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Entenda o que é o imposto global que Lula propôs na Europa para acabar com a pobreza mundial

Ex-presidente defende taxar transações financeiras internacionais para criar fundos de erradicação da miséria no planeta

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Proposta de Lula na SciencesPo chegou a ser debatida no G20 em 2011 - Divulgação/SciencesPo

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em sua palestra na SciencesPo, o Instituto de Estudos Políticos de Paris, uma das instituições mais respeitadas do mundo na área de ciência política e social, propôs a criação de um imposto global sobre transações financeiras internacionais para erradicar a pobreza no planeta.

O discurso feito na tarde de terça-feira (16) pelo ex-presidente – que foi recebido com festa na faculdade – foi além das reflexões sobre o Brasil. A fala de Lula foi centrada no que caracterizou como a necessidade de uma "nova governança global democrática".

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“Será que teremos de esperar a próxima crise para voltar a falar sobre a necessidade de uma governança global democrática? Até quando a ganância dos ricos, o isolacionismo dos governos e o individualismo vão prevalecer sobre os interesses do planeta e da humanidade?”, questionou o ex-presidente.

“Estamos falando da responsabilidade dos Estados nacionais e da recuperação do papel da Política, em seu mais elevado sentido, para enfrentarmos juntos e coordenadamente o desafio da desigualdade. O atraso, a pobreza e a fome não são mandamentos divinos. São o resultado do que fazemos ou deixamos de fazer neste mundo”, prosseguiu.

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Para resolver o dilema, Lula propôs: "Não há justificativa para não termos taxado as transações financeiras globais, e criado fundos de desenvolvimento e combate à pobreza".

A sugestão do petista é tema de debates diplomáticos há mais de dez anos. Em 2011, na cúpula do G20, a então presidente Dilma Rousseff (PT) liderava negociações para viabilização do imposto, que também era apoiado por países como França (à época, sob comando de Nicolas Sarkozy), Alemanha (chefiada por Angela Merkel) e Argentina (liderada por Cristina Kirchner).

Em contrapartida, Dilma exigia um consenso sobre a adoção do chamado "piso básico de proteção social", projeto da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A sugestão de Lula é similar, contudo, aponta para a utilização do recurso em fundos de combate à miséria em países subdesenvolvidos.

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Apesar do apoio que a proposta teve no G20, o texto não prosperou. Desde então, o debate volta à diplomacia de diferentes formas. Em junho, ministros da Fazenda que compõem o G7 aprovaram a criação de um imposto global de até 15% sobre o lucro de empresas multinacionais. Em outubro, os líderes do G20 ratificaram a medida, que passa a valer em 2023.

A iniciativa ganhou impulso com a chegada à Casa Branca de Joe Biden. Em sua conta oficial no Twitter, o presidente dos Estados Unidos disse que este pacto "é mais do que um simples acordo tributário", pois é um exemplo de como "a diplomacia está remodelando a economia global e proporcionando benefícios à população".

Um relatório divulgado pelo Observatório Fiscal da União Europeia estima que o potencial de receita de um imposto mínimo de 15% sobre os lucros das multinacionais de 35 países poderia gerar uma receita extra de € 120 bilhões (R$ 743 bilhões). Desse valor, 40% ficaria com países da União Europeia e 34% com os Estados Unidos. O Brasil teria € 942 milhões de arrecadação extra (quase R$ 6 bilhões).

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A proposta de Lula na SciencesPo difere do proposto em 2011, com participação de Dilma, e do que foi aprovado no G20. O petista defende a taxação das transações financeiras internacionais, e não apenas do lucro das multinacionais. Na visão dele, a receita deveria ser revertida em estratégias globais para erradicação da probreza.

O economista argentino Julio Gambina escreveu sobre o tema recentemente, em artigo publicado no jornal Página12 e traduzido pelo Centro de Promoção de Agentes de Transformação (Cepat), do Instituto Humanitas Unisinos.

Segundo ele, o debate foi inaugurado na década de 1970 pelo economista norte-americano, James Tobin (1918-2002). Embora de formação conservadora, Tobin compreendia a necessidade de algum grau de regulação da desordem das transações internacionais. A proposta ficou conhecida como Taxa Tobin.

