EM BRASÍLIA

Lula encerra viagem ao DF e diz que "só um Estado forte pode acabar com a fome no Brasil"

Ex-presidente disse que o combate à pobreza foi tema de suas reuniões com políticos de diferentes partidos em Brasília

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

Ouça o áudio:

Lula encerrou viagem à Brasília com entrevista coletiva em hotel na região central da cidade - Ricardo Stuckert

O ex-presidente Lula (PT) disse nesta sexta-feira que só um Estado forte pode acabar com a miséria no Brasil. Segundo ele, a principal preocupação do país neste momento deve ser o avanço da fome.

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"Eu quero um Estado capaz de manter e melhorar o SUS. O SUS, tripudiado antes da pandemia, agora é endeusado por quem tripudiava. Não quero um Estado empresarial. Quero um Estado com força para que ele seja indutor do desenvolvimento. Não podemos ter pavor de fazer dívida para termos ativos produtivos nesse país. Precisamos de um Estado forte que cuide das pessoas", declarou.

As declarações foram feitas durante entrevista coletiva concedida em um hotel na região central da capital federal. O ex-presidente foi ao local acompanhado da presidenta do PT, a deputada federal paranaense Gleisi Hoffmann, do deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP), e do senador Roberto Rocha (PT-PR).

A entrevista encerrou uma série de atividades de Lula na capital federal. O ex-presidente chegou à Brasília na noite de domingo e fez reuniões com políticos de diferentes partidos. Ele respondeu às críticas por ter se encontrado com líderes do MDB.

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"Vou conversar com todo mundo. Estou em uma fase de conversa com partidos, movimentos. Vou com conversar também com empresários, intelectuais. E com a sociedade brasileira. Consertar esse pais é uma tarefa de muita gente. Para resolver o problema do emprego, da formação e da qualificação da juventude, que está indo embora do país, vamos ter que fazer uma combinação entre estado, empresários e universidades", disse.

Assista à íntegra da entrevista:

Lula comentou uma reportagem, publicada pelo site Poder360, que aponta que, em um eventual novo mandato à frente da Presidência, ele gostaria de ver Renan Calheiros (MDB-AL) como presidente do Senado e Eunício Carvalho (MDB-CE) como presidente da Câmara (MDB-CE).

"Li que eu já teria escolhido presidente da Câmara e do Senado. Não tenho curso de cientista politico, em filosofia ou sociologia. Mas, pobre do presidente da República que se meter a interferir das eleições do presidente da Câmara e do Senado. São duas instituições autônomas. O presidente da República não tem que tentar eleger ninguém, tem que conviver democraticamente com quem for eleito", declarou.

"Quem tem que gostar do presidente da Câmara e do Senado são os parlamentares, não o presidente da República. Os deputados não escolhem ministério, presidente não pode escolher presidente da Câmara e do Senado. Respeitando isso, vamos governar esse pais como tranquilidade."

O petista ainda comentou as viagens que pretende fazer ao exterior nas próximas semanas. Ele deve visitar a Argentina e países da Europa. Os encontros servirão para abrir diálogo com líderes internacionais. A data das viagens ainda não tem data confirmada.

Leia os principais trechos da entrevista:

Lava Jato

Estava ouvindo a Gleisi falar é engraçado que está fazendo, hoje, 1 ano e 11 meses que eu saí da Polícia Federal. Foi no dia 8 de novembro de 2019. No mês que vem completam dois anos. Eu ja não lembrava de coisas que a Gleisi falou. Porque o que aconteceu comigo não pode e não faz parte do que eu quero discutir para o Brasil daqui pra frente. O que eu esperava era uma coisa simples, que não vai acontecer. Como a operação Lava Jato teve encontro com as redações dos principais  jornais do pais antes de começar a operação, como teve reuniões com a redação de revistas antes de começar a operação e, como visitou a Globo, o SBT, a Record, induziu a imprensa brasileira a esse erro histórico.

Na verdade, só esperava que um dia – e o [jornalista Ricardo] Noblat já fez três vezes – a imprensa pudesse reconhecer que foi enganada e induzida pela força-tarefa e publicou apenas o que recebeu de informação e muitas vezes não levou em conta a defesa. Mas eu acho que quem está na briga que nós estamos. deve fazer com que essas coisa sejam coisas do passado. Que a gente esteja preparado para fazer o enfrentamento do debate, mas precisamos saber como vamos reconstruir o país. Depois que deixei a Presidência, eu não esperava que o Brasil 10 anos depois fosse estar pior do que quando eu peguei o Brasil em 2003. 

Fome

Não esperava que a fome voltasse ao Brasil. Foi motivo de orgulho quando a ONU anunciou publicamente que o país tinha saído do Mapa do Fome. Foi motivo de um orgulho quando, nos Estados Unidos e na União Europeia, com a crise do Lemann Brothers, em 2008 e 2009, 100 milhões de pessoas perderam emprego. E, enquanto isso, a gente tava criando 22 milhões de empresas formais com carteira assinada. Foi com orgulho que o Brasil saiu da 12ª para a 6ª economia do mundo em 2008. Eu brincava com a França, com a Inglaterra, que se preparassem porque iríamos correr atrás deles, da Alemanha, para virar a 4ª economia do mundo.

