Voz ativa

Por que a juventude agroecológica do Bico do Papagaio (TO) quer permanecer no campo?

Pesquisa com 245 jovens revela que 72% dos entrevistados desejam continuar na zona rural

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A pesquisa foi registrada em uma cartilha que sistematiza dados e análises sobre a juventude rural do Bico do Papagaio - APA-TO
Existe uma ilusão, que é criada realmente por uma política de desenvolvimento do nosso país

O governo Bolsonaro extinguiu o Plano Nacional de Juventude e Sucessão Rural em agosto de 2020. O fato exemplifica uma balança de poderes que, na dimensão nacional, tenta apagar a luta permanente de décadas para afirmar as juventudes rurais como categoria política no Brasil. 

Assim, o desmantelo de ações e políticas para a juventude rural se juntam a uma realidade de falta de renda e oportunidades. A consequência em alguns casos é o êxodo rural.  

Os percentuais da população nas áreas rurais do país nos últimos anos, por exemplo, revelam uma redução no público entre 25 e 35 anos. No Censo Agropecuário de 2006, o índice foi de 13,56%. Já em 2017, a mesmo recorte populacional caiu para 9,48%.    

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Apesar dos números, Selma Yuki Ishii, assessora técnica da ONG Alternativa para Pequena Agricultura no Tocantins (APA-TO) afirma que a vontade da juventude é de permanecer no campo. Para tanto, ela ressalta que é preciso olhar para além de influências de setores como a mídia e a educação.   

“Existe na verdade uma ilusão, que é criada realmente por uma política de desenvolvimento do nosso país. Por outro lado, ouvimos e percebemos que a juventude do campo tem vontade de ficar no campo, porque ela sabe que o campo é mais calmo, que é o lugar de sua identidade, de sua família e de sua história”, ressalta.  

A referência para o argumento de Selma Yuki é a pesquisa “Juventudes Rurais do Bico do Papagaio”, coordenada pela APA-TO, ao lado da Rede Bico do Papagaio, Grupo Temático (GT) das Juventudes Rurais da Rede Bico do Papagaio e Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).    

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O levantamento ouviu 245 jovens da região, que é composta por 12 municípios tocantinenses, localizados no norte do estado em uma área de transição entre os biomas Cerrado e Amazônia. 

A divulgação do resultado foi feita novembro de 2020 e chamou a atenção por ter 72% das respostas favoráveis para a permanência da juventude no campo. 


Mais de 72% dos jovens do Bico do Papagaio querem permanecer no campo, mas falta diálogo e condições. / APA-TO

Os motivos para o descompasso entre números do êxodo e sonhos de permanência está na tentativa de silenciamento político da juventude rural do país na análise de Aldimar de Sousa, do assentamento Santa Juliana em Axixá (TO), conhecido como Dimas.  
 
O jovem Aldimar afirma que a falta de renda e oportunidades para as juventudes rurais são decorrentes da fragilidade de políticas adequadas, estigmas e descumprimento do direto à terra no país

“Muitas pessoas acabam não ouvindo a juventude, fazendo com que elas sejam caladas. Infelizmente tem muito disso e a gente é constatou na nossa pesquisa, que trouxe muito que a Juventude não está tendo voz”, salienta. 

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Esse grito de presença e esperança da juventude é dado por muitas vozes. Dimas faz parte do GT das Juventudes e destaca que a coletividade favorece um diálogo permanente com as outras gerações do território.


A Educação do Campo é um dos direitos cobrados pela juventude agroecológica do Bico do Papagaio / APA-TO

Esse diagnóstico de troca de saberes entre os mais velhos e mais novos também foi apontado como positivo pela pesquisa e favorável para a permanência do público jovem no campo. 

Aldimar destaca a importância das "pessoas que estão a mais tempo na luta" para a juventude agroecológica do Bico do Papagaio. Ao mesmo, ele destaca a importância de superação de uma dicotomia entre gerações quando o assunto é coletividade.

"Percebemos, enquanto juventude, que ainda há uma divisão muito grande deles [mais velhos] com a gente. É por isso que tivemos essa iniciativa de buscar apoio, para termos voz, para falarmos 'olha, juventude está aqui e está querendo lutar. E a gente está junto nessa, a gente não está separado a gente está aqui com vocês e para agregar na luta'", ressalta. 

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Dimas enxerga ainda mais aproximações que fortalecem a juventude rural agroecológica como categoria política. Para além de gerações, são quebradas também dicotomias territoriais entre campo e cidade.  

"Quando falamos desses dois ambientes, da comunidade [rural] e do meio urbano, tentamos não trazer essa de divisão, essa coisa de ‘ah é eu sou apenas da zona rural e aqui importa mais' ou então 'eu sou apenas da zona urbana e a zona urbana é melhor’. Tentamos trazer essa relação de que um depende do outro, de que um abastece o outro. Tanto que precisamos da zona urbana e a zona urbana também precisa da gente. Porque sem a gente como que vai ter a produção dos alimentos saudáveis que vai para a área urbana? E a gente também precisa da zona urbana, porque sem a zona urbana como que vamos conseguir a renda?", reflete. 

Clique aqui e confira os resultados da pesquisa “Juventudes Rurais do Bico do Papagaio”. 

Edição: Douglas Matos