OPINIÃO

Análise | Cooperação China-ONU e Agenda 2030: o engajamento chinês no combate à pobreza

China se tornou poderosa na governança global combinando apoio a acordos internacionais alinhados com seus objetivos

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
"Sob a liderança de Xi Jinping, a agenda de redução de pobreza mobilizou lideranças e comitês partidários, bem como a burocracia em todos os níveis" - Noel Celis / AFP

A questão da pobreza e do desenvolvimento tem sido objeto de debate nas Organizações Internacionais (OIs) formadas no Pós-Guerra. Passando por distintas orientações, que vão desde a tese do transbordamento do crescimento econômico para resolver o problema da pobreza, até a ideia do capital humano e da focalização nos anos de vigência do paradigma político liberal. Em função deste paradigma nas últimas duas décadas, a combinação de crises financeiras, instabilidade política e agudização da pobreza têm forjado adaptações na agenda das OIs.

Nesse contexto que se insere a Agenda 2030 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). No documento, os membros reconhecem “a erradicação da pobreza” como prioritária, sendo que todas as suas formas e dimensões deveriam ser combatidas. A partir de então, a agenda tem sido orientadora das ações de combate à pobreza em um número expressivo de países, sustentado no reconhecimento da importância do retorno do papel do Estado e do planejamento para a sua implementação.

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Foi justamente a combinação de um Estado ativo e forte, condutor do desenvolvimento econômico e de políticas públicas sociais, que fez a China ser o primeiro país em desenvolvimento a atingir essa meta de redução da pobreza ao concluir seu 13º Plano Quinquenal (2016-2020). Ao todo, durante as quatro últimas décadas, foram retiradas cerca de 850 milhões de pessoas da pobreza. Esse montante representou 70% da população saída desta condição no mundo nesse período, resultado contrário àqueles proporcionados pela implantação do neoliberalismo em escala global.

Sob a liderança de Xi Jinping, a agenda de redução de pobreza mobilizou lideranças e comitês partidários, bem como a burocracia em todos os níveis. Ao concretizar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio da ONU, o presidente chinês sentenciou que erradicar a pobreza, melhorar a vida do povo e materializar a prosperidade comum são as exigências básicas do socialismo e uma importante missão do PCCh desde a fundação da República Popular da China (RPC) em 1949. Aliás, nada pode ser mais prioritário à promoção dos direitos humanos do que uma política de erradicação da pobreza.


Mulheres na cidade de Tongren, província de Guizhou, na China / Johannes EISELE / AFP

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Além da erradicação da pobreza, o atual governo chinês está engajado na implementação de um conjunto de políticas públicas para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, com destaque para o enfrentamento da questão ambiental. Esses desafios devem ser percebidos não apenas como parte do fortalecimento do desenvolvimento econômico e social da China, mas da sua crescente assertividade internacional.

O protagonismo de Pequim não representa a postura de uma potência revisionista - como sugeriam analistas ocidentais -, mas, ao contrário, um envolvimento crescente na governança mundial. Ou seja, desde a política de Reforma e Abertura desencadeada no final da década de 1970, a China superou o isolamento, retomou o assento no Conselho de Segurança da ONU (1971) e, entre os anos 1980 até o ingresso na OMC (2001), no contexto adverso de colapso do socialismo real, se tornou membro de praticamente todas as organizações internacionais. Agora, Pequim busca um lugar condizente com seu poder e interesses aumentados.

Assim, o engajamento internacional chinês tem se aprofundado, combinando apoio a acordos internacionais alinhados com seus objetivos e normas, como o Acordo de Paris sobre mudanças climáticas, mas sem aderir a agendas que considera divergentes de seus interesses. O fato é que a China se tornou uma força poderosa na governança global, tensionando o status quo inclusive, no sentido de reformar algumas organizações internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI). No entanto, ao mesmo tempo, Pequim tem trabalhado para construir espaços de atuação alternativos, como o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) e o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (Asian Infrastructure Investment Bank – AIIB), por exemplo.

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Chama a atenção como a China tem ampliado o seu protagonismo para incorporar e difundir determinadas agendas internacionais. O país já é o 2º que mais contribui para o orçamento da ONU e, de longe, o que mais participa de suas operações de paz, incluindo o Fundo de Paz e Desenvolvimento China-ONU. Com a pandemia, a China ampliou seu engajamento, anunciando a vacina como “bem público mundial” e auxílio de US$ 2 bilhões para países periféricos. Os EUA sob Trump, por seu turno, priorizaram culpabilizar a China e a desacreditar a OMS, ao invés de assumir as atribuições que caberiam ao hegemon.

Em suma, é possível compreender a convergência entre China e ONU na implementação da Agenda 2030 e seus Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) como parte da conclusão desse esforço de reconstrução nacional. Mas mais do que isso: também representa como Pequim tem utilizado o cumprimento desta meta para impulsionar sua atuação na governança mundial, ao mesmo tempo em que garante visibilidade às suas realizações.

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Apesar da repercussão modesta na opinião pública ocidental, tudo indica que o desempenho do país oriental no que diz respeito ao êxito no cumprimento da Agenda 2030 tende a impulsionar a sua projeção, num contexto de transição sistêmica e crise de legitimidade da liderança estadunidense.

* Isis Paris Maia é graduada em História e mestranda em Políticas Públicas pela UFRGS. Atualmente, trabalha com políticas de erradicação da pobreza e capacidades estatais na China.

* Luciana Papi é cientista social, mestre e doutora em Ciência Política pela UFRGS. Professora do PPG de Políticas Públicas e do curso de Administração Pública e Social da UFRGS.

* Diego Pautasso é doutor e mestre em Ciência Política e graduado em Geografia pela UFRGS. Atualmente é professor de Geografia do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) e professor convidado da Especialização em Relações Internacionais - Geopolítica e Defesa, da UFRGS. Autor do livro "`China e Rússia no Pós-Guerra Fria"', ed. Juruá, 2011.

**Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Marcelo Ferreira