNN que “o presidente sabia que tinha crime naquilo". O parlamentar ainda destacou que o caso é “gravíssimo: tem desvio de conduta, invoice [nota fiscal] irregular, pedido de pagamento antecipado que o contrato não previa, quantidades diferentes".

Luis Ricardo, em depoimento ao Ministério Público Federal (MPF), afirmou, no dia 31 de março, que sofreu uma pressão inusitada para assinar o contrato de importação do imunizante. O servidor da pasta citou o tenente-coronel do Exército, Alex Lial Marinho, que foi coordenador-geral de Logística de Insumos Estratégicos, como responsável por pressionar a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a aprovar a importação. 

COMPRA SEM APROVAÇÃO DA ANVISA

O contrato com a empresa foi fechado antes de a Anvisa dar o aval para a importação, no dia 25 de fevereiro. A aprovação, no entanto, só veio no último dia 4, e com restrições: somente o uso dos quantitativos e sob condições controladas, determinadas pela própria agência.  Anteriormente, no dia 31 de março, o órgão regulador já havia negado os pedidos de uso emergencial e importação tanto para a vacina, por falta de documentação sobre segurança e eficácia.

No total, foram gastos R$ 1,61 bilhão na compra de 20 milhões de doses, sendo cada uma por US$ 15 (R$ 74,50 na cotação atual). A título de comparação, o imunizante produzido pela farmacêutica estadunidense Pfizer foi comprado a US$ 10 (R$ 49,66) por dose. A  Anvisa, no entanto, aprovou somente a importação de 4 milhões de doses. Até o momento, nenhuma dose da Covaxin chegou ao Brasil.

Edição: Vinícius Segalla