Paraná

CONSCIÊNCIA NEGRA

Perfil | Uma professora e uma lição permanente

A Câmara, na sessão, estava ocupada pelo povo negro, em uma imagem histórica, que também denuncia o racismo ali presente

Curitiba (PR) |
Letrista e compositora de várias canções, recentemente gravou 10 faixas, apresentadas na Virada Cultural Solidária de Ribeirão Preto - Pedro Carrano

Quem se aproximou nos primeiros dias da ocupação Nova Guaporé 2, no bairro Campo Comprido, num doloroso 17 de dezembro de 2020, marcado pela crise social e pela dura experiência de despejos forçados, logo ficou sabendo da história dessa carismática liderança.

Naquele dia, a Nova Guaporé 2 nascia de um despejo na Cidade Industrial e se tornava uma nova ocupação em outro bairro, envolvendo uma centena de famílias que corriam o risco de ser deixadas na rua pela prefeitura. Logo depois, nos dias enquanto ela ainda dormia no chão com a filha de quatro anos, em um barraco rasteiro, num canto da ocupação, Laudy Gomes já era uma das porta-vozes na prática, resumindo com a sua vida a razão daquelas mais de cem famílias estarem ocupando um terreno em bairro da elite curitibana.

Nesta quarta, onze meses depois, no dia 17 de novembro, a Câmara Municipal de Curitiba, por meio do mandato de vereadores negros, Carol Dartora, Renato Freitas e Herivelto Oliveira, organizou sessão solene do Dia da Consciência Negra (20 de novembro). A Câmara, naquele momento, estava ocupada pelo povo negro, em uma imagem histórica que, ao mesmo tempo, é uma denúncia do racismo e elitismo da “casa do povo” – nome, até então, pouco convincente.

Freitas e Dartora apontaram que, logo na sala ao lado da sessão da Câmara, onde estão os quadros e os retratos dos presidentes daquela casa, não havia nenhuma foto de um presidente negro. Oliveira complementou que Curitiba é uma capital formada por cerca de 25% de população negra, o que torna mais gritante a ausência dessa população nos espaços de poder e de mídia.

“O universo não dá para medir”

Foi uma noite marcada por relatos, biografias e históricos de resistência, superação e produção de conhecimento, mesmo em um país que atualmente deixou de fornecer qualquer condição para isso.

Nascida em Curitiba, na vila Lindoia, Laudiceia Rodrigues Gomes, ou Laudy Gomes, como hoje é conhecida, mudou-se com os irmãos para a comunidade Guarituba, em Piraquara, na região metropolitana de Curitiba. Lá, desde cedo desenvolveu o gosto pela música e pelo esporte.
Destacada como aluna, enfrentou dificuldades para concluir o ensino médio. “Aonde eu morava era muito longe do colégio, fazia bolo para vender para ir à escola, eu não conseguia passagem. No segundo grau do ensino médio, os professores se preocupavam e tentavam me ajudar”, recorda.

Mãe de dois filhos, Isaac, de 13 anos, e Duda, de 5 anos, liderança negra, Laudy, entre tantas atividades, tem um canal no Youtube, é professora de música e canto, realizou vários trabalhos, sempre com olhar e atenção para as crianças. “Sempre cantei, desde pequena, mas tocar instrumento foi na adolescência, quando tive contato com os instrumentos na igreja”, recorda.

Letrista e compositora de várias canções, recentemente gravou 10 faixas, apresentadas na Virada Cultural Solidária de Ribeirão Preto. Laudy é autora de versos como esse:

“Quando você fechar os seus olhos
e medir o universo
Saberá que não dá para medir
As estrelas não dá pra contar
O universo não dá pra medir
esse amor que eu sinto por você
é infinito”

Realizou diferentes atividades representando a comunidade Nova Guaporé 2, participando hoje da coordenação do Atelier de mulheres Linha da Esperança, um ponto popular de trabalho na comunidade, para geração de renda e organização das mulheres.

Lutas

Duas são as lutas principais de Laudy hoje na condição de militante popular, de acordo com ela. A primeira é a luta antirracista, atuando ao lado da Rede de Mulheres Negras. A outra é por moradia e direitos sociais, desde o local da Guaporé, articulando a atuação com a União de Moradores e Trabalhadores (UMT) e com o Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD).

“O racismo é triste no Brasil. Estudando a história dos negros, me fez querer lutar pelos negros. O racismo começa na escola, não quero que as crianças de hoje passem o que eu passei na escola, professores falando só de nossa morte. Tem mais histórias que isso, o governo não exige que os professores falem sobre toda a História dos negros”, aponta Laudy.

Ao final da sessão, numa Câmara que certamente não voltará a ser a mesma depois da noite de quarta, fazendo uma apresentação com seu violão de improviso diante da tribuna, Laudy puxou o coro cantado por todos que estavam presentes na sessão:

“Sou a resistência
Sou a minha cor
Sempre lutando não vamos parar
Saia da frente que vamos passar.”

Edição: Lucas Botelho