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Haddad quer viabilizar governo progressista em SP, mas diz que é cedo pra candidatura

No BDF Entrevista, ex-prefeito comenta impeachment de Bolsonaro e uma eventual candidatura em SP: "Só decido em 2022"

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Haddad diz que tem estudado São Paulo para viabilizar uma candidatura progressista no estado.
Haddad diz que tem estudado São Paulo para viabilizar uma candidatura progressista no estado. - Ricardo Stuckert
O Bolsonaro é bandido de rua. Não é outra coisa. Deram a Presidência da República para esse sujeito.

O ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, não crava sua candidatura ao governo do Estado em 2022. Prefere esperar os desdobramentos deste ano para decidir, no começo do ano eleitoral, qual seu destino político.

No entanto, Haddad confirma que há dois meses tem se debruçado sobre as necessidades de São Paulo e as expectativas dos paulistanos “em relação a um governo progressista”, no estado dominado pelo PSDB nos últimos 28 anos.

“Ao contrário do senso comum, eu acho que as coisas estão precipitadas demais”, afirma. “Agora, eu tenho estudado o Estado, eu tenho conversado com muitas lideranças do interior, do litoral, para quando você, se tiver a honra de ser o escolhido, poder governar a partir do primeiro dia, com plano de voo, já delineado”. 

Pesquisas recentes sobre a disputa para o governo estadual colocam o ex-prefeito com bons números. Divulgada no final de junho, a pesquisa Exame/Idea mostra o ex-governador, Geraldo Alckmin (PSDB), com 18%, seguido de Márcio França (PSB) com 17% e Haddad e Guilherme Boulos, com 13% cada. Considerando a margem de erro da pesquisa, estariam todos empatados nas intenções de voto.

Para o ex-prefeito, no entanto, sua decisão será delimitada pela candidatura de Lula à Presidência da República e como o Partido dos Trabalhadores espera que ele atue no ano eleitoral. 

“A minha decisão, qualquer que seja ela, terá como único objetivo o fortalecimento da candidatura do ex-presidente Lula para derrotar o Bolsonaro. Eu não tenho um projeto pessoal que não seja esse”, diz. 

Nesta edição do BDF Entrevista, que a partir desta semana ganha novo visual e muda de horário na grade da TVT (sempre às segundas-feiras, às 20h), Haddad também refletiu sobre o seu papel nas manifestações de 2013, o impeachment de Bolsonaro e o clima de tensão que o presidente tem criado para a eleição do próximo ano.

“Me admira a surpresa das pessoas com o Bolsonaro. Eu fico estupefato de ver gente demonstrando alguma surpresa com o que ele faz. Ele faz isso há trinta anos. Só que colocaram esse sujeito na Presidência da República. Essa é a diferença. É a mesma coisa que você pegar um bandido da rua e botar em um cargo importante. O Bolsonaro é um bandido de rua. Não é outra coisa”.

Confira trechos da entrevista:

Brasil de Fato: Ainda existe um cenário incerto para as eleições em São Paulo. Mas o governador João Doria admitiu recentemente que deve concorrer às prévias do PSDB para disputar a Presidência. Você acha que isso abre um espaço maior para o campo da esquerda na disputa para o Governo do Estado?

Fernando Haddad: Olha, ao contrário do senso comum, eu acho que as coisas estão precipitadas demais. Eu acho que nós estamos no meio de uma pandemia ainda, as pessoas desempregadas e eu acho muito antecipado começar a campanha eleitoral com um ano e meio de antecedência.

Eu, na verdade, acho que nós devemos usar esse ano pra fazer um estudo muito aprofundado sobre o estado de São Paulo, que é o que eu estou me propondo a fazer na Fundação Perseu Abramo, submeter esse plano aos partidos mais progressistas do Estado, e verificar se é possível uma colisão de forças em torno dele com alterações ou não, com vistas a oferecer pros paulistas uma alternativa ao PSDB finalmente, depois de 28 anos no estado. 

