Entrevista

Contraste entre preço do combustível e lucro da Petrobras realça financeirização da empresa

O petroleiro João Moraes destacou o papel da política de preços escolhida pela empresa no aumento dos preços

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Com o novo aumento, o questionamento que surge é: a Petrobras sofre intervenção do mercado financeiro que define a política de ganhos - Petrobrás

Segundo um levantamento da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o preço médio do litro da gasolina comum superou a marca dos R$ 7 em quatro estados brasileiros, de acordo com dados referentes à semana de 24 a 30 de outubro.  

Segundo João Antônio de Moraes, petroleiro, dirigente do Sindicato Unificado dos Petroleiros do Estado de São Paulo (Sindipetro-SP), ex-coordenador da Federação Única dos Petroleiros (FUP) e coordenador da Plataforma Operária e Camponesa da Água e Energia (Pocae), a alta no preço dos combustíveis acompanha a valorização do dólar e a evolução das cotações internacionais do petróleo.

Isso porque, desde 2016, a gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB) optou pelo PPI, o Preço por Paridade de Importação, que condiciona os preços praticados no país ao mercado internacional, apesar dos combustíveis serem produzidos nacionalmente. 

“Quer dizer, passou a ser um preço irreal. Isso levou a um aumento brutal, porque passou a ficar condicionado tanto ao preço internacional quanto ao custo do barril de petróleo cru e ao dólar. Como dólar nesse período subiu muito, os combustíveis também subiram brutalmente.” 

Em paralelo a esse cenário de aumento nos preços, o lucro líquido da Petrobras foi de R$ 31,1 bilhões no terceiro trimestre deste ano.

“A dona de casa e o pai de família estão pagando um preço brutal no gás de cozinha de mais de R$ 100 e R$ 7 na gasolina, e quem está ganhando com isso? Os acionistas privados”, afirma Moraes. 

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Piauí é o estado com a gasolina mais cara, com preço médio de R$ 7,143, seguido por Rio Grande do Norte (R$ 7,109), Rio de Janeiro (R$ 7,041) e Goiás (R$ 7,040).

Somente o Amapá registrou um preço médico inferior a R$ 6, chegando a R$ 5,578. Em relação ao preço máximo, 15 estados superaram os R$ 7, sendo o maior valor referente a Rio Grande do Sul (R$ 7,889), seguido do Rio de Janeiro (R$ 7,649) e Minas Gerais (R$ 7,479). 

Desde o início de 2021, a Petrobras já aumentou o preço do diesel em 65% e da gasolina, em 73%.

O último ajuste foi realizado no dia 26 de outubro, e o próximo deve ser concretizado em cerca de 20 dias, conforme informou o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), nesta segunda-feira (1º). “A Petrobras anuncia, isso eu sei extraoficialmente, novo reajuste em 20 dias”, afirmou em coletiva de imprensa. 

Confira a entrevista na íntegra: 

Porque os preços dos combustíveis estão aumentando? 

Os preços dos combustíveis no Brasil tiveram uma mudança a partir da alteração na política de preços da Petrobras, efetuada pela direção da empresa colocada pelo governo Temer. Essa política foi mantida e intensificada com Bolsonaro. Por isso que os combustíveis, desde 2016, não param de subir, e com Bolsonaro passou a subir ainda mais.  

O preço dos combustíveis no Brasil sempre levou em conta os custos de produção da Petrobras e de outras empresas que atuam no mercado de combustíveis. A partir de 2016, passou a se ter a prática do chamado PPI, o Preço por Paridade de Importação, e os preços não levaram mais em consideração os custos, mas o preço no mercado Internacional, apesar de serem produzidos aqui. 

Quer dizer, passou a ser um preço irreal. Isso levou a um aumento brutal, porque passou a ficar condicionado tanto ao preço internacional, quanto ao custo do barril de petróleo cru e ao dólar. Como o dólar nesse período subiu muito, os combustíveis também subiram brutalmente. 

E como o governo Bolsonaro piorou esse cenário? 

O Bolsonaro passou a priorizar a distribuição de dividendos para os acionistas privados da Petrobras, isto é, ele adotou uma política para aumentar artificialmente os lucros da Petrobras às custas do sacrifício do consumidor brasileiro e, com isso, facilitar o repasse aos acionistas privados e às empresas estrangeiras que atuam no Brasil. 

