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Coluna

O neofascismo e a estética da destruição

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"O bolsonarismo se caracteriza por esse esforço reacionário para garantir os privilégios dos mais ricos. O que é feito através desta estética antimodernidade, antiuniversalidade" - Foto: Carolina Antunes/PR
A estética do fascismo é a expressão do esforço para fazer retroceder a história

O fascismo, considerando todas as suas variantes, tornou-se uma corrente política muito ativa no mundo capitalista. O século XX nasceu sob a conjuntura de profundas crises. As revoluções proletárias na Europa, em especial na Rússia, tiveram como contraponto a emergência de inúmeras contrarrevoluções lideradas por organizações fascistas.

O fascismo italiano e o alemão, seguidos por suas variantes portuguesa, espanhola, húngara e romena - para citar as mais relevantes - criaram um bloco de defesa do capitalismo. A pergunta clássica “Seria o fascismo a forma autoritária e conservadora do Estado capitalista?” encontra sua dimensão empírica nestes casos históricos.

Uma dimensão das mais relevantes do fascismo é seu sentido corporativo e particularista. As diferentes correntes do fascismo convergem na política de eliminação e ódio à ideia de pluralidade e diversidade social. Fascismo é contrário à ideia de humanidade, se movimenta no sentido contrário ao conceito de universal, somente reconhece e valoriza sua comunidade, o seu particular. Da superioridade da comunidade sobre a humanidade, do particular como superior ao universal.

Esta foi a base do programa de eliminação física e cultural da população judia na Europa durante o governo nazista na Alemanha entre 1933 e 1945, o Holocausto que assassinou mais de 6 milhões de pessoas. E também da guerra total levada a cabo contra os povos eslavos e ciganos e contra comunistas. Da mesma forma em relação ao extermínio promovido pelo governo italiano na Abissínia, África, nas décadas de 1920 e 1930, ambas vilanias que expressam os delírios colonialistas e de supremacia étnica.

O fascismo é uma experiência histórica, concreta e material. Como experiência é constituída de conceitos e de uma estética. Contudo, a relação entre palavras e coisas é complexa. Uma mesma palavra pode reunir mais de um significado. Mas há um sentido comum que permite distinguir e definir fascismo. São movimentos políticos de extrema direita que se caracterizam por seu sentido anticomunista: a devoção a um líder (quase sempre um imbecil perigoso) e o desprezo ao pensamento liberal democrático, sem deixar de ser pró-capitalista. São movimentos políticos que emergem nos períodos graves de crise capitalista para garantir a manutenção deste modo de produção. Em troca, alçam à condição de fração dirigente para garantir o lucro do grande capital.

O fascismo emerge, via de regra, como contragolpe ao crescimento dos movimentos operários, aos movimentos socialistas e, até mesmo, ao avanço do Estado social. Trata-se de uma resposta extremamente particularista ao sentido universalista das lutas democráticas e igualitaristas do século XX e XXI.

Antes de mais nada, o fascismo é um ativismo militante contra a perda de privilégios e status dos de cima e o avanço econômico e, fundamentalmente político, dos de baixo. Mesmo num status subalterno, como no caso dos países periféricos onde suas elites econômicas e sua classe média são altamente dependentes, trata-se de uma luta pela manutenção da ordem hegemônica.

Nestes casos, há uma construção ideológica de responsabilização da ideia de direitos e da democracia, ou seja, da alteração da hierarquia tradicional como o patriarcado e a superioridade étnica. Disso se alimenta o neofascismo neste século XXI. Uma nova apresentação estética do fascismo mais vinculada aos valores neoliberais do que o fascismo clássico do século XX.

Neste sentido que se cria a dimensão de adoração ao bizarro, ao grotesco e ao violento. A estética do bizarro, tão presente nas redes sociais nos casos de Bolsonaro e Trump, é a rejeição da estética da igualdade, chamada pejorativamente, mas paradoxalmente, pela extrema direita de “politicamente correto”. Ora, como se pode rejeitar algo que seja correto do ponto de vista político? Essa rejeição está baseada na defesa do tradicionalismo conservador. Na reposição de um passado hierárquico, totalmente segregacionista e pobre, como um passado idílico – historicamente inexistente - onde cada um “sabia o seu devido lugar”. Uma rejeição ao que seria uma anomia social causada pela ascensão da classe trabalhadora. Lembrem-se das lamentações que circulavam nas redes sobre o fato de muitos trabalhadores passarem a andar de avião, o que teria transformado os aeroportos, lugar da elite, em rodoviárias (sic), lugar do povo.

A estética do fascismo é a expressão do esforço para fazer retroceder a história, um “voltar para trás”. Obviamente, essa restauração é impossível. Como a história da humanidade é a história da luta de classe, simplesmente restaurar torna-se um ativo ideológico, através do qual se organiza uma grande fatia da classe trabalhadora desgastada pelo desalento. A hegemonia neoliberal e a ideologia neofascista transformam o algoz em herói. Transformam os avanços civilizatórios dos direitos humanos e da igualdade em responsáveis pelo desmoronamento das condições de vida e das esperanças.

O bolsonarismo se caracteriza por esse esforço reacionário para garantir os privilégios dos mais ricos. O que é feito através desta estética antimodernidade, antiuniversalidade. Sua condescendência com os novos esquadrões da morte, as milícias, o incentivo à violência policial como afirmação corporativa e o anticomunismo tomado como patriotismo é transformado em uma estética de antissistema, o famoso “contra tudo que está aí”. Este sentido de crítica antissistema, porém reacionário, é que estabelece pontes do neofascismo com os trabalhadores empobrecidos, no Brasil e no mundo.

Há limites para essa política. Porém, esperamos que esses limites não sejam tão indulgentes com a destruição total quanto a história o foi com o nazifascismo do Século XX.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko