Pernambuco

ÁGUA E SANEAMENTO

Com melhor saneamento do estado, Petrolina critica Compesa e quer sistema independente

Prefeitura quer municipalizar sistema e buscar investimento privado; lei estadual só permite concessão de bloco regional

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Estação de Tratamento Vitória custou R$5 milhões a Compesa e atende mais de 250 mil petrolinenses - Compesa/divulgação

O prefeito de Petrolina, Miguel Coelho (MDB), critica os serviços de abastecimento de água e saneamento no município desde seu primeiro mandato (2016-2020). A responsabilidade pelos serviços era da Companhia Estadual de Saneamento (Compesa), ao menos por enquanto. Favorecido pelo “Novo Marco do Saneamento” (Lei Federal 13.026), sancionado em julho de 2020, Coelho tenta municipalizar a gestão da água e esgoto no município. Mas a situação não poderá ser resolvida nas fronteiras de Petrolina.

Ainda na primeira quinzena de agosto o prefeito enviou à Câmara de vereadores um projeto de lei para municipalizar o sistema de água e esgoto, criando a Companhia de Saneamento e Abastecimento de Águas do Sertão (SAAS), vinculada à Secretaria de Infraestrutura do município. A promessa é garantir equipe técnica, fornecimento de água, ampliar a rede de esgoto e ainda combater as redes de “esgoto clandestino” despejados no rio São Francisco.

As queixas são de que os serviços prestados pela companhia estadual são precários no município. Há uma avaliação de que a empresa pública ganha em Petrolina mais do que investe e que parte do recurso obtido no município é utilizado para investir na infraestrutura hídrica de municípios menores na região. Outra crítica comum é de que as obras da Compesa deixam um rastro de ruas quebradas, cuja pavimentação precisa ser refeita pelo município – esta queixa não é exclusividade de Petrolina. Em vídeo publicado em suas redes sociais, o prefeito se disse “cansado do descaso e despreparo da Compesa com Petrolina”.

Duas semanas após a chegada do PL à Câmara, os vereadores aprovaram o projeto no último dia 24, por 19 votos a 1. O único voto contrário foi do vereador Gilmar Santos (PT), que criticou a falta de debate com especialistas, com a população e apontou “tendências privatistas” no projeto enviado pelo Executivo. “Todo mundo falando mal da Compesa e nesse sentido estamos de relativo acordo. Mas não se sustenta esse argumento da preocupação em gerir os recursos da população de Petrolina. Se assim o fosse, defenderiam a criação de uma empresa pública municipal, com audiência pública, escuta à população, que é o que defendo”, argumenta o vereador petista.

Na última segunda (06), Miguel Coelho sancionou a criação da Companhia de Saneamento e Abastecimento de Águas do Sertão (SAAS) e afirmou que o município está preparado para uma batalha judicial. “Em relação a uma possível judicialização por parte do governo do estado, é óbvio que estamos preparados. O Supremo já definiu que o poder concedente e as concessões são de titularidade do município”, afirma.

O projeto aprovado cria uma empresa de capital aberto, visando atrair investidores, acionistas privados, que podem participar e influenciar a gestão da SAAS. “Por que estão defendendo a criação de uma empresa em que Petrolina vai gerir apenas 51%? Se estamos preocupados em controlar nossos recursos, porque não 100%?”, questiona Gilmar Santos.

O vereador acredita que, sob gestão privada, os problemas vividos com a Compesa podem piorar. “Se uma empresa privada assumir o serviço daqui, o que nos garante que ela vai utilizar os lucros para reinvestir aqui?”, provoca. O petista apelidou o projeto de “cloroquina do saneamento”, por em sua opinião ser uma falsa solução, “imprudente” e “sem eficácia”. “É uma aventura que beneficia o capital privado, mas não melhora as condições de vida no nosso município”, conclui.

A Compesa, por sua vez, emitiu nota afirmando que a lei municipal aprovada não terá efeitos práticos, já que uma instância legislativa superior, a Assembleia Legislativa de Pernambuco, aprovou em julho deste ano a Lei Complementar 455/2021, que impossibilita iniciativas municipais para prestação de serviços de saneamento. A lei estadual institui o modelo de blocos regionalizados, criando apenas dois blocos. Petrolina integra a “Microrregião Água e Esgoto do Sertão” junto a outros 23 municípios. Os demais 160 municípios integram o bloco RMR-Pajeú.

A companhia estadual se defende argumentando que fez investimentos da ordem de R$200 milhões na infraestrutura hídrica de Petrolina nos últimos 10 anos, garantindo fornecimento de água para 100% das residências urbanas e esgotamento para 84% da área urbana. De acordo com o calendário de abastecimento da Compesa, todos os bairros da área urbana têm abastecimento de água diário e 24 horas ao dia.


As queixas da Prefeitura são de que os serviços prestados pela companhia estadual são precários no município / Compesa/divulgação

Em resposta ao Brasil de Fato Pernambuco, a Compesa lembra o ranking do saneamento, do Instituto Trata Brasil, no qual Petrolina é a cidades com melhor serviço de água do estado e 32ª do país. “Essa realidade é fruto do privilégio do município estar situado às margens do rio São Francisco e dos grandes investimentos na estrutura de abastecimento de água já realizados pelo Governo do Estado e Compesa”, diz a nota enviada a reportagem.