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Isso aconteceu através do reajuste do preço dos combustíveis nas refinarias. O preço que o combustível sai na refinaria passou a levar em conta o preço internacional, mesmo sendo o combustível fabricado aqui. O que já estava ruim com o Temer piorou com o Bolsonaro.  

Não tem nada a ver com o ICMS? O aumento se deve estritamente ao PPI? 

Não tem nada a ver com isso ICMS, porque o ICMS é o mesmo desde o início dos anos 2000, mas com a política de preços adotada pelo governo na Petrobras. Existem impostos federais também, mas o imposto maior é o ICMS, que é um imposto estadual. 

O que fez os combustíveis subirem não foi o ICMS, porque não aumentou. O que aumentou? O preço nas refinarias. Como ICMS incide em cima do preço na refinaria, isso aumentou brutalmente para o consumidor.   

Agora, um detalhe: na época em que começou essa prática, eles alegavam que, quando o preço do barril do petróleo caísse, cairia também o preço dos combustíveis. Isso efetivamente nunca acontece, porque sobe e na hora de cair, nunca é igual, porque os agentes que atuam no setor aproveitam para aumentar sua margem de lucros, extorquindo, explorando ainda mais o consumidor.  

Mas é necessário que essa política de preços leve em consideração o mercado internacional? 

Não, porque o petróleo é brasileiro, a gente tem refinarias capacitadas para abastecer o mercado nacional e os trabalhadores recebem em real e não em dólar. Efetivamente essa foi uma política adotada pelo governo para facilitar a vida das empresas estrangeiras que podem importar e aumentar os lucros dos acionistas privados da Petrobras.  

De forma alguma é imprescindível que seja assim. Poderia ser diferente. Aliás, sempre foi diferente. Em alguns momentos mais e em alguns momentos menos, mas a Petrobras efetivamente sempre administrou os preços dos combustíveis no Brasil, tomando em consideração os seus custos e a necessidade do Brasil. 

Todos os governos utilizaram o preço dos combustíveis para controlar a inflação, por exemplo, porque o preço dos combustíveis influencia em tudo. Então quando aumenta o óleo diesel, como tudo é transportado por caminhões, significa que tudo vai aumentar. A inflação teve uma disparada grande no último período, inclusive pressionada pelo preço dos combustíveis.  

O governo Bolsonaro abriu mão disso, porque tem mais compromisso com os acionistas privados e com as petroleiras estrangeiras do que efetivamente com o consumidor brasileiro, inclusive com os caminhoneiros que é uma base. Ele traiu os caminhoneiros quando manteve essa política de preços, na nossa visão completamente absurda.  

Essa política de preços também prejudica de alguma forma a Petrobras? 

Sim, porque facilita a vida das concorrentes da Petrobras que podem importar combustíveis, se colocar aqui no mercado e concorrer com a Petrobras. Agora essa concorrência vai baixar o preço? Não, vai aumentar ainda mais.  

Como o senhor analisa as próximas semanas e os próximos meses? Há uma tendência? 

Não tem perspectiva de diminuir. Como há uma deterioração crescente da economia brasileira, isso significa que a moeda brasileira vai desvalorizar e o dólar vai supervalorizar. Como os combustíveis estão vinculados ao dólar, significa que a tendência é de aumentar ainda mais.  

Se Bolsonaro e Paulo Guedes efetuarem o que eles têm sinalizado nos últimos dias de privatizar a Petrobras, aí fica irreversível. Se eles privatizarem a Petrobras, aí o PPI. Todos os países que não têm empresas estatais que atuam no mercado de combustíveis ficam submetidos a regras do tipo PPI.  

Quando uma empresa estrangeira se instala aqui para fornecer combustíveis, não vai aceitar outro preço que não seja o preço internacional, até porque se esse preço for diferente, a empresa manda o combustível para fora e não abastece o Brasil. É possível mudar hoje? É, porque ainda existe a Petrobras. Se privatizar a Petrobras, aí não tem mais jeito. 

Como é a produção de combustíveis no Brasil? A gente precisa importar? 

Nós temos um parque de refino capacitado para abastecer o mercado brasileiro. Eventualmente pode ser necessário algum tipo de importação.  

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As refinarias instaladas têm uma capacidade limitada. Então, se atingirmos o máximo da capacidade da refinaria e aumentarmos o consumo além disso, é obrigatório importar um pouco de gasolina.