"Não é nova a ideia de um imposto global e vale o antecedente da Taxa Tobin, proposta em inícios dos anos 70 do século passado, que para ser concretizada requeria uma globalidade que era questionada pelo ideário em ascensão, que em pouco tempo se tornaria hegemônico: as propostas neoliberais", escreveu.

A Taxa Tobin foi defendida, a nível mundial, pela Associação pela Tributação das Transações Financeiras para ajuda aos Cidadãos (ATTAC), organização internacional inserida nos movimentos anti-globalização.

"Os limites do presente tornam, agora, possível retomar a proposta de um imposto global às grandes corporações. James Tobin queria reparar o mecanismo da especulação financeira e suas ideias foram assumidas pelo movimento de ação global ATTAC, na virada do século, propondo arrecadar para atender as necessidades da pobreza", refletiu Gambina.

Leia a íntegra do discurso de Lula na SciencesPo:

“É um privilégio voltar a este anfiteatro histórico, onde estive há dez anos para receber o título de Doutor Honoris Causa da Sciences Po. Tenho hoje a oportunidade de renovar os agradecimentos e compartilhar impressões sobre as mudanças que ocorreram, desde então, no Brasil, na América Latina e em nosso planeta.

Quero primeiramente agradecer por este honroso convite à presidente da Fundação Nacional de Ciências Políticas, Laurence Bertrand, ao presidente do Observatório Político da América Latina e Caribe, Olivier Dabene, e a seu diretor-executivo, o professor Gaspard Estrada.

Disse em 2011 e reafirmo que estas homenagens não pertencem a mim pessoalmente, mas ao sofrido e corajoso povo brasileiro, em sua luta permanente por um país e um mundo mais justo, menos desiguais e mais democráticos.

Quero saudar os convidados, os professores e professoras, funcionários, alunos e alunas. Faço uma saudação especial aos estudantes brasileiros e latino-americanos, que a Sciences Po sempre acolheu nos momentos históricos mais difíceis para nossa gente. A solidariedade aos perseguidos do mundo é uma das mais admiráveis tradições do povo de Paris; tradição que felizmente persiste nesses tempos em que se dissemina o ódio e a intolerância.

Pessoalmente, tenho muito a agradecer pelo apoio e solidariedade que recebi de tantos amigos e companheiros na França, ao longo do período em que fui alvo de uma implacável perseguição judicial, política e midiática em meu país.

Agradeço especialmente ao Comitê Lula Livre da França, ao apoio que recebi de companheiros como François Hollande e Jeán-Luc Melanchon, ao Conselho de Paris e à prefeita Anne Hidalgo, por minha nomeação com Cidadão de Honra de Paris. Foram gestos generosos que romperam o muro de silêncio sobre a nossa resistência no Brasil.

Foram cinco anos de luta pela verdade e pela justiça até que o Supremo Tribunal Federal do Brasil viesse a estabelecer, afinal, a suspeição e a parcialidade do juiz que me condenou sem provas e sem causa, como vinham denunciando desde o início meus incansáveis advogados, Cristiano Zanin e Valeska Teixeira Martins.

Sempre compreendi que ao condenar, prender ilegalmente e tentar proscrever minha pessoa, o que se pretendia era aniquilar o projeto de um país mais justo, soberano, comprometido com a sustentabilidade ambiental e democraticamente integrado ao mundo, que os governos do Partido dos Trabalhadores representaram e continuam representando no Brasil.

Nossa vitória na dura batalha para restabelecer minha inocência e meus direitos políticos insere-se na luta mais ampla do povo brasileiro e dos que defendem a liberdade e a democracia em todo o mundo. Se vencemos, foi porque nunca estive só. Os 580 dias e noites em que estive preso foram também 580 dias e noites em que, do lado de fora, sob sol ou sob chuva, companheiros e companheiras que eu nem conhecia pessoalmente estavam em permanente e solidária vigília.

Meus amigos, minhas amigas,

Quando estive aqui, em setembro de 2011, o mundo ainda sofria os impactos da grande crise do capitalismo de 2008, decorrente da especulação financeira desenfreada e sem controles.

O alerta para os efeitos nefastos do aquecimento global já estava na ordem do dia. Debatíamos a necessidade de fortalecer os organismos multilaterais e de atuarmos coordenadamente pela paz, contra a desigualdade, a miséria e a fome no mundo.

