Cultura

Artigo | Ler é um hábito libertador

Somos quem produz os bens espirituais e materiais que sustentam a vida humana

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
O ato de publicação permite que o produto do trabalho criativo e material deixe de ser algo particular, de quem o concebeu e elaborou, para se tornar público.  - Reprodução Facebook / Editora e Livraria Expressão Popular

“A leitura do mundo precede a leitura da palavra” 

Paulo Freire 

Nossa identidade carrega as marcas do mundo do trabalho. Mesmo negado ou precarizado, que não mais garante a possibilidade da própria reprodução humana, somos classe, trabalhadora, em essência. Somos quem produz os bens espirituais e materiais que sustentam a vida humana. 

O lugar de onde se fala define quem fala e a mensagem transmitida. E um dos locais a partir do qual a classe se manifesta é o da Editora Expressão Popular. Temos como tarefas organizar e coordenar o processo de editorar e publicar obras literárias no formato de livro impresso ou ebook. O ato de publicação permite que o produto do trabalho criativo e material deixe de ser algo particular, de quem o concebeu e elaborou, para se tornar público. 

Assim, o livro ao ser acessado e lido, forja e fortalece as múltiplas dimensões humanas e que, no cotidiano, se reproduzem na forma de novas relações sociais; nasce, então, a nova cultura sistematizada em nosso trabalho editorial e bibliográfico no qual se assentam os pilares fundantes deste projeto político: o senso crítico, os valores e a práxis dos membros de uma organização ou sociedade que se desafia a construir um novo tempo histórico. 

Ainda que vivendo em tempos pandêmicos, seguimos construindo alternativas para possibilitar maior acesso ao livro. Ao mesmo tempo em que denunciamos as mazelas neoliberais ou fascistas, anunciamos iniciativas e ações concretas porque não basta só travar a luta ideológica contra o inimigo. 

Sabemos que o inimigo usa como mecanismos de autodefesa ideológica o obscurantismo, a alienação, a negação do acesso à cultura, pois: considera o livro uma mera mercadoria, destinada a ricos, liberais, e, portanto, pode ser incluído no bojo da reforma administrativa com maior taxa de impostos; destrói as políticas de fortalecimento das bibliotecas públicas; reduz a aquisição e distribuição de livros para a formação básica e EJA (educação de jovens e adultos); libera igrejas de pagar IPTU, mas mantém o de livrarias; e, por fim, visa privatizar os Correios, o mais amplo e melhor sistema de distribuição de livros do país. 

Em contrapartida, o nosso projeto reafirma a primazia da produção da cultura como fundante do ser humano, destacando aqui cinco iniciativas coletivas: 

A construção da nossa livraria (loja física) que celebra a sua inauguração em 13 de agosto de 2010 (em breve com novo endereço!): um espaço de acolhimento da militância, de defesa da política e da ciência, da vivência dos valores socialistas e humanistas. Tendo a nossa livraria online se consolidado neste período pandêmico como um canal estratégico de vendas. 

O fortalecimento do Clube do Livro Expressão Popular, que desde junho de 2017 visa motivar a formação de uma verdadeira “biblioteca militante”, a valorização do estudo e sendo forma concreta de adesão solidária e suporte ao nosso projeto editorial. 

A criação da campanha “Solidariedade: doe livros para transformar o mundo” participando das ações de solidariedade junto aos movimentos sociais do campo democrático. 

Em comunhão com os princípios e políticas da Rede Armazém do Campo, há cinco anos, iniciamos a construção de nossas “livrarias populares” em todas as lojas físicas e online como forma de eliminar o custo do frete, que pesa em 10% sobre o valor final pago pelo leitor e leitora, possibilitando assim maior acesso e fortalecimento dos espaços de convivência da classe trabalhadora. 

Por fim, em 21 setembro de 2021, Dia da Árvore, iniciaremos um novo projeto – Da Semente ao Livro – tendo a Rede Armazém do Campo como ponto de referência, em conjunto com a rede de produção de sementes Bionatur, a Campanha Nacional de Plantio de Árvores e a Campanha Nacional Contra os Agrotóxicos e Pela Vida. Esta iniciativa compreende a comercialização de um livro (lançamento) acompanhado de um pacote de sementes de árvores e de hortaliças, além de uma cartilha de orientação sobre o projeto e o plantio, com desenvolvimento de ações periódicas para favorecer o estudo, unindo teoria e prática. 

Chegar até aqui não foi por empreendedorismo ou mérito atribuído a um pequeno coletivo de indivíduos.  

O ticket médio do livro no país está em R$ 40. Nós praticamos a R$ 26. Embora 34% menor que do setor, consideramos elevado para a maioria da militância social brasileira. Essa política de preços é resultado direto da nossa política de cessão dos direitos autorais, das várias formas de trabalho solidário e voluntário que agregamos no processo de editoração, do esmero da equipe de trabalho, das escolas de formação e militância que fazem uso cotidiano do livro produzido. Não menos importantes são as diversas parcerias que permitiram ampliar o nosso catálogo e as tiragens das edições com ANDES-Sindicato Nacional e Seções Regionais, Instituto Tricontinental de Pesquisa Social, Fundação Rosa Luxemburgo, Fundação Perseu Abramo e Fundação Anita Garibaldi. 

É assim que almejamos cumprir a missão de articular, desenvolver e implementar uma linha editorial orgânica à classe de origem, publicando livros que condensam uma teoria política que represente os anseios da classe trabalhadora nas diferentes áreas do conhecimento; resgatando a função principal do livro de humanizar as pessoas e suas relações; lutando contra a mercantilização e financeirização do livro em toda a sua cadeia de produção e distribuição; criando condições para que o acesso ao livro seja o mais universal possível. 

 

*Carlos Bellé é coordenador político da Editora Expressão Popular.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Anelize Moreira