2001 - 2021

Em palco do G20, movimentos planejam protestos inspirados nas lutas de Gênova de 2001

Às vésperas do encontro que começa sábado (30), em Roma, grupos relembram marco da luta antiglobalização

Brasil de Fato | Roma (Itália) |

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Militantes antiglobalização são atacados pelas forças de segurança durante o encontro do G8, em julho de 2001 - GABRIEL BOUYS / AFP

Neste final de semana, dias 30 e 31 de outubro, acontece em Roma a cúpula dos líderes do G20. Na agenda, temas como mudança climática, pandemia e economia estarão no centro das discussões das autoridades de governo.

Vale destacar que as contradições relacionadas a essas pautas não são novas, já que se repetem em diferentes fóruns internacionais. Um marco da oposição a políticas surgidas no bojo do neoliberalismo ocorreu 20 anos atrás, em julho de 2001. Ali, a globalização adquiria força e se apresentava como um processo centrado no interesse econômico, não nas necessidades das pessoas.


A presidenta da Comissão Europeia Ursula Von der Leyen falou durante coletiva na quinta (28), às vésperas do Encontro do G20 / Kenzo Tribouillard / Afp

Quando esse conjunto de políticas ganhava força e batia à porta do mundo, algo em torno de 300 mil manifestantes se reuniram em Gênova para gritar que um novo mundo era possível. Todo aquele movimento era uma resposta direta ao slogan "Não existe alternativa”, usado pela ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher que, com Ronald Reagan, levou  o pensamento neoliberal ao máximo entre os anos 1980 e 1990. 

Esse movimento, que nasceu entre as praças de Seattle (protestos no encontro de Ministros na Organização Internacional do Trabalho, em 1999) e o 1o Fórum Social Mundial de Porto Alegre (2001), dava corpo ao que a economista e ativista Susan George descreveu como o primeiro movimento de massa que nada pediu para si, mas queria justiça para o mundo inteiro.

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Naquele ano, em Gênova, os protestos nas ruas apontaram e previram muitos dos problemas que explodiram ao longo desses vinte anos. A economia já dava sinais claros que ficaria mais desumana, mais cruel, produzindo pobreza e desespero. Agora, os problemas se tornaram mais dramáticos, urgentes e complicados. 

A história que teve marco em Gênova se repetia como tragédia ao longo dos anos deste início de milênio. Por exemplo, na questão da saúde e da quebra de patentes. Se hoje a emergência sanitária mundial é o combate à pandemia do coronavírus, naquela época era como lidar com tratamentos mais abrangentes contra a Aids. 

“Falar de Gênova não é apenas memória, é atualizar o desafio de uma sociedade alternativa, uma sociedade de cuidado. Para isso, precisamos construir juntos uma nova mobilização que redescubra a esperança de 2001”, disse Marco Bersani, representante da secção italiana da Attac, uma organização internacional envolvida no movimento antiglobalização, e um dos participantes dos protestos de Gênova. 


Ativistas antiglobalização segura escudo para se proteger das forças de segurança durante demonstração em Gênova, 2001 / GABRIEL BOUYS / AFP

A urgente esperança declarada por Bersani vai tomar de assalto as ruas romanas durante o final de semana. Um novo desafio para a organização de um movimento mundial está se formando. Para sábado, dia 30, é prevista uma grande mobilização nacional de "convergência" dos movimentos populares para retomar o caminho interrompido em 2001.  

Para o italiano, “o cinismo do capitalismo não poderia ter uma representação mais clara do que a do G20, em que as margens de ação da política acabaram sendo um teatro com um roteiro definido: os lucros devem ser considerados insuperáveis. Pandemia, aquecimento global, desigualdade social, guerras permanentes são todas as faces da mesma moeda: manter a economia do lucro”, disse. Por isso a "Campanha Sem Lucro na Pandemia" será uma das pautas reivindicadas pelos movimentos sociais durante o G20.

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Em Gênova a resposta do poder foi violenta, com forças policiais tentando calar as vozes que reivindicavam um mundo mais justo. Como na invasão da escola Diaz, onde manifestantes foram surpreendidos enquanto dormiam para serem brutalmente espancados. Ninguém escapou da violência policial, nem mesmo advogados e jornalistas. No dia 20 de julho daquele ano, o jovem ativista Carlo Giuliani foi assassinado pelas forças de segurança na Piazza Alimonda. 


