Ameaça de golpe

Leo Sakamoto: Intimidação golpista de Braga Netto enterra voto impresso no Congresso

Se os envolvidos confirmarem a denúncia, general terá demonstrado ser o mais bolsonarista dos ministros do Planalto

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A pressão criminosa sobre o parlamento pela aprovação da impressão do voto teria o objetivo de pavimentar a estratégia do presidente da República para tumultuar as eleições do ano que vem em caso de derrota, o que abriria caminho para um golpe de Estado. - Marcelo Camargo/Abr

É exatamente de onde não se espera nada de bom é que não vem nada mesmo. Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados, recebeu um recado do ministro da Defesa, general Braga Netto, no dia 8 de julho, de que se não houver voto impresso e auditável, não haverá eleição em 2022. Ele estaria acompanhado dos comandantes das Forças Armadas. A mensagem foi a mesma repetida abertamente e à exaustão por Jair Bolsonaro. O golpismo foi revelado por reportagem de Andreza Matais e Vera Rosa, no jornal O Estado de São Paulo, nesta quinta (22). 

A urna eletrônica já é auditável e o general sabe disso. A pressão criminosa sobre o parlamento pela aprovação da impressão do voto teria o objetivo de pavimentar a estratégia do presidente da República para tumultuar as eleições do ano que vem em caso de derrota, o que abriria caminho para um golpe de Estado.

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Assim, ele teria sucesso naquilo em que Donald Trump fracassou. Lembrando que, por lá, revelações recentes mostraram que o comando militar norte-americano deixou claro que não embarcaria em golpismo eleitoral.

Se os envolvidos confirmarem a denúncia, Braga Netto terá demonstrado ser o mais bolsonarista dos ministros. Pois a facilidade com a qual trata de golpe de Estado, ameaça um dos Poderes da República e faz silêncio diante do envolvimento de militares no escândalo de corrupção da compra de vacinas significaria que o general compartilha integralmente dos mesmos valores distorcidos do seu chefe, o capitão reformado.

Vale lembrar que Braga Netto e os três comandantes das Forças Armadas já haviam ameaçado, através de uma nota, o presidente da CPI da Covid, senador Omar Aziz (PSD-AM), quando este afirmou que "membros do lado podre das Forças Armadas estão envolvidos com falcatrua dentro do governo" e que os honestos devem estar muito envergonhados.

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Mais do que uma demonstração de indignação boba, uma vez que toda categoria de servidores tem sua banda podre, era uma tentativa de auto-preservação. Como também é esse tipo de ameaça às eleições, ainda mais no momento em que a CPI indica uma tropa de coronéis e um general citados nas denúncias de cambalachos.

Curiosamente, no documento que tentou emparedar Aziz e o Senado, o ministro da Defesa não escreveu uma linha sequer de repúdio à corrupção, mostrando que isso não estava em sua lista de prioridades.

E, vale lembrar, que tentar tirar um cascalho da saúde pública, superfaturando preços e cobrando propinas é uma falcatrua terrível. Mas destruir a democracia é uma falcatrua ainda pior.

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Esse tipo de comportamento é exatamente aquilo que Bolsonaro esperava de Braga Netto ao coloca-lo no lugar do general Fernando Azevedo e Silva à frente do ministério da Defesa em março deste ano. Desejava alguém que saísse em seu auxílio e em oposição a quem o fiscaliza e o investiga, mesmo que isso signifique um atentado à Constituição. Mostraria, portanto, que o presidente acertou ao indicar alguém à sua imagem e semelhança no cargo.

Ironicamente, a declaração golpista vem à tona num momento em que militares perdem espaço no centro do poder, com a retirada do general Luiz Eduardo Ramos da Casa Civil (posto que já foi ocupado por Braga Netto), substituído por um dos líderes do centrão, o senador Ciro Nogueira (PP-PI). A mudança enterrou de vez a cantoria do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, que, na campanha eleitoral de 2018, parodiou Bezerra da Silva: "Se gritar pega Centrão, não fica um, meu irmão".

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A revelação também deve enterrar as pretensões de aprovar a impressão de voto a tempo de ser usado nas eleições de 2022, independentemente do que digam os envolvidos.

A pauta já tinha sido quase arquivada no último dia antes do recesso parlamentar, após um grupo de 11 partidos políticos fecharem questão contra a proposta. 

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Os ministros Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, conversaram com os parlamentares sobre os riscos do projeto, o que enfureceu Bolsonaro. Desde então, ele vem xingando Barroso, também presidente do Tribunal Superior Eleitoral, em público.

Agora, com a repercussão negativa de um ministro da Defesa colocando uma faca no pescoço do presidente da Câmara, que também é um dos líderes do centrão, é que a pauta deve virar fumaça.

Mesmo sendo sócio de Bolsonaro, o centrão sabe que a aprovação da medida significaria sua submissão aos militares. Seja por respeito à Constituição ou pela disputa de espaço de poder dentro do governo, a medida deve ser engavetada. Bolsonaro terá que encontrar outra forma de dar um golpe nas eleições do ano que vem. Criatividade e recursos não faltam a ele. E aliados. Menos nas Forças Armadas e mais nas polícias estaduais.