Opinião

Os problemas do Equador. E do presidente Lasso

O estado de emergência tem mais a ver com os problemas do presidente com a Assembleia Nacional

São Paulo (SP) |
Manifestação contrária ao presidente Guillermo Lasso - Ana Guerrero / El Comercio

Enquanto o país sofre uma grave crise econômica, o presidente Lasso luta para controlar a Assembleia Nacional, sufocar a rebelião popular e esconder o que os Pandora Papers mostraram. 

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O Equador vive (arrasta) uma grave crise econômica desde pelo menos 2019, embora os primeiros sinais remontem a 2015, com a queda nos preços do petróleo. Durante o mandato de Lenín Moreno (2017-2021), caracterizado pelo lawfare mais feroz da região, juntamente com um retorno a políticas neoliberais clássicas, como redução do investimento público e de impostos, flexibilização do trabalho, desregulamentação financeira, eliminação de subsídios, estima-se que mais de 1 milhão de equatorianos ficaram pobres e atualmente apenas três em cada dez pessoas têm um emprego formal. Guillermo Lasso, o atual presidente, tem prosseguido na mesma linha de Moreno 

Os efeitos da crise, como na época da dolarização (2000), se refletem novamente na migração. Estima-se que 100.000 pessoas migraram no último ano e que as remessas cresceram 44% entre 2020 e 2021. 

Ao mesmo tempo, há uma crise carcerária que se arrasta desde pelo menos 2015, mas este ano atingiu um nível sem precedentes com três massacres de magnitude nunca antes vista no país, um em cada uma das três maiores prisões, as prisões regionais. Um total de 217 mortes abalou o Equador, 79 em fevereiro, 22 em julho e 116 em setembro. Lasso declarou estado de emergência carcerária após o último massacre.

O aumento da pobreza resultou em um aumento da criminalidade, mas também houve um notável aumento da taxa de homicídios, que estava sob controle durante os últimos anos do mandato de Correa, quando permaneceu entre as mais baixas da América Latina (até 2016), devido, sobretudo, é claro, à melhoria substancial das condições de vida de grandes grupos da população.

Os problemas de Guillermo Lasso

O estado de emergência introduzido no país por Lasso em 18 de outubro (curiosamente, no mesmo dia em que ele se encontrou com o secretário de Estado norte-americano Anthony Blinken), sob o pretexto de combater a violência e o tráfico de drogas, na realidade tem mais a ver com seus problemas com a Assembleia Nacional: aprovação de reformas regressivas e prestação de contas sobre os Pandora Papers, bem como o aumento da mobilização popular.

Vela destacar que na última quinta, 4 de novembro, o Tribunal Constitucional do Equador reduziu o estado de exceção para 30 dias porque o governo não conseguiu justificar adequadamente as razões para a duração inicial de 2 meses. Isto pode dificultar os planos de Lasso para a rápida aprovação de leis.

Lasso venceu a eleição presidencial sobre Andrés Arauz do movimento pró-Correista União pela Esperança (UNES), mas sem uma maioria na Assembleia Nacional. A maior bancada, que fica aquém da maioria com 47 parlamentares, é a da UNES. 

Para eleger autoridades (presidente/a, dois vice-presidentes/as e o Conselho Legislativo de Administração) da Assembleia Nacional, Lasso, cujo partido Criando Oportunidades (CREO) tem apenas 12 dos 137 parlamentares, formou uma maioria com vários pequenos partidos de direita e com os partidos que ficaram em terceiro e quarto lugar nas últimas eleições: Pachakutik e Izquierda Democrática. O primeiro, que surgiu do movimento indígena, apesar de manter um discurso de esquerda, na prática atua na Assembleia como um partido de centro-direita e às vezes até de direita, em uma lógica muito semelhante à do Centrão brasileiro. O segundo, apesar de seu nome, responde a um centro-direita que, às vezes, se torna centro-esquerda.

A aliança mostrou-se mais instável do que se pensava e, após a eleição das autoridades da Assembleia, a primeira lei envolvendo uma grande reforma que Lasso queria aprovar, chamada Lei para a Criação de Oportunidades, foi rejeitada pelo Conselho de Administração Legislativa (CAL), o órgão da Assembleia que analisa a constitucionalidade e a unidade de propósito da proposta antes de atribuí-la a uma das comissões para análise e debate. 