Então eu acredito que nós temos muito chão pela frente e a gente devia usar 2021 pra isso e não para lançar nomes. Qual é o programa? E outra, você vai ficar um ano e meio em campanha? Eu acho estranho, ainda mais no meio de uma pandemia como essa, que ainda não terminou, que pode ter uma terceira onda, que nós não sabemos que força terá, qual o impacto que vai ter. 

Eu vejo todo mundo no Brasil preocupado com candidatura, eu não vejo ninguém preocupado em governar, eu não vejo ninguém preocupado em estudar os problemas que estão afligindo a população. Eu não gosto desse procedimento. 

Agora, eu tenho estudado o Estado, eu tenho conversado com muitas lideranças do interior, do litoral, para verificar quais são as expectativas em relação ao governo progressista.

O governador de São Paulo toma posse e já começa a pensar em candidatura. Eu vejo todo mundo no Brasil preocupado com candidatura, eu não vejo ninguém preocupado em governar, eu não vejo ninguém preocupado em estudar os problemas que estão afligindo a população. Eu não gosto desse procedimento. 

Eu gosto de me debruçar sobre o assunto para quando você, se tiver a honra de ser o escolhido, poder governar a partir do primeiro dia, com plano de voo, já delineado. 

Uma pesquisa divulgada pela Atlas no final de maio colocava você e o possível candidato do PSOL, Guilherme Boulos, na liderança para o Governo do Estado de São Paulo. Talvez seja necessário a composição de uma aliança entre as esquerdas, entre o progressismo?

É o que eu te falei, está muito cedo para discutir nomes, na minha opinião. No plano nacional não tem como não discutir porque o Bolsonaro não sai de campanha, não saiu do palanque até agora. 

E, obviamente, que a reabilitação do Lula colocou 2022 na ordem do dia. Eu acho que tem muito chão para discutir São Paulo. Eu acho que a gente pode começar a discutir em 2022, no começo do ano, já tendo estudado o estado com profundidade, que é um estado complexo. O estado com a maior economia do país. 

Então, é preciso cautela em relação a isso. E a gente não tem nem clareza do quadro ainda do lado de lá. Eu não tenho segurança nas informações que você deu como certas, por exemplo. Eu não sei se o Doria não sai à reeleição, eu não sei se o Bolsonaro lança ou não lança candidato aqui, e quem. Então, tem muita coisa pra acontecer até 2022, na minha opinião. 

Agora, essa coisa da aliança, quando eu fui prefeito, quando eu, debaixo daquele inferno que foi 2016 na vida de um petista, qualquer petista, gente sendo presa. Imagina que prenderam um secretário meu [Valter Correia, ex-secretário de Gestão da Prefeitura], nem a ação propuseram, arquivaram o inquérito. Prenderam ele às vésperas da eleição, uma coisa de uma violência absurda, o que fizeram com as pessoas.

E nem naquela situação eu tive o apoio, por exemplo, do PSOL, que lançou candidatura de oposição a mim. Então, vamos ver como é que as coisas se desdobram. A gente tem também que ter compreensão com os outros partidos que podem querer lançar candidato. Tem cláusula de barreira, tem bancada para ser feita. Tem uma série de constrangimentos na na legislação atual que impõe determinadas obrigações.

Inclusive por conta de algumas dessas questões temos visto alguns movimentos como o Marcelo Freixo, que deixou o PSOL e foi para o PSB e o Flávio Dino, que deixou o PCdoB também para o PSB.

E isso tende a acontecer cada vez mais se os partidos que estão ali, no limite, não tiverem uma estratégia de fazer bancada. Então tem muita coisa pra acontecer, tem muito cálculo ainda pra fazer. No que me diz respeito, eu posso te dizer que a minha decisão, qualquer que seja ela, terá como único objetivo o fortalecimento da candidatura do ex-presidente Lula para derrotar o Bolsonaro.

Eu não tenho um projeto pessoal que não seja esse. Como eu posso me comportar o ano que vem de maneira a fortalecer o Lula pra derrotar o Bolsonaro? Essa é a minha equação, minha única equação.