Já na zona rural o serviço da companhia estadual deixa muito a desejar. A Compesa admite que fornece água para apenas 18,8% e saneamento para 13,5% dos 74,9 mil habitantes da zona rural de Petrolina. “Existe um programa em curso, do Governo de Pernambuco, denominado Sistema Integrado de Saneamento Rural (SISAR), que definirá uma política estadual para a ampliação do atendimento dos serviços de esgotamento sanitário nessas áreas”, promete o órgão em nota.

Em nota enviada ao BdF Pernambuco, o Executivo municipal reclama do serviço ofertado pela Compesa na zona rural e destaca que parte da população bebe água sem tratamento. “No interior do município a população de núcleos irrigados recebe água bruta, sem tratamento, e mais de 50 mil pessoas bebem água sem tratamento. A Compesa pouco investiu no interior onde a prefeitura e Codevasf precisaram intervir”, diz a nota. A gestão se queixa ainda que mesmo a estrutura urbana ainda tem tubulações em amianto (material que recentemente teve produção proibida no Brasil) e precisa ser modernizada.

A Prefeitura de Petrolina também afirma que o bom serviço na área urbana se deve ao investimento municipal, não da companhia estadual. “A Compesa omite que grande parte desse investimento foi feito pela prefeitura. Em 2018 tínhamos 72% de área com saneamento e passou para 84% após investimento da prefeitura em locais como a bacia do bairro Dom Avelar”, diz. “A prefeitura executou 68% de toda a rede que existe na sede municipal. A Compesa tem receita líquida de cerca de 100 milhões de reais e investe menos de 3%”.

Questionada sobre como atuar diante da Lei Estadual 455/2021, a Prefeitura de Petrolina rebate, por meio de nota, que a inserção de Petrolina num bloco não teve a concordância do poder municipal e que, portanto, está em conflito com a Lei Federal e não teria validade. “O Governo de Pernambuco inseriu Petrolina numa microrregião, mas jamais questionou se o município queria aderir ou não. O Marco Regulatório prevê no seu artigo terceiro que essa inserção está condicionada à anuência dos municípios”. A nota menciona ainda municípios vizinhos como Dormentes, Afrânio e Lagoa Grande como possíveis parceiros num bloco a ser atendido pela SAAS.

A prefeitura reafirma o controle societário da empresa municipal (51% das ações), mas sinaliza que “futuramente, uma PPP deve ser formada para assumir o controle da SAAS”. O Executivo municipal considera que a SAAS é uma “grande esperança para toda a população que ainda bebe água bruta”, prometendo investimento municipal de R$70 milhões para resolver a questão.

A Prefeitura também garante que através da SAAS seria possível concluir o sistema de esgoto na zona urbana, mencionando os bairros Dom Avelar, Antônio Cassimiro, Jardim Petrópolis e Henrique Leite, num investimento superior a R$50 milhões, além de buscar atingir metas do Plano Municipal de Saneamento. O investimento prometido pela prefeitura é de R$300 milhões nos primeiros cinco anos.


A companhia estadual garante ter investido R$200 milhões na infraestrutura hídrica de Petrolina nos últimos 10 anos / Compesa/divulgação

Na zona da mata norte de Pernambuco, o município de Itambé tem gestão municipalizada desde 1968. A Secretaria de Infraestrutura é a responsável pelo sistema, que recebeu pouquíssimo investimento ao longo desses 50 anos. Apesar de estar na região do estado com mais chuvas, a população só recebe água na torneira a cada duas ou três semanas – e quase sempre uma água barrenta.

De acordo com estudo do Ministério de Minas e Energia, dos 36,5 mil habitantes de Itambé, cerca de 22 mil (60%) têm abastecimento de água, com cerca de 15% utilizando poços ou fontes de água natural e 25% utilizam “outras formas de abastecimento”. A rede de saneamento é ainda mais precária: só 18,4% possuem esgotamento sanitário adequado.

Em Pernambuco a Compesa opera em 172 de um total de 184 municípios. Itambé é um dos 12 com sistemas municipais. Também na zona da mata estão Água Preta, Amaraji, Catende, Cortês, Gameleira, Jaqueira, Palmares e Xexéu; além de Iati no agreste e Carnaubeira da Penha e Inajá, no sertão do estado; todos com redes independentes da Compesa.

A companhia estadual, no entanto, é incentivadora da atividade privada nesse tipo de serviço e classifica como “experiência exitosa” o Programa Cidade Saneada, parceria público-privada para atender Goiana (na zona da mata norte) e os 14 municípios da região metropolitana do Recife. “A parceria visa entregar novos sistemas de esgotamento sanitário nas cidades onde a Compesa ainda não atua, além da ampliação da estrutura já existente. A meta é alcançar cobertura de saneamento de 90% das residências na região metropolitana”. O programa foi iniciado em 2013 e segue até 2037, com uma previsão orçamentária de R$ 6,7 bilhões.

Edição: Vanessa Gonzaga