Isso se aplica também para o gás de cozinha e para o óleo diesel. Mas são importações residuais que sempre aconteceram e que, no entanto, nem por isso nós tínhamos o PPI. Até 2016 não existia o PPI, mesmo sendo necessárias algumas importações. 

E porque não há a ampliação do parque de refino para não precisarmos justamente dessas importações residuais? 

Seria perfeitamente possível que o Brasil investisse em refinarias para não ser necessário importar, como estava previsto antes da deposição da ex-presidenta Dilma. A Petrobras tinha um plano de construção de cinco refinarias no país.

Se essas construções tivessem sido concluídas, possivelmente hoje nós não estaríamos importando nada. Estamos importando alguma coisa por conta dessas refinarias não terem sido concluídas.  

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Aliás, seria até possível que nós estivéssemos exportando algum combustível. Nós estamos exportando petróleo cru, enquanto que exportar o produto final agrega mais valor, gera mais empregos, traz mais qualidade de vida para o povo brasileiro. Agora exportar produto in natura, que é o que nós estamos fazendo, é coisa de país subdesenvolvido. 

Essa política vai na contramão da função social da estatal de servir aos interesses nacionais e abastecer o mercado interno a um preço justo, certo? 

Os combustíveis são bens essenciais para a sociedade, portanto, é necessário que o governo controle. O governo não pode deixar as empresas atuarem de maneira solta para um bem que a população não pode abrir mão. Se é essencial, tem que ter controle do governo. 

Quando empresas privadas atuam em setores absolutamente essenciais como esse, praticam o chamado dumping, ou seja, aumentam brutalmente o seu lucro sem tomar em consideração os custos de produção e apenas o fato de que a população vai ter que comprar de qualquer jeito. 

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Ninguém pode abrir mão de ter energia elétrica em casa. Ninguém pode abrir mão do gás de cozinha para cozinhar. Então seja o preço que for, a maior parte da população vai ter que pagar. Então as empresas acabam tendo uma margem de lucro muito alta, em detrimento do interesse da sociedade. Por isso a maioria dos países, principalmente aqueles que têm petróleo como é o caso do Brasil, controlam o preço dos combustíveis.  

A política que foi implementada no governo Dilma de contenção dos preços se aplicaria hoje? O que o governo não está fazendo e que poderia ser feito? 

Para começar, o governo precisaria abolir o PPI, teria que praticar o preço vinculado aos seus custos de produção. Se a Petrobras gasta R$ 1 para fazer um litro de gasolina, por que precisa vender a R$ 3?  

A Petrobras tem que ter o suficiente para remunerar os seus custos e não para praticar os preços que são praticados na Europa, no Japão, em Nova Iorque e aumentar de maneira a ter mais lucro. Os resultados estão aí. A Petrobras deu no último trimestre R$ 31 bilhões de lucro. De onde está saindo esse lucro? Do bolso do povo brasileiro.  

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Então a dona de casa e o pai de família estão pagando um preço brutal no gás de cozinha de mais de R$ 100 e R$ 7 na gasolina, e quem está ganhando com isso? Os acionistas privados e as petroleiras internacionais que podem entrar com gasolina aqui no Brasil. 

A gente pode listar quem são esses acionistas?  

É muita gente, são muitos fundos de investimento e muito capital estrangeiro. Uma boa parte das ações são de acionistas estrangeiros. Tem muitos números, tem gente que fala em até 800 mil acionistas. Não acredito que seja tudo isso, mas é muito difícil mapear isso, porque tem muitos fundos de investimento.  

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O governo detém cerca de 60% das ações com direito a voto na Petrobras. Das ações que decidem, que são as chamadas ações ordinárias, o governo tem cerca de 60% do capital. Então, efetivamente, o governo pode decidir. Ele não decide porque não quer, porque abriu mão da soberania do povo brasileiro em um setor essencial da economia. É uma decisão política.  

E aí envolve muito lobby. 

Tem apoio do mercado. Agora é preciso que se diga quem é o mercado? O mercado não é abstrato. O mercado são pessoas, são especuladores, interesses de grandes grupos financeiros e econômicos. Resumindo, é o interesse do rico se sobrepondo ao interesse do povo. São acionistas que especulam no mercado, em cima de um bem essencial para a sociedade. 

Não estou dizendo, com isso, que não possam ter os pequenos acionistas, até porque para o pequeno acionista é mais importante o combustível ser acessível do que ele ganhar dinheiro na bolsa. 

Edição: Leandro Melito