Coluna

A pandemia dos despejos no Brasil e a luta popular

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A suspensão dos despejos é fruto da luta das famílias e da solidariedade e união das muitas forças aliadas da luta popular e da defesa por direitos humanos através da Campanha Despejo Zero - PH Reinaux
Entretanto, em várias regiões do país, juízes locais seguem determinando despejos

A pandemia de covid-19 aprofundou as desigualdades do país. Se, por um lado, ocorre a ampliação dos lucros do agronegócio e o aumento de bilionários, por outro lado, as condições de vida da classe trabalhadora pioraram, com o aumento do desemprego, do valor da cesta básica, da luz, do gás de cozinha e do preço dos aluguéis.

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Ocorreram despejos em massa nas cidades e no campo. Entre março de 2020 e agosto de 2021, mais de 19 mil famílias foram despejadas e mais de 93 mil estão ameaçadas de despejo.

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Diante desse cenário, foi articulada a Campanha Despejo Zero que tem promovido o monitoramento e mobilizações jurídico-política para suspensão dos despejos, garantindo algumas conquistas pontuais como: a aprovação da Lei nº 14.216/2021 - suspendendo os despejos urbanos até 31 de dezembro de 2021; e, a decisão do Ministro Barroso do STF, que suspendeu os despejos até dezembro de 2021 (de áreas ocupadas antes de março de 2020) e estabeleceu condicionantes às remoções das demais áreas. Além da recomendação 90 do CNJ e leis em diversos estados.

Entretanto, em várias regiões do país, juízes locais seguem determinando despejos. Na maioria desses casos, os movimentos populares articulados com advocacia popular e defensorias públicas tem acionado o STF, que tem sido uma arena privilegiada para os debates sobre os sentidos da justiça social na pandemia.

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No Rio de Janeiro, em 2020 foi aprovada a Lei 9020 que suspendia os despejos, fato que não impediu que mais de 3.500 famílias da ocupação Refugiados do Primeiro de Maio fossem despejadas em Itaguaí. No entanto, também foram suspensos despejos como o das 700 famílias da ocupação novo horizonte em Campos dos Goytacazes pelo Ministro Fachin no STF.

Em Rondônia, o Acampamento Tiago Campin dos Santos, localizado na zona rural de Porto Velho, teve liminar de reintegração de posse concedida em setembro de 2021. As famílias foram despejadas, com operação com mais de 400 policiais durante o período noturno, e colocadas em escola municipal sem qualquer estrutura para receber as famílias (inclusive água potável). Foi por meio de decisão do STF, que a Ministra Carmen Lúcia suspendeu a liminar de reintegração de posse. Entretanto, a polícia continuou executando o despejo, destruindo as casas e consumindo os animais dos camponeses, somente após seis dias da decisão, as forças policiais permitiram que as famílias regressassem as suas casas. Nesse caso de extrema brutalidade contra os camponeses e camponesas, os advogados também tiveram suas prerrogativas violadas e, até hoje as famílias continuam ameaçadas.

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No Estado de Goiás, o MST possui três liminares de despejo com ações de reintegração de posse suspensas - em decorrência da decisão cautelar na ADPF 828 - o Acampamento Oziel Alves, o Assentamento Popular Dom Tomás Balduíno e o Assentamento Popular Chê Guevara. Esses três territórios, se consolidam como comunidades de produção e reprodução das subsistências de centenas de famílias, além de produzirem alimentos saudáveis e diversificados, garantindo à função social da terra.

A suspensão dos despejos é fruto da luta das famílias e da solidariedade e união das muitas forças aliadas da luta popular e da defesa por direitos humanos através da Campanha Despejo Zero. É necessário que sigamos em luta para que esses despejos sejam suspensos por definitivo e que o estado brasileiro cumpra o seu dever de garantir a esses trabalhadores e trabalhadoras o direito à vida, ao trabalho e à moradia digna.

 

*O texto é fruto das reflexões de membros do GT-4 do Instituto de Pesquisa em Direito e Movimentos Sociais. Escrevem este texto: Erika Macedo Moreira, Erika Macedo Moreira, coordenação geral da Turma Fidel Castro, pesquisadora do OFUNGO (Observatório Fundiário Goiano/ UFG - campus Goiás), Ueber Alves Souza, educando da turma Fidel Castro/ 2ª turma para beneficiários da Reforma Agrária e Agricultores Familiares. Setor DH/ MST - GO, Lenir Correia Coelho e Mariana Gullo Paixão, advogadas populares em Rondônia. Mariana Trotta Dallalana Quintans, Fernanda Maria Vieira, Viviane Carnevale, Matheus Nascimento, Mariana Guimarães, Ana Claudia Tavares e Rafaelly Galossi, integram o Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular (NAJUP) Luiza Mahin da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FND/UFRJ) e integram a Campanha Despejo Zero.

**Leia outros textos da coluna Direitos e Movimentos Sociais. Autores e autoras dessa coluna são pesquisadores-militantes do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais, movimento popular que disputa os sentidos do Direito por uma sociabilidade radicalmente nova e humanizada.

***Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Daniel Lamir