Bolsonaro

Bolsonaro não se preparou nem para ser síndico. Não sabe fazer outra coisa a não ser provocar, contar mentiras todos dias pelas fake news. Foi divulgado fartamente que a média de mentiras por dia que ele conta são 5. Se fizerem uma operação mais minuciosa vão perceber que chega de 8 a 10 mentiras por dia. Muito triste ver um país, respeitado no mundo inteiro, dessa forma.

No 7 de setembro, rugiu de manhã e a tarde miou como gatinho. É um presidente da República que nunca fez um gesto de solidariedade a uma vitima da covid, muito menos aos familiares das 600 mil pessoas que morreram. Não tem gesto, carinho ou solidariedade. Não tem uma visita para dizer “estou com vocês”, “estou preocupada com o povo”. Ele continua mentindo, vendendo remédios ineficazes, propagandeando contra a máscara.

Desabastecimento

Hoje vi mais uma coisa patética do presidente, ele diz perceber que a nação ano que vem terá desabastecimento. E já encontrou um culpado: a China. Quase todos produtos agrícolas, você pode plantar em mais de 1 ano. Ao invés de falar que vai ter desabastecimento, ele deveria apresentar um programa com aumento da produção agrícola no Brasil, sobretudo pelas pequenas propriedades. Ele joga culpa no fertilizante. Ninguém disse pra ele que as indústrias de fertilizantes foram desativadas nesse pais,.

Regulação da mídia

Vamos ter em conta que eu não sei porque tanta regulação da mídia, sobretudo na área digital e eletrônica, porque jornais e revistas poderão ser regulamentados. Segundo, é uma coisa do Congresso Nacional, fiz uma proposta em 2009, foi aprovada com um Congresso com gente ligada a radialista, TVs, rádios comunitárias. Não sei por qual  razão, não sei se o projeto ainda está mais atualizado, mas o que se propõe é, em algum momento da historia, esse tema pode ser debatido. É um tema do Congresso Nacional. Não vejo qual a preocupação. Algumas pessoas falam que isso é censura. Em algum momento, a sociedade vai decidir, mas o papel é do Congresso, do partido e da sociedade. 

Boulos ou Haddad em São Paulo

Eu sempre faço a analogia da política com futebol. Sempre que um jogador que está no banco de reservas, fica chateado quando o técnico escala outro. Fica sentado achando que tinha que estar no lugar do outro. Na política é a mesma coisa. O Haddad tem potencial eleitoral muito forte, Boulos é um jovem pelo qual tenho respeito e sou amigo pessoal. Estão fazendo a disputa. No momento certo, saberemos quem deve assumir o posto de candidato ao governo de São Paulo. Cada um faz sua campanha, em algum momento a gente vai sentar junto e aferir, porque a relação com o PSOL é de muita qualidade.

Estado forte

Só um Estado forte pode acabar com a miséria. Eu quero um Estado capaz de manter o SUS e melhorar o SUS. O SUS, tripudiado antes da pandemias, agora é endeusado por quem tripudiava. Não quero um Estado empresarial, com força para que ele seja indutor do desenvolvimento. Não pode ter pavor de fazer dívida para ter um ativo produtivo nesse país. Precisamos de um Estado forte que cuide das pessoas. 

É preciso muita competência nesse momento em que estamos virando mais algoritmos do que humanos.

Articulações em Brasília

Tenho conversado com todas as forças políticas e com aqueles que querem conversar. Só vou decidir no começo do ano que vem se serei candidato. É difícil de vocês acreditarem, sei que riem com os olhos. Mas é impossível alguém que tem 2% querer e alguém que tem 40% não querer. Vou conversar com todo mundo.

Estou em uma fase de conversa com partidos, movimentos. Vou com conversar também com empresários, intelectuais. E com a sociedade brasileira. Consertar esse pais é uma tarefa de muita gente. Para resolver o problema do emprego, da formação e da qualificação da juventude, que está indo embora do país, vamos ter que fazer uma combinação entre estado, empresários e universidades. É preciso muita competência nesse momento em que estamos virando mais algoritmos do que humanos, mais algoritmo do que ser humano solidário, precisamos resolver isso. 

Preço da gasolina

Agora eu ouvi que o Lula é o culpado pelo aumento da gasolina supostamente porque, há doze anos atrás, eu fiz a Refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco. Não existe nenhuma razão para que o preço do combustível, diesel gás seja internacionalizado.

