Social

Análise | O fim do Bolsa Família e a política contínua do genocídio negro no Brasil

Bolsonaro “extinguiu” o maior e mais bem-sucedido programa de transferência de renda do mundo

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
Fim do Bolsa Família simboliza também a face mais cruel da política racista brasileira em nossa história recente, de exterminar os mais pobres - Giorgia Prates

O silêncio da mídia burguesa para as coisas sérias contrasta com o barulho estrondoso de banalidades que ela excreta de manhã à noite. Cheia de vazios e com muita desconversa, se esforça para ocultar o óbvio, aliás, confunde e sobretudo distrai seus ouvintes e telespectadores enquanto estes têm seus direitos dilapidados pelo governo e pelo Congresso Nacional.

O caso mais recente é o da extinção do Programa Bolsa Família, criado em 2003 sob a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, presidente pelo Partido dos Trabalhadores.

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Considerado o maior e o mais eficaz programa de distribuição de renda do planeta, foi elogiado e copiado em diversos países, um programa que resultou da unificação de dois programas sociais pré-existentes: a bolsa escola e o bolsa alimentação.

Inovador, chegou a atender 13 milhões de famílias e mais de 50 milhões de pessoas, entre as quais grande parte da população de baixa renda do país.

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Para o Banco Mundial[1], a grande virtude do Bolsa Família está em atingir uma parcela significativa da sociedade brasileira que até então não tinha sido beneficiada por programas sociais. Ele está entre os programas mais bem direcionados do mundo, chegando a quem realmente precisa dele, ou seja, 94% dos recursos são destinados aos 40% mais pobres da população. A bolsa de R$ 70 reais é usada principalmente para a compra de alimentos, materiais escolares e roupas para as crianças.

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O seu sucesso motivou adaptações em quase 20 países, como Chile, México, Itália, e outros no mundo inteiro como Indonésia, África do Sul, Turquia e Marrocos. Mais recentemente, a cidade de Nova York anunciou o programa "Opportunity NYC", de transferência condicional de renda, modelado no Bolsa Família e no equivalente mexicano. Esta é uma das raras ocasiões em que um país desenvolvido está adotando e aprendendo com experiências do chamado mundo em desenvolvimento[2].

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E mesmo com todos os aspectos positivos descritos de maneira sucinta acima, Bolsonaro e sua equipe de governo “extinguiu, sem qualquer embasamento técnico, o maior e mais bem-sucedido programa de transferência de renda do mundo. E colocou no lugar um arremedo de programa que é o contrário do Bolsa Família” (Campello e Brandão) [3].

Sandra Brandão e Tereza Campello[4] ainda destacam que “o debate em torno da questão dos recursos para pagamento do Auxílio Brasil é conveniente para Bolsonaro. Evita esclarecer que o Auxílio Brasil vai excluir 22 milhões dos 39 milhões de beneficiários que atualmente recebem o Auxílio Emergencial, que ficarão à míngua. Evita mostrar que os novos benefícios do Auxílio Brasil são “pastéis de vento”, pois não serão implementados em 2021 ou em 2022, por incompetência operacional e por limitações legais. Evita explicitar que, por não ter projeto para o país exceto a sua permanência no poder, o (des)governo Bolsonaro extinguiu um programa que funciona muito bem há 18 anos, para lançar os pobres num ambiente de maior incerteza, que só amplia o caos social que reina no Brasil”.

Pois é, e vocês sabem quem serão os maiores prejudicados por esse ato cruel e irresponsável? As crianças, os jovens, os homens e as mulheres negras, isso porque são eles mesmos a grande parcela população brasileira que levados a condição de pobreza e de pobreza extrema em razão de políticas sucessivas de exclusão, são os quem mais necessitam dos programas sociais.

No aniversário de dez anos do Bolsa Família, a secretaria especial do Desenvolvimento Social, vinculada ao ministério da Cidadania, reportava que das 13,8 milhões de família atendidas pelo programa 73% se declaravam pretas ou pardas e, portanto, o fim do Bolsa Família representa uma violência a mais contra a população negra brasileira que há mais de 520 anos vive sob um estado de exceção, isto é, sob a violência institucionalizada e a negação do seu ser pelas oligarquias brancas e racistas que comandam com mão de ferro esse país.

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Como se não bastasse aos negros e negras serem as maiores vítimas da pandemia no Brasil, em razão das suas condições de vulnerabilidade social[5], a destruição do Bolsa Família e de outros programas sociais pelo governo Bolsonaro demonstra que a política neoliberal ou a política de fazer pobres entre os pobres é uma política estritamente racista. A sabotagem de dados estatísticos pelo próprio governo, como os fornecidos pelo IBGE, serve para ocultar a realidade calamitosa que vive a população pobre e negra nesse país, que hoje reviram o lixo para se alimentarem.

Logo, é inadmissível a extinção do Programa Bolsa Família e, portanto, é necessário que essa medida seja revogada de maneira imediata pelo Congresso Nacional. Do contrário, para além do grande mau que fará aos milhares de brasileiros já reduzidos à condição de bicho e coisa, simbolizará também a face mais cruel da política racista brasileira de nossa história recente, interpretada à luz do conceito de genocídio presente na obra de Abdias do Nascimento: o uso de medidas deliberadas e sistemáticas (morte, injúria corporal e mental, impossíveis condições de vida, prevenção de nascimentos) calculados para a exterminação de um grupo racial, político ou cultural, ou para destruir a língua, a religião ou a cultura de um grupo[6].

O programa Bolsa Família é uma conquista do povo brasileiro e uma política antirracista, por isso devemos defendê-la. #Naoaofimdobolsafamilia

*Roberto Barbosa é docente e pesquisador da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.


[6] Abdias do Nascimento, O Genocídio do negro no Brasil: processo de um racismo mascarado, 1978.

Fonte: BdF Paraná

Edição: Frédi Vasconcelos