Direito à moradia

Prefeitura de Buenos Aires despeja ocupação de mulheres vítimas de violência de gênero

Polícia queimou casas improvisadas e prefeito do PRO nega diálogo com movimentos sociais

Brasil de Fato | Buenos Aires, Argentina |
Cerca de 100 famílias foram despejadas após pedido de abertura de mesa de diálogo; o governo do Partido Republicano oferecia subsídio de R$ 140. - Resumen Latinoamericano

O governo da cidade de Buenos Aires decidiu despejar a ocupação chamada "A Força das Mulheres", localizada na Villa 31, favela mais populosa da capital federal. O nome não é em vão: a maioria das mulheres da ocupação são vítimas de violência de gênero viviam ali com seus filhos, e criaram em um terreno, antes abandonado e utilizado como lixão, um espaço comunitário que abriram e limparam para resistir às dificuldades econômicas e de moradia.

Cerca de 80 mulheres e 175 crianças viviam no terreno desde julho deste ano e foram expulsas na sexta-feira (1). O governo havia oferecido um subsídio habitacional de 6 a 8 mil pesos argentinos (R$140), valor distante de alcançar um aluguel e de duração de apenas seis meses.

Famílias se mobilizaram no Obelisco, em Buenos Aires, na Argentina, nesta segunda-feira (4), para reivindicar seu direito à moradia. A marcha caminhou em direção à prefeitura portenha e reuniu centenas de pessoas que denunciaram o despejo das famílias de um terreno baldio.

Representantes da ocupação solicitaram ao governo da cidade autônoma de Buenos Aires, governada por Horacio Rodríguez Larreta (Partido Republicano), a abertura de uma mesa de diálogo para solucionar o problema de moradia das famílias. No entanto, a resposta foi o despejo, sem prévio aviso, às 7 da manhã da última sexta-feira (1), enquanto muitas ainda dormiam.

"Nem a promotoria, a cargo de Valeria Messaglia, nem o governo da cidade quiseram armar a mesa de diálogo", afirmou o advogado das famílias, Ramiro Geber. Além disso, o Programa Buenos Aires Presente (BAP), que atende a famílias em situação de vulnerabilidade na capital federal, não prestou assistência de alimentação e roupas para o frio solicitada pelos habitantes da ocupação.

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As imagens de uma escavadeira aplanando os materiais já destruídos por efetivos do que antes eram casas de famílias pobres viralizaram e mobilizaram a população.

"Destruíram o único vaso sanitário que tínhamos", dizia uma criança aos prantos em frente a um microfone, em entrevista a um canal que filmava o despejo.

Em uma conferência de imprensa realizada próxima ao local, representantes de organizações sociais reforçaram a exigência de "uma solução habitacional definitiva” ao governo portenho e demandaram a reparação do dano acusado pela decisão judicial que deu luz verde ao despejo.

O governo da cidade justificou que o despejo teria sido necessário para a construção de uma escola. No entanto, não há abertura de licitação para a construção de uma escola no local, e o projeto tampouco figura no Orçamento Educacional 2021, como divulgou o jornal Página 12.

O índice de desemprego em Buenos Aires é de 9% e 13,9% da população vive na pobreza — e 2,2% na indigência. Os dados são de recente relatório do Instituto de Estatísticas e Censos da Argentina (Indec) sobre o segundo trimestre deste ano.

Paralelamente, os dados divulgados pela organização Inquilinos Agrupados revelam que, durante setembro, 20% dos habitantes da Argentina dedicam metade de seus salários ao aluguel; 24% dedicam 30%; e outros 24% chegam a destinar 40% de sua renda à moradia.

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Organizações sociais e políticas que acompanharam a marcha das famílias até a prefeitura portenha entregaram uma carta a Horacio Larreta solicitando novamente a abertura de uma mesa de diálogo. A preocupação está centrada especialmente em atender as crianças que, despejadas e sem moradia, também demandam uma resposta para a continuidade escolar, uma vez que frequentavam uma escola próxima à ocupação onde moravam.

Até o momento, o Ministério de Mulheres, Gêneros e Diversidade da Nação não se pronunciou sobre o caso. Há expectativa sobre a manifestação da pasta, já que o caso envolve, especialmente, mulheres e mães que sofreram violência de gênero.

Edição: Thales Schmidt