Racismo religioso

Casa de reza de líder Kaiowá é incendiada no Mato Grosso do Sul

Cassiano Romero, de 92 anos, vinha sendo alvo de ameaças e já chegou a ser espancado

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Pesquisadores indígenas relacionam casos de violência ao avanço das igrejas evangélicas e à conexão delas com os interesses do agronegócio - Ricardo Oliveira/AFP-CP

O rezador Guarani Kaiowá Cassiano Romero, de 92 anos, teve sua casa de reza incendiada na Aldeia Rancho Jacaré, em Laguna Carapã (MS), na manhã da última quinta-feira (19). No momento do fogo Romero estava no grande encontro de rezadores Kaiowá para a inauguração de outra casa de reza na região.

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Um dos líderes do movimento de cultura e religião tradicionais de seu povo, ele perdeu para as chamas objetos de devoção religiosa, documentos, eletrodomésticos, roupas, uma bicicleta e outros pertences. A casa de reza era sua moradia. Ele ficou apenas com a roupa do corpo. Ninguém saiu ferido e ainda não há informações sobre suspeitos.

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Os indígenas relacionam o caso à intolerância religiosa. Contam que o rezador é alvo de diversas ameaças e que ele chegou a ser espancado quase até a morte, recentemente, por pessoas não identificadas. Eles relacionam os episódios de violência com o crescimento de igrejas evangélicas dentro das comunidades indígenas. “Com o avanço deles se formou uma resistência contra nossa religião tradicional”, explica o antropólogo indígena Tonico Benites, também um Guarani Kaiowá.

“Hoje mostra-se mais uma vez o quanto os rezadores são perseguidos” denuncia Rosicleide Oliveira, da Retomada Aty Jovem (RAJ). “São lutas que estamos enfrentando diante de tantos desafios. Hoje, como indígenas, somos atacados em vários momentos e de várias formas”.

Demarcada nos anos 80, a Terra Indígena Rancho Jacaré tem 774 hectares. Atualmente, moram em seu território pouco mais de 400 indígenas.

Intolerância de grupos evangélicos é tema de documentários

Os episódios de violência relacionados à entrada de igrejas evangélicas nas terras dos Guarani Kaiowá foram tema do filme Monocultura da Fé, lançado em 2018.  Dirigida pelas documentaristas Joana Moncau e Gabriela Moncau, a obra é baseada nas pesquisas do professor indígena Izaque João e do antropólogo Spensy Pimentel.

A preocupação com a perseguição religiosa contra os rituais tradicionais dos indígenas é crescente e tem ganhado as telas. Outro exemplo é o filme Ex-Pajé, de Luiz Bolognesi, também de 2018, que relata a situação na comunidade Paiter Suruí, cujo território fica na divisa entre Mato Grosso e Rondônia.

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Líderes e pesquisadores indígenas relacionam diretamente o avanço de algumas religiões evangélicas, em especial aquelas mais intolerantes, com o cerco do agronegócio contra os povos originários.

“Ao atacar o modo de vida tradicional, eles enfraquecem também a cultura e a identidade”, afirma Benites. Assim, para ele, as comunidades ficam mais vulneráveis aos ataques dos ruralistas e o avanço sobre seus territórios.