Então, vamos esperar até o começo de 2022 pra saber a tua resposta. 

É, mas a minha resposta terá essa premissa. Qualquer que seja a minha resposta. Vai ter como premissa o seguinte: como eu posso, na visão do PT, me colocar na perspectiva de ajudar o Lula a derrotar o Bolsonaro. Ponto. Quem vai dizer isso não pode ser eu, né? Porque senão vira um projeto pessoal. Eu quero conversar com as pessoas para saber o que elas esperam para que isso aconteça. 

O estado de São Paulo tem um desafio que talvez seja inédito pra você, que é a questão da segurança pública. O governador, João Doria, já exaltou por diversas vezes a Polícia Militar em ações que terminaram com a morte de pessoas. O movimento negro, inclusive, coloca o o Doria como um dos propagadores do genocídio da população negra em São Paulo. Você acha possível alterar essa relação de extrema violência da Polícia Militar, que por vezes, parece um órgão paralelo ao governo estadual?

Na verdade, os governadores de São Paulo têm medo de enfrentar o problema. Porque é muito mais fácil estourar a corda do lado do mais fraco. E veja você, eu conheci como prefeito algumas dezenas de policiais militares, excelentes profissionais. Então não é verdade que você não tenha excelentes profissionais na Polícia Militar. 

São pessoas, inclusive, que morrem no dia a dia. Não é só a polícia que mais mata, é a polícia que mais morre. Então, isso não interessa nem à polícia. É um equívoco imaginar que a PM não tenha interesse em uma agenda que seja boa pra todo mundo. 

E para que as pessoas se sintam mais seguras e que os policiais se sintam mais seguros. O que exige mais inteligência, mais equipamento, valorização profissional, formação adequada, diálogo, comunidade. Só que é muito mais fácil você mandar a turma pra praça de guerra e bater palma quando morrer alguém, seja a pessoa culpada ou inocente, tendo cometido um pequeno delito ou não. 

Sobre 2013, que é o lugar onde muitos dizem ser o começo do que vivemos hoje. Passados oito anos, você revisitou esse período na memória? Teria feito alguma coisa diferente? 

Eu escrevi um longo artigo sobre isso na revista Piauí e foi publicado em junho de 2017. Quando eu deixei a Prefeitura de São Paulo, eu tive tempo ali de botar no papel as minhas impressões sobre aquele período. E esse artigo, na minha opinião, continua muito atual. Independentemente da justiça, das causas que estavam na rua e eram muitas, aquilo se estendeu para muito além do motivo que a originou.

Começou a se discutir tudo, mas o denominador comum era a antipolítica e na minha opinião, a antipolítica pavimentou o caminho para aquilo que nós vimos depois. Quando você começa a rejeitar todo o sistema político-partidário, independentemente de quem é a pessoa que tá no comando das coisas, quando você nivela tudo, quando você mistura o joio, o trigo, quando você não discerne quem tá do teu lado e quem não tá, você acaba pavimentando o caminho para saídas autoritárias.

Mas não adianta. Então, na minha opinião, independentemente da pessoa ser mais à esquerda ou mais à direita, o que prevaleceu foi a antipolítica nas ruas de 2013. Tanto é verdade que quem iniciou o movimento foi expulso da rua por quem ficou. 

Curiosamente, ninguém nem lembra mais daqueles que foram os os protagonistas dos primeiros atos. 

A gente tem visto um tensionamento maior em em direção ao autoritarismo nas falas do presidente Jair Bolsonaro, em relação às Forças Armadas e às policias militares. Você sente que esse ambiente pode ser perigoso em 2022, caso Bolsonaro não se eleja? 

Olha, me admira a surpresa das pessoas com o Bolsonaro. Eu fico estupefato de ver gente demonstrando alguma surpresa com o que ele faz. Ele faz isso há trinta anos. Só que colocaram esse sujeito na Presidência da República. Essa é a diferença. 

