DIA DECISIVO

Cuba enfrenta novos protestos opositores no mesmo dia em que reabre fronteiras ao turismo

Protestos foram convocados há meses por ONGs que recebem financiamento internacional; governo diz que ato é ilegal

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |
Cuba reabre as fronteiras para turismo nesta segunda-feira (15), enquanto oposição convoca manifestações consideradas inconstitucionais pelo governo - Yamil Lage / AFP

Nesta segunda-feira (15), Cuba reabre suas fronteiras para turistas depois de 1 ano e meio de restrições pela pandemia de covid-19. O turismo é a principal atividade econômica da ilha caribenha, que sofreu uma retração de 11% do Produto Interno Bruto (PIB) durante 2020. No entanto, o que era para ser um dia de celebração, agora está revestido de certa tensão nacional diante de uma nova convocatória de atos opositores. 

"A situação é difícil, estamos fazendo um esforço enorme para sair dela e agora é um bom momento. Justamente por isso houve uma aumento exponencial das ações dos EUA contra Cuba", comenta o cônsul cubano em São Paulo, Pedro Monsón. 

Com o desenvolvimento de cinco fórmulas próprias, Cuba conseguiu vacinar 70% da população, equivalente a 7,8 milhões de pessoas incluindo crianças e adolescentes, segundo dados do Ministério de Saúde Pública. Com a imunização, o Executivo assegura que conseguiu controlar a pandemia na ilha.

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A partir de hoje, turistas poderão entrar ao país sem restrições. O governo estabeleceu acordos com 300 linhas aéreas para aumentar a oferta de voos. O Estado ainda oferecerá testes do tipo PCR para certificar que os visitantes não estão infectados e irá proporcionar uma dose de reforço com a vacina Soberana Plus para aqueles que desejam ser vacinados.

Além disso, os dez aeroportos nacionais do país estarão abertos, assim como 4 mil novos quartos de hoteis foram habilitados para receber os turistas. Em todos os hoteis e pousadas também haverá uma equipe médica para atender os visitantes.

A oposição, no entanto, não questiona as medidas de biossegurança para a retomada do turismo. Desde setembro, as mesmas ONGs que organizaram as manifestações do dia 11 de julho deste ano, voltaram a convocar protestos. As principais bandeiras são o direito à "liberdade" e liberação de supostos "presos políticos".

A convocatória de uma marcha em Havana foi feita em setembro por Yunior García Aguilera, líder da organização Archipiélago (Arquipélago). O governo cubano não deu autorização para que o ato acontecesse por considerá-lo inconstitucional. 

O argumento é de que os atos se opõem ao sistema socialista, instaurado no país após a revolução de 1959, enquanto a constituição vigente, aprovada por referendo popular em 2019, estabelece o caráter irrevogável do socialismo no país.

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"Os promotores dos atos, suas projeções públicas e seus vínculos com organizações ou agências subversivas financiadas pelo governo dos Estados Unidos com aberta intenão de mudar o sistema político do nosso país", declarou o presidente Miguel Díaz Canel. 


O chanceler cubano Bruno Rodríguez apresentou os vínculos de líderes opositores com agências de financiamento dos Estados Unidos para diplomatas em Havana na quarta-feira (10) / Yamil Lage / AFP

Para a diretora do Centro Martin Luther King de Cuba, Llanisca Lugo, as manifestações não representam as demandas atuais da maioria dos cubanos. 

"O 15N foi construído como um símbolo no exterior, num âmbito muito polarizado. Ativaram as figuras opositoras mais emblemáticas para anunciar uma agenda e ocultar outra agenda maior. A agenda defendida é a liberdade de direitos num sentido amplo. E a narrativa que está por trás é muito reduzida diante da complexidade de vida do povo cubano", analisa.

Cuba vive uma das maiores crises da sua história pelo recrudescimento do bloqueio econômico, imposto desde 1962 pelos Estados Unidos. Somente durante a gestão de Donald Trump foram aplicadas 264 medidas coercitivas unilaterais. Em 2021, o país arrecadou US$ 400 milhões (cerca de R$ 2,2 bilhões) a menos que no primeiro semestre de 2020.

A asfixia gerada pelo bloqueio, que segundo dados oficiais causou prejuízos de US$ 147,8 bilhões (cerca de R$ 813 bilhões) ao país, somada ao aumento de 2300% da inflação após a liberação do dólar e as restrições geradas pela pandemia conformaram uma situação complexa para os cubanos.


No dia 8 de novembro, 612 mil crianças e adolescentes retornaram às aulas presenciais em Cuba após ser vacinados contra a covid-19 / CubaDebate

Segundo relatos de quem vive no país, é comum ser necessário fazer até 6h de fila para poder adquirir produtos básicos. As sanções dos EUA contra a Venezuela também provocam desabastecimeto de combustível na ilha e a volta dos apagões, já que a principal fonte de energia são as usinas termoelétricas.

"Estamos num momento em que confluiu a crise, a erosão da hegemonia revolucionária e, nessa condensação, as pessoas se aproveitam para promover a agenda de derrubada  do 'regime' cubano", analisa representante da Alba Movimentos, Llanisca Lugo. 

Apesar das bandeiras opositoras, Lugo destaca que também há setores das artes, cultura e da academia que possuem críticas reais e propostas sobre como atualizar o modelo político cubano.

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Desde julho, quando aconteceram as maiores manifestações opositoras desde 1994, representantes do governo cubano passaram a reunir-se com distintos setores organizados da população para escutar suas demandas. "A revolução também começa na periferia", declarou Díaz Canel. 

"A sociedade cubana é diversa cultural e ideológicamente. Não podemos exigir de um povo homogeneidade em torno de ideias ou princípios. Temos o desafio de nos encontrarmos nessa complexidade da vida em Cuba, de construir uma prática de participação popular que conceba as ruas como um cenário da revolução e a mobilização como algo que é próprio dos povos do mundo", comenta Lugo.

Para a representante da Alba Movimentos, a situação limite impõe a necessidade de renovar métodos de organização para envolver a juventude no futuro do país.

"Precisamos pensar qual é o papel do partido e das distintas organizações populares em Cuba para dinamizar e construir um novo bloco histórico que reconstrua o consenso revolucionário", afirma Llanisca Lugo. 
 

Edição: Vivian Virissimo