Policiais cercam o corpo do ativista antiglobalização Carlo Giuliani, depois de sua morte em seguida do ataque das forças de segurança, no contexto dos protetos contra o encontro do G8, em 2001 / GERARD JULIEN / AFP

“Eu e um grupo de oito ou nove pessoas, ficamos escondidos por horas, deitados no chão, atrás de um arbusto. Não gosto de lembrar daqueles dias, eu só queria sair de lá e voltar para casa, tive realmente medo de morrer. Por horas ouvimos gritos de pessoas que pediam ajuda, que gritavam de dor, para não serem espancadas. Foi um trauma”, disse sob condição de anonimato um publicitário que participou dos protestos então. 

O italiano Marco Bertoncello, diretor de projetos, também esteve presente naqueles dias que foram definidos pela Anistia Internacional como "a mais grave suspensão dos direitos democráticos na Europa desde a Segunda Guerra Mundial". 

Bertoncello  lembrou um dado importante: “a maioria dos manifestantes era pacífica, mas uns 20% muito aguerridos, que queriam deixar um sinal. E efetivamente deixaram”, disse referindo-se à estratégia adotada de infiltração entre os protestantes pacíficos para não serem reconhecidos pela polícia. Para Bertoncello, “essa tática dos black blocs mudou o modo de  protestar”.


Policiais em um veículo à espera dos protestos em Gênova, 2001 / GERARD JULIEN / AFP

A mesma energia que imperava naquela época diante da omissão de governantes hoje pode ser vista nas falas de jovens ativistas como a ambientalista Greta Thunberg.

A garota virou inspiração para milhares de adolescentes espalhados pelo mundo que combatem pelo meio ambiente. “Estaremos juntos a outras associações e grupos no protesto durante a reunião que conclui o G20. Na pré-COP 26, os líderes mundiais disseram que nos ouviriam, mas a crise climática e ambiental continua a não ser tratada como emergência. Queremos ações imediatas”, diz a nota do movimento Fridays For Future (Sextas pelo futuro) que se uniram à manifestação de sábado.

Como em Gênova, que na época hospedou um fórum social, este ano foi organizado um acampamento para o clima. O Roma Climate Camp vai abrigar várias atividades paralelas como palestras e a construção de propostas concretas para enfrentar o modelo econômico liberal. 

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É prevista a participação de uma delegação do movimento Zapatista, que estará presente nos dias em que o campo estiver ativo, isto é, de 28 de outubro a 1 de novembro. Se em 2001, um outro era possível, hoje ele é mais do que necessário.

Para entender o G20

Em 2001 o G8 – grupo formado pelos oito países mais industrializados do planeta (Estado Unidos, Canadá, Alemanha, França, Itália, Reino Unido, Japão e Rússia) - era a entidade que controlava os rumos da economia mundial.

Um pouco antes de 2008, a comunidade internacional começou a questionar a credibilidade de um grupo que não incluía Brasil, China, Índia e África do Sul. Com a crise de 2008/2009, os países emergentes socorreram a economia mundial e reivindicam um lugar na mesa das autoridades mais poderosas do mundo.

O G20 já existia, mas as decisões eram tomadas no G8. Por alguns anos, o G20 se tornou mais importante, chegando ao ponto de o ex-ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, afirmar que o G8 morreu. Não representa mais nada".

O presidente Jair Bolsonaro já embarcou nesta quinta-feira (28) para o encontro em Roma. As reuniões da agenda do capitão reformado estão marcadas para sábado (30) e domingo (31). De acordo com o Ministério das Relações Exteriores, o governo brasileiro elencou 12 prioridades para debater com outros líderes mundiais que estão divididas áreas como comércio, meio-ambiente e saúde.

Bolsonaro volta ao Brasil na próxima terça-feira (2). Antes, irá receber o título de cidadão honorário de Anguillara Veneta, que fica a 80 quilômetros de Veneza e onde nasceu um dos bisavôs do presidente. 

Edição: Arturo Hartmann