É a mesma coisa que você pegar um bandido da rua e botar num cargo importante. O Bolsonaro é um bandido de rua. Não é outra coisa. Ele é um bandido de rua. Deram a Presidência da República para esse sujeito. A nossa burguesia ilustrada, para evitar que um professor universitário chegasse à presidência, botaram um bandoleiro na Presidência da República. E agora demonstram espanto. 

Uma família que já se sabia corrupta, não foi surpresa para ninguém, tem matérias de jornal mostrando o desvio de dinheiro de gabinete para compra de imóveis. E não era um Tríplex não, falso. Eram dezenas de imóveis, comprados com dinheiro desviado. Uma cumplicidade com os milicianos do Rio de Janeiro, Escritório do Crime, assassinos, tudo isso já se sabia. 

O sujeito foi expulso com 33 anos do Exército, com uma ficha suja dentro do Exército, demonstrando que era mal profissional e esse senhor, um vagabundo, que nunca apresentou um projeto decente, que nunca fez um discurso de estadista, nem de político e nunca relatou um projeto, que nunca presidiu uma comissão, talvez a pessoa mais desqualificada do Congresso Nacional, colocaram na Presidência da República.

Então não há surpresa, nem no que ele já fez e nem no que ele pode fazer. E ele pode fazer tudo. Tem um sujeito completamente desqualificado. 

As manifestações contra o presidente Jair Bolsonaro foram massivas, pedindo o impeachment, mais vacina e também o auxílio emergencial. Você acha que elas servem de combustível para aquele tripé que desemboca em um impeachment: perda de popularidade; falta de apoio no Congresso - que ainda não se vê claramente; e as manifestações de rua. Você acha que ainda é viável, mesmo no período que a gente está, faltando um ano e meio para as eleições, um impeachment do Bolsonaro? 

Olha, a gente tem obrigação moral de defender o impeachment. Ele já cometeu mais de vinte crimes de responsabilidade. Como os americanos fizeram com o Trump até o último ano do mandato, os Democratas insistiram no impeachment. E foi importante para derrotá-lo nas urnas. 

Porque demonstra tenacidade das pessoas que têm compromisso com o Brasil, demonstra algum espírito público, alguma indignação com o que tá acontecendo com esse país. É um desastre. E nós não temos ainda a contabilidade desse desastre. 

Nós estamos contabilizando os mortos por covid-19, ainda subnotificados. Mas o que tá acontecendo em outras áreas, as pessoas não se dão conta: cultura; ciência e tecnologia; meio ambiente; relações exteriores; educação. Não temos ideia ainda do estrago que esse homem está fazendo. Então é uma obrigação moral pedir o afastamento dele. 

Você e outros intelectuais de várias partes do mundo se juntaram para criar a Internacional Progressista. Já temos visto algumas mudanças, como a queda do Trump, na América Latina uma volta do progressismo. Você acha que esse momento é importante para retomar o nível de civilidade, democracia no mundo? Como é que vocês têm visto isso?

Bom, eu vou te dar a minha opinião pessoal. Eu acho que a esquerda tem uma atividade de agitação política contra o retrocesso - isso sempre nós vamos fazer - de tolerância religiosa, do respeito a todas as cores, do combate ao racismo, do combate a homofobia, a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa, a liberdade de organização, a possibilidade dos trabalhadores assumirem o comando da produção, tudo isso é muito importante, a questão ecológica, o combate ao aquecimento global.

Mas nós, na minha opinião, temos que voltar para a prancheta. A esquerda tem que voltar a pensar grande, pensar não só como resistência, nós temos que pensar para frente. Por isso que eu faço parte dessa Internacional Progressista. Por isso que eu usei meu tempo todo de pandemia para ler mais, para estudar mais, para ver o que tão pensando no mundo. O que estão imaginando de coisas novas, para inspirar, porque não sai do banho, sabe? 

O banho é importante para você fazer uma reflexão sobre o que você leu, mas se você não leu nada, não vai sair nada. Eu acho que a gente precisa voltar a se debruçar sobre o que tem de mais avançado na literatura e conceber formas novas de organização da sociedade.
 

Edição: Leandro Melito