Tragédia

Autoridades do Líbano sabiam do risco de explosão no porto de Beirute, aponta relatório

Human Rights Watch defende investigação e sanções contra oficiais libaneses implicados no episódio

Brasil de Fato | São Paulo |

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Imagem área do porto de Beirute em julho de 2021. Na esquerda, a escultura "O gesto", de Nadim Karam, construída com destroços da explosão. - Joseph Eid/AFP

A explosão no porto de Beirute, capital libanesa, ocorrida há um ano, em 4 de agosto de 2020, foi resultado de "décadas de má gestão governamental e corrupção", sendo que uma investigação internacional precisa ser instaurada. Essa foi a conclusão da Human Rights Watch (HRW) em relatório publicado na última terça (3). O documento foi elaborado com base em entrevistas, informações do judiciário e documentos da embarcação que trouxe o material explosivo para o Líbano.

“A evidência mostra de forma cristalina que a explosão de agosto de 2020 no porto de Beirute foi causada pelas ações e omissões de altos funcionários libaneses que não comunicaram com precisão os perigos representados pelo nitrato de amônio, conscientemente armazenaram o material em condições inseguras e não protegeram o público", avalia Lama Fakih, diretora de crise e conflito da HRW.

Ainda de acordo com a ONG, múltiplas autoridades do país foram "nó mínimo, criminalmente negligentes sob a lei libanesa". A organização afirma que o Conselho de Direitos Humanos da ONU deveria exigir uma investigação internacional sobre a explosão no porto de Beirute e eventualmente aplicar sanções contra oficiais libaneses envolvidos no episódio. 

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"Tais sanções reafirmariam os compromissos desses países em promover a responsabilização por graves abusos dos direitos humanos e forneceriam uma força adicional para aqueles que pressionam por responsabilização por meio de processos judiciais internos", afirma o relatório. 


Carros passam por silos destruídos do porto de Beirute, Líbano, próximo a grafitti que diz: "É a violência organizada no topo que cira a violência indivual na base". / Dylan Collins/ AFP

A explosão no porto de Beirute custou 218 vidas humanas, deixou 7 mil feridos e destruiu a casa de 300 mil pessoas. Parte da infraestrutura da cidade, como serviços de saúde, transporte, água e energia elétrica foi comprometida. De acordo com o Banco Mundial, o incidente causou um prejuízo estimado entre US$ 3,8 bilhões a US$ 4,6 bilhões (algo entre R$ 19 bilhões e R$ 24 bilhões).

Em entrevista à HRW, a enfermeira Pamela Zeinoun conta como foi atender três bebês após a explosão: "Eu estava assustada. Parecia que eles estavam dormindo. Ou eles estavam mortos". Em outro depoimento colhido pela ONG, Karlin Hitti, viúva de um bombeiro morto na luta contra o fogo, pergunta o que deve falar para sua filha sobre a morte de seu pai. "Devo dizer que eu não sei quem o matou ele? Que nós no Líbano não conseguimos descobrir?"

Com o maior número de refugiados per capita do mundo, o Líbano ainda enfrenta uma crise econômica e política. Em 2020, o PIB do país recuou 20,3% e a inflação disparou, aumentando os números da pobreza.

Desde a explosão, o Líbano já teve três primeiros-ministros. Atualmente, não há governo formado e o premiê e bilionário Najib Mikati tenta formar uma coalizão que atenda aos critérios de divisão de poder entre cristãos e muçulmanos. Este desenho institucional foi implantado após a guerra civil do Líbano (1975-1990). Seu antecessor no cargo, Saad Hariri, deixou o posto de primeiro-ministro em meados de julho após tentar formar um governo por nove meses, sem ter sucesso.

Edição: Arturo Hartmann