ANÁLISE

Sakamoto: Jair se ressente por ato 'Fora, Bolsonaro' ser maior que o 'Eu autorizo'

Apesar do bolsonarismo-raiz ainda representar cerca de 14% da população, Bolsonaro não está em seus melhores dias

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Dez quarteirões da Avenida Paulista foram ocupados por manifestantes, que cobraram impeachment do presidente Jair Bolsonaro e reivindicaram vacinação em massa - Cuca da UNE

Um dos ressentimentos de Jair Bolsonaro quanto às grandes manifestações por seu impeachment realizadas em 29 de maio, 19 de junho e neste sábado (3) é que ele não consegue, na atual conjuntura, juntar a mesma quantidade de gente em manifestações do tipo "Eu Autorizo, presidente" que defendem seu governo e atacam instituições.

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Apesar do bolsonarismo-raiz, aquele pessoal que pula no abismo se o presidente mandar, ser numeroso (as pesquisas indicam 14% da população), Bolsonaro não está em seus melhores dias. Para garantir volume nas fotos que são reproduzidas em suas redes sociais e aplicativos de mensagens, ele tem que organizar carreatas, motociatas, barqueadas.

E, para tentar demonstrar força, o bolsonarismo ainda tempera tudo com uma boa dose de mentira. Por exemplo: enquanto sites de notícias falsas pró-governo afirmavam que 1,3 milhão de motociclistas aderiram a um passeio com Jair em 12 de junho, em São Paulo, o sistema de monitoramento de um pedágio da Rodovia dos Bandeirantes registrou 6.661 veículos.

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Já nos atos que juntam gente a pé, fotos são tiradas a partir de enquadramentos que passam uma impressão de uma coisa bem maior que do que realmente é - Freud explica essa fixação... O artifício é bem comum nas viagens de pré-campanha eleitoral que o presidente tem feito com nosso dinheiro sob a justificativa de inaugurar boteco, pinguela e gaiola de passarinho.

A última pesquisa Ipec (sucessora do Ibope), de 24 de junho, aponta que 24% da população consideram o governo Bolsonaro bom ou ótimo, enquanto 49% o veem como ruim ou péssimo. Além disso, 66% desaprovam a maneira do presidente governar, enquanto 30% aprovam, e 68% não confiam nele, ao passo que 30% confiam. Os números são piores em relação ao levantamento de fevereiro.

Ou seja, nem o retorno do pagamento do auxílio emergencial em 6 de abril (ele havia sido bizarramente interrompido em 31 dezembro) ajudou. Não admira, uma vez que os valores pagos (R$ 150, R$ 250 ou R$ 375) são insuficientes para garantir a alimentação de uma família. Por exemplo, o piso de R$ 150 não compra nem um quarto da cesta básica em São Paulo, Rio, Porto Alegre ou Florianópolis, segundo o Dieese.

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Os protestos de rua representam os números das pesquisas de opinião, mostrando que os insatisfeitos que vão às ruas são mais numerosos que os eventos da claque presidencial. E, além de aumentar a pressão sobre o centrão no Congresso Nacional, que vem blindando Bolsonaro a soldo, também serve para mostrar às pessoas que elas não estão sozinhas em seu descontentamento.

Sim, as imagens de grandes protestos contribuem para levar mais gente às ruas, como bem vimos durante o processo de impeachment de Fernando Collor e Dilma Rousseff.

Os atos deste sábado, que estavam previstos para o final do mês, foram adiantados para aproveitar que as denúncias envolvendo a compra de vacinas pelo governo Bolsonaro foram um dos principais assuntos da semana.

Trazidas à baila pela CPI da Covid e pela imprensa, a prevaricação de Bolsonaro que teria se omitido diante de cambalacho envolvendo a compra da Covaxin e a questão da propina de um dólar por dose que teria sido pedida por gente do Ministério da Saúde colocaram a corrupção como companheira do negacionismo nas faixas de protesto em várias cidades.

A tentativa de deslegitimar a manifestação e bem conhecida por usar os mesmos artifícios adotados contra as jornadas de junho de 2013 e é fruto do desespero

Essa dobradinha trouxe às ruas mais pessoas de outras colorações políticas e partidárias. A esquerda ainda é maioria, mas ela não estava só. Com o avanço da vacinação e das descobertas da CPI, a tendência é mais gente se sentir à vontade para gritar "Fora, Bolsonaro!".

Não é à toa que o presidente gastou seu tempo nas redes sociais tentando reduzir uma manifestação ordeira e pacífica, reunindo milhares de pessoas na avenida Paulista, neste sábado, a atos de meia dúzia de celerados, como o ataque bisonho a manifestantes do PSDB ou a depredação de patrimônio público e privado. Ações que precisam ser repudiadas e os responsáveis pelas agressões, punidos.

Mas se a manifestação fosse inteira de caráter violento, como prega o bolsonarismo, a avenida Paulista teria sido colocada abaixo, considerando a quantidade de gente que estava lá. A tentativa de deslegitimar a manifestação e bem conhecida por usar os mesmos artifícios adotados contra as jornadas de junho de 2013 e é fruto do desespero.

São mais de 522 mil mortos e 14,8 milhões de desempregados porque Jair Bolsonaro atacou o isolamento social e o uso de máscaras, promoveu remédios ineficazes para o combate à pandemia, ignorou a oferta de vacinas no ano passado, fazendo com que nossos familiares, amigos e colegas de trabalho morressem de forma desnecessária.

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O crescimento econômico e os efeitos da vacinação podem melhorar o humor do grosso da população. E reside aí a maior torcida do governo, que mantém sua claque excitada com ameaças de golpe eleitoral enquanto as nuvens de tempestade não passam. O jogo ainda está aberto e a dependência de Bolsonaro com o centrão já o transformou em subordinado de deputado.

Uma sociedade que vive sob um governo que sequestra instituições para as suas necessidades pessoais, aprofundando o estado policialesco cujas fundações foram dadas pelas mutretas da Lava Jato, manifestações como a deste sábado lembram a esse governo que ainda vivemos uma democracia. E isso é uma das maiores vitórias dos atos.

A pandemia e a necropolítica bolsonarista nos acuaram de tantas e tantas formas que reprimiram inclusive, nossa certeza de que esse não é o estado normal das coisas. Agora, é Bolsonaro que começa a ficar acuado. E quando está acuado, ele mostra garras. O odor que exala não é de coragem, mas de medo.