Esta lei buscava uma reforma trabalhista e uma reforma tributária. A primeira tornaria a situação dos trabalhadores ainda mais precária, a clássica receita neoliberal de aumentar a jornada de trabalho, reduzir o pagamento de horas extras, eliminar alguns tipos de aposentadoria, reduzir a estabilidade no emprego. O segundo visava eliminar o imposto sobre herança; aumentar mais o imposto de renda sobre a classe média do que sobre os ricos; e ajudar aos sonegadores de impostos através de um dispositivo chamado regularização de capital que permitiria o cancelamento de multas e juros sobre os impostos sonegados por aqueles que tiraram seu dinheiro do país e a não punição do crime de sonegação em troca de um pagamento único de 3,5% - 5% do capital que deixou o país.

Ao mesmo tempo, o Lasso apareceu ligado a empresas em paraísos fiscais nos documentos divulgados pelos Pandora Papers. Sua primeira reação foi a negação, a segunda foram acusações sem pé nem cabeça: ele disse que existe uma conspiração contra ele organizada por Correa, Nebot (um político de direita tradicional) e Iza, presidente da CONAIE, a principal organização do movimento indígena. Este é um trio que nunca se uniu e nunca se uniria por nada, e tal acusação também vai contra as provas sólidas apresentadas por um conglomerado de 600 jornalistas de todo o mundo. 

Lasso foi convocado a comparecer perante a Comissão de Supervisão da Assembleia para explicar suas ligações com 14 empresas offshore, 11 das quais estão inativas, mas embora ele tenha dito que iria comparecer, acabou não indo e enviando notas de desculpa duas vezes. 

Antes de declarar o estado de emergência, Lasso ameaçou de "morte cruzada", uma disposição constitucional que permite a dissolução da Assembleia pelo presidente, que por sua vez tem que deixar o poder ao mesmo tempo e novas eleições são convocadas imediatamente. Isso ocorre também caso a Assembleia decida remover o presidente, já que os membros da Assembleia também são removidos do poder e eleições são convocadas. 

O estado de emergência permite ao presidente enviar leis à Assembleia Nacional em base "econômica urgente", que devem ser aprovadas ou rejeitadas dentro de um prazo máximo de 30 dias. Como confirmação de que este era o principal objetivo do estado de emergência, em 28 de outubro Lasso enviou a Lei Orgânica para o Desenvolvimento Econômico e Sustentabilidade Fiscal após a pandemia da COVID-19, substituindo sua lei anterior rejeitada.

Não conhecemos os bastidores das negociações, mas Pachakutik tem uma longa história de acordos clientelares e um alinhamento ideológico mutável, dependendo do que lhes for oferecido, eles aprovarão, como fizeram muitas vezes nos últimos anos, as reformas neoliberais, e já disseram que estão dispostos a colaborar. A posição da Izquierda Democrática está bastante alinhada com a da Lasso em questões econômicas, e obviamente as negociações também estão em andamento.

O estado de emergência permite mais repressão o que é outro motivo para sua promulgação. Desde que o novo governo tomou posse em maio, houve vários protestos de camponeses, greves de fome de professores e greves sindicais.  Na semana passada, de 26 a 28 de outubro, a CONAIE, juntamente com várias centrais sindicais e em desacordo com Pachakutik, organizou protestos fortes em todo o país exigindo o congelamento dos preços dos combustíveis, limites para o setor financeiro e criticando a precariedade do emprego.

A popularidade de Lasso, que ganhou as eleições presidenciais por uma margem de 5% (52% vs. 47%), aumentou rapidamente com o lançamento bem-sucedido da campanha de vacinação da COVID-19 e atingiu um pico de 74% em julho, desde então caiu para 34% no início de outubro.

No Equador, uma consulta popular de 2017 aprovou uma disposição que proíbe que todos os candidatos a cargos eleitos e funcionários públicos tenham dinheiro em paraísos fiscais, portanto, não se trata apenas de declarar o capital enviado para fora do país e pagar impostos, mas do fato que o Lasso não poderia ter, legalmente, capital expatriado a partir do momento em que ele registrou sua candidatura à presidência e tudo indica que ele tinha e traspassou aos filhos dele que são seus laranjas.

A Procuradoria Geral, após mais do que uma semana de indignação pública sobre os Pandora Papers, decidiu abrir uma investigação sobre as empresas offshore ligadas à Lasso. A relutância em investigar os escândalos de corrupção do governo Moreno e a velocidade e agressividade incomuns do lawfare contra o governo anterior dão poucas esperanças de uma investigação séria e imparcial neste caso. Blinken também se encontrou com a Procuradora Geral, Diana Salazar, durante sua visita ao Equador.  

Edição: Arturo Hartmann