Dez anos depois, os desafios fundamentais da humanidade continuam os mesmos. A urgência de enfrentá-los é que vai se tornando maior. Uma urgência agravada pela pandemia que segue devastando especialmente as populações dos países mais pobres, além daqueles cujos governos negaram a Ciência ou, pior ainda, investiram na morte, como ocorreu no Brasil.

É duro, mas é necessário, admitir que na última década o mundo regrediu.

Não há como explicar às gerações futuras que em nosso tempo 1% da humanidade detém quase a metade da riqueza do planeta, enquanto 800 milhões de pessoas passam fome. Que uns poucos privilegiados viajam ao espaço por um capricho bilionário, enquanto milhões de famílias não têm sequer onde morar.

Não há justificativa para não termos taxado as transações financeiras globais, e criado fundos de desenvolvimento e combate à pobreza.

É diante desses desafios que me convidam a falar sobre o papel do Brasil no futuro próximo. Apesar da gravíssima situação e de todos os retrocessos que foram impostos ao país e ao povo brasileiro nos anos recentes, quero trazer uma palavra de esperança.

Meus amigos, minhas amigas,

É inevitável comparar a posição que o Brasil havia alcançado nas relações internacionais com o isolamento entre as nações em que o país se encontra hoje. Isso não é fruto do acaso. É o resultado de uma disputa pelo poder que extrapolou os limites da Constituição e do respeito à democracia, até culminar no golpe do impeachment sem crime da presidenta Dilma Rousseff, em 2016, e tudo o que veio depois.

O objetivo indisfarçável do golpe era reverter o projeto de país soberano, voltado para o desenvolvimento econômico, social e ambientalmente sustentável, com geração de emprego e distribuição de renda para a imensa maioria historicamente excluída.

Ampliamos significativamente o investimento público em políticas sociais e de infraestrutura para o crescimento, reduzindo e controlando a inflação e a dívida pública. O Brasil chegou a ser a sexta maior economia do mundo. Em 12 anos, criamos 20 milhões de empregos formais, elevamos em 74% o salário-mínimo e, graças a um conjunto de programas, dos quais o mais conhecido é o Bolsa Família, tiramos da miséria 36 milhões de pessoas. Em 2012, o Brasil saiu do Mapa da Fome da ONU.

Criamos 18 universidades, com 178 novos campi e 422 escolas técnicas por todo o país. O Estado criou o passou a garantir o crédito educativo, ampliou a oferta de vagas e reservamos cotas para negros, indígenas e alunos de escolas públicas nas universidades. As matrículas no ensino superior saltaram de 3,5 milhões para 8 milhões e, pela primeira vez, negros, pardos e filhos de trabalhadores chegaram a ser maioria nas universidades públicas do Brasil.

Dessa forma reduzimos a desigualdade e ao mesmo tempo aprofundamos a democracia.

Costumo dizer que tudo isso aconteceu porque, também pela primeira vez, colocamos os pobres e os trabalhadores no Orçamento da União, provando com isso que os pobres não são problema, mas sim a solução do país.

Transformações dessa magnitude parecem intoleráveis para elites forjadas num processo histórico marcado pela violenta apropriação das terras e das riquezas naturais, pelo genocídio dos indígenas e por mais de três séculos de escravização de povos africanos.

Havíamos interrompido um ciclo de políticas econômicas neoliberais, de encolhimento do estado e privatização sem critério. Contrariamos poderosos interesses econômicos, financeiros e geopolíticos dentro e fora do Brasil. Foi para interromper aquele projeto de país soberano e retomar o ciclo neoliberal que mentiram ao país até levar um governo autoritário e obscurantista à presidência da República.

Na realidade, o processo de destruição nacional em curso no Brasil só poderia ser conduzido por um governo antidemocrático, num país envenenado pela indústria das fake news e em que a oposição é excluída dos debates nos grandes meios de comunicação.

Destruíram cadeias econômicas essenciais, os setores de engenharia, óleo e gás, e estão destruindo a maior empresa do povo brasileiro, a Petrobrás. Corroeram as finanças públicas e contrariamente ao que prometiam, minaram a confiança dos investidores. Transformaram o Brasil numa economia onde apenas especuladores e oportunistas obtém benefícios.

O resultado é que em apenas cinco anos os trabalhadores perderam direitos fundamentais, o desemprego e o custo de vida explodiram, programas sociais foram abandonados ou descontinuados, incluindo o Bolsa Família. A fome voltou ao cotidiano das famílias.

O governo desmonta políticas públicas bem sucedidas e persegue os cientistas, artistas, professores e lideranças sociais; incentiva a destruição das florestas e a mineração ilegal.

Este governo colocou o Brasil de costas para o mundo e quem mais sofre com isso é o povo.

Por todos estes motivos, uma nova inserção do Brasil no cenário mundial passa, necessariamente, pela reconstrução do país, num processo de eleições democráticas e verdadeiramente livres, sem fake news diferentemente do que ocorreu em 2018.

Queridos amigos, queridas amigas,

O isolamento político e diplomático do Brasil é nocivo não só para o nosso país, mas para a comunidade das nações. Ouso dizer que nossa participação ativa nos grandes fóruns globais faz muita falta para o mundo.

O Brasil é muito mais que um imenso território, um grande mercado e uma economia que foi até recentemente um dos maiores destinos de investimento produtivo. O Brasil são 213 milhões de seres humanos, das mais diversas origens, com capacidade de trabalhar, aprender, ensinar e sonhar. Um país defensor do diálogo, com tradição de convivência pacífica e respeito à autodeterminação dos povos.

Temos muito a contribuir em temas como o combate à pobreza e à fome; o diálogo político; a construção da paz; o equilíbrio geopolítico do mundo; a democratização das relações financeiras e comerciais entre países e no enfrentamento da emergência climática. Temos muito a contribuir para a segurança alimentar do planeta, a economia global, a cultura, a ciência e tecnologia.

Na medida em que o povo brasileiro volte a decidir sobre os rumos do país, estou certo de que atuaremos fortemente em todas as iniciativas para superar a indecente desigualdade entre países, e garantir a segurança ambiental do planeta. Esta é a nossa vocação e foi nossa prática quando governamos.

Recordo que chegamos à Conferência do Clima de Copenhague, ainda em 2009, apresentando a meta voluntária de reduzir as emissões de CO2 em até 39% em 2020, compromisso transformado em lei pelo Congresso Nacional. Aquela atitude nos autorizou a chamar à mesa os grandes países, lançando ali as sementes do que viria a ser o Acordo do Clima de Paris de 2015.

Nossa credibilidade era lastreada na redução da taxa de desmatamento em 75%, o menor nível alcançado até então. Nosso governo foi responsável por 74% das unidades de conservação florestal e ambiental criadas no mundo naquele período. Apresentei estes dados aqui na Sciences Po. em 2011 e, apesar de todos os retrocessos, são eles que representam de fato o compromisso do povo brasileiro com o planeta em que vivemos.

Temos plena consciência da necessidade de preservar a Amazônia, por uma razão muito simples e não muito difundida: é nela que vivem mais de 25 milhões de brasileiros e brasileiras, incluindo povos indígenas, populações ribeirinhas, pescadores e extrativistas. A ninguém interessa mais preservar a floresta, saudável e de pé, do que a quem dela retira seu sustento, em necessário equilíbrio.

Demarcamos mais de 50 milhões de áreas de proteção florestal em nossos governos, para que nelas possam conviver os indígenas, os quilombolas e as populações locais em harmonia com a natureza. Incentivamos a pesquisa científica e a utilização sustentável dos recursos da Amazônia em benefício da humanidade.

Os que destroem, degradam, incendeiam e desmatam são invasores, que, em nosso período, vinham sendo cada vez mais coibidos pela lei e pelo Estado, mas no governo atual eles receberam salvo-conduto para cometer seus crimes.

Somos nós os mais radicalmente interessados em manter vivo esse patrimônio natural, sem abrir mão nem de nossa soberania nem de nossa responsabilidade intransferível. Foi dessa maneira que obtivemos, por exemplo, o apoio financeiro da Alemanha e da Noruega para constituir o Fundo Amazônia, que lamentavelmente foi tornado inviável pelo atual governo do Brasil.

Queridas amigas, queridos amigos,

Foi para nos abrirmos ao mundo, de maneira soberana e solidária, que nos empenhamos na integração latino-americana a partir da América do Sul. Fortalecemos o Mercosul, criamos a Unasul, o Instituto Sulamericano de Governo em Saúde, o Conselho de Defesa da América do Sul e, em seguida, da Comunidade de Estados Latino-Americanos e do Caribe, a Celac.

Não é pouco relevante, considerando a história, termos estabelecido na América Latina e Caribe um foro político e diplomático autônomo em relação aos Estados Unidos.

Na minha visão, o avanço da integração regional permitirá aos nossos países contribuir de forma efetiva para um diálogo global mais democrático. Por isso, também inovamos ao estabelecer o IBAS, com a Índia e África do Sul, e os BRICS, incluindo a Rússia e China.

Ampliamos o comércio e as relações com a União Europeia e avançamos na parceria estratégica e de Defesa com a França. Cooperamos com os países da África, estabelecemos novo diálogo com os países árabes e com a China, sem prejuízo de relações comerciais e diplomáticas que mantínhamos com outros países.

Foram avanços importantes, dentro de uma visão de um mundo multipolar, que deram consequência prática à defesa de relações econômicas e políticas mais equilibradas entre países. A necessidade de fortalecer ou renovar o sistema multilateral, tornando-o mais efetivos por meio de sua democratização, é uma questão dramaticamente urgente para o mundo.

Nunca me conformei com o fato dos países ricos não terem dado consequência às resoluções do G 20 nas reuniões de Londres e Pitsburgh em 2009.

Além da frustração com o que se deixou de fazer, preocupa-me que a comunidade internacional tenha feito tão pouco para impedir que outra crise venha a ocorrer em escala ainda maior. O sistema financeiro globalmente integrado exerce seu poderio de forma instantânea sobre a vida de 7 bilhões e oitocentos milhões de pessoas.

Será que teremos de esperar a próxima crise para voltar a falar sobre a necessidade de uma governança global democrática? Até quando a ganância dos ricos, o isolacionismo dos governos e o individualismo vão prevalecer sobre os interesses do planeta e da humanidade?

Estamos falando da responsabilidade dos Estados nacionais e da recuperação do papel da Política, em seu mais elevado sentido, para enfrentarmos juntos e coordenadamente o desafio da desigualdade.

O atraso, a pobreza e a fome não são mandamentos divinos. São o resultado do que fazemos ou deixamos de fazer neste mundo.

A experiência me mostrou que para enfrentar a desigualdade num país, é central o papel do Estado para cobrar e distribuir, para planejar e executar políticas públicas abrangentes, para garantir os direitos do mais fracos. Estas funções o Estado exerce quando é governado democraticamente, convivendo com a energia de uma sociedade livre – partidos, movimentos, imprensa, universidades e indivíduos.

A desigualdade entre os povos e países tampouco nasceu com a humanidade. É resultado de processos históricos que privilegiaram alguns em detrimento de muitos, em um círculo vicioso, até chegarmos ao ponto em que nos encontramos.

É certo que não temos respostas prontas para estas questões, mas é mais certo ainda que elas só vão se agravar se ficarmos inertes e tudo continuar como está.

Temos de buscar estes caminhos no diálogo democrático, sincero e com sentido de justiça, para o qual o Brasil terá muito a contribuir, tão logo volte a ser a um país soberano.

Amigos e amigas,

O mundo ainda vive a grande crise causada pela pandemia. Como ocorreu depois de outras grandes crises, é necessário reconstruir as instituições internacionais sobre novas bases. Não podemos continuar governados pelo sistema criado após a Segunda Guerra Mundial. É urgente convocar uma conferência mundial, com representação de todos os Estado, e participação da sociedade civil, para definir uma nova governança global, justa e representativa.

Neste planeta que compartilhamos, o futuro da humanidade precisa ser construído com diálogo e não autoritarismo, com paz e não com violência; com mais livros e não mais armas; com mais escolas para termos menos presídios. Com mais verdade, e menos mentiras. Com mais respeito a natureza, para assegurarmos a água, o ar e a vida para nossos filhos e netos. Com mais acolhimento e solidariedade, e menos exclusão.

Com mais amor e menos ódio. Muito obrigado, do fundo do meu coração, por esse reencontro!”

Edição: Vivian Virissimo