Nós somos autossuficientes, tínhamos refinarias de muita qualidade, construimos o gasodutos necessários no país. Melhoramos a qualidade do diesel e da gasolina. Tudo isso foi desmontado e dito que era preciso colocar o combustível no mercado internacional para atender interesses dos acionistas de Nova Iorque em detrimento aos consumidores, aos trabalhadores e ao povo brasileiro.

Ano eleitoral

Nós estamos começando um novo ano, um ano eleitoral, um ano em que a gente vai poder brigar muito para que a gente possa consertar esse pais. O país haverá de ter juízo suficiente para que, no dias das eleições, eleja alguém que respeita a democracia, que gosta da democracia, que exercite a democracia nos seus atos cotidianos. Seja que for. Alguém que tenha, no mínimo, sentimento. Um sentimento humanista. Com o mínimo de solidariedade. Que pense com o coração e pare de falar bobagem. 

O presidente da República não tem que tentar eleger ninguém, tem que conviver democraticamente com quem for eleito. 

Presidentes da Câmara e do Senado

Li que eu já teria escolhido presidente da Câmara e do Senado. Não tenho curso de cientista politico, em filosofia ou sociologia. Mas, pobre do presidente da República que se meter a interferir nas eleições do presidente da Câmara e do Senado. São duas instituições autônomas. O presidente da República não tem que tentar eleger ninguém, tem que conviver democraticamente com quem for eleito. 

Quem tem que gostar do presidente da Camara e do Senado são os parlamentares, não o presidente da República. Os deputados não escolhem ministério, presidente não pode escolher presidente da Câmara e do Senado. Respeitando isso, vamos governar esse pais com tranquilidade.

Três poderes

O Poder Judiciário não pode fazer politica todo dia. As sentenças não podem ser na televisão. Há países em que ministro da Corte ninguém sabe quem é. Aqui no Brasil, as pessoas fazem o voto publicamente como se estivessem em uma assembleia. Todas as pessoas sérias da Suprema Corte sabem disso. Da mesma forma que o Legislativo não pode judicializar política, correr pro Judiciário depois perder. É o primeiro a respeitar a politica que tanto acredita. Se cada instituição cuidar do seu papel, tudo vai ser bom como foi em outros momentos. Tem que respeitar. 

Não é possível discutir crescimento e desenvolvimento sem discutir meio ambiente. Isso está envolvido diretamente à qualquer proposta de desenvolvimento. No Brasil, a gente só debate o que tá na moda. Como o que está na moda é a  Amazônia, esquecem dos lixões, dos esgotos a céu aberto, da devastação nas grandes cidades.

Pizza em Nova Iorque

A foto comendo pizza em Nova Iorque era pra pensarem que ele é popular. Quando, na verdade, a fotografia quer dizer que é uma figura tão nefasta e desrespeitosa aos Direitos Humanos e à democracia, que não teve um único restaurante que ousou recebê-lo para oferecer uma simples pizza.

Uma coisa é subir no caminhão com 2 [%] outra coisa é quem tem mais de 40 [%]. Quando eu subir no caminhão, é para não descer mais.

Ausência nos atos por impeachment

Eu estava esperando essa pergunta. Dizer que o PT é contra ao impeachment é uma insanidade. Já se perguntaram por que o Lira não coloca em votação? Não é a Gleisi que coloca em votação. Ela já está magrinha de tanto gritar “impeachment” e “fora, Bolsonaro”.  Podia descansar e deixar os outros que dizem o PT não quer impeachment, para ir lá gritar. Porque o PT não precisa sinceramente dizer que quer "fora, Bolsonaro". Agora, o presidente da Câmara tem mais de 130 pedidos que teria que colocar em votação. 

Por que não fui nos atos? Por uma questão de responsabilidade. Eu não queria e não vou contribuir para que o ato se transforme em atos políticos. A hora que eu subir no caminhão, será o primeiro colocado em todas as pesquisa eleitorais e que pode ganhar no primeiro turno. Uma coisa é subir no caminhão com 2 [%] outra coisa é quem tem mais de 40 [%]. Quando eu subir no caminhão, é para não descer mais.

Ciro Gomes

Não faço críticas ao Ciro Gomes. Mesmo quando faz críticas a mim, acho normal. Se quiser disputar as eleições pra ganhar, tem que criticar ao Bolsonaro e a mim. Se não, não vai a lugar nenhum. Trato com delicadeza e respeito. Durante todo processo de campanha, não vou responder às ilações que ele faz contra mim. Foi meu parceiro e me ajudou a governar.

Participava da comissão de crise com Márcio Thomáz Bastos, Gilberto Carvalho, Dilma Rousseff. Se ele está falando isso, acha que vai dar voto para ele. Mas não vou responder. Só não foi vaiado no país quem nunca subiu em palanque. Já fui vaiado muitas vezes.

Ele é uma figura importante, precisa cuidar dele mesmo. Quando ele perceber que é preciso pensar antes de falar, tudo vai melhorar. Em todas as campanhas, acontece a mesma coisa. Ele sabe tanto quanto eu o que fazer.

Edição